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Scientific Society Journal  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ​​ ORIGINAL

Análise da demanda ventilatória em atividades de vida diária na insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal durante quimioterapia de linfoma não Hodgkin

Jéssica Câmara Guimarães1; Tainã Batista de Oliveira2; Guilherme Rocha Pardi3; Leonardo Rodrigues de Oliveira4; Gualberto Ruas5

 

Como Citar:

GUIMARÃES, ​​ Jéssica Câmara;DE OLIVEIRA, Tainã Batista; PARDI, Guilherme Rocha; DE OLIVEIRA, Leonardo Rodrigues; RUAS, Gualberto. Análise da demanda ventilatória em atividades de vida diária na insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal durante quimioterapia de linfoma não Hodgkin. Revista Sociedade Científica, vol.7, n.1, p.1943-1951, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202430917

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DOI: 10.61411/rsc202430917

 

Área do conhecimento: Ciências da Saúde.

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Sub-área: Fisioterapia Respiratória; Medicina; Oncologia e Cardiologia.

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Palavras-chaves: Demanda ventilatória, Atividade de vida diária e Insuficiência cardíaca.

 

Publicado: 15 de abril de 2024.

Resumo

O indivíduo quando é submetido ao tratamento quimioterápico pode sofrer diversas reações adversas dentre elas a cardiotoxicidade e pneumotoxicidade. Além disso, o tratamento pode provocar fadiga muscular que impacte na realização das atividades de vida diária. Relata-se o caso do paciente do sexo masculino, 50 anos de idade, com Linfoma não Hodgkin, foi submetido a avaliações cardíacas e pulmonares durante as atividades de vida diária pós-tratamento quimioterápico. Foram detectadas alterações importantes quanto à demanda ventilatória, força muscular respiratória, função pulmonar e função cardíaca com presença de insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal.

 

Abstract

The individual undergoing chemotherapy may suffer from several adverse reactions, including cardiotoxicity and pneumotoxicity. In addition, the treatment can cause muscle fatigue that impacts the performance of activities of daily living activities. The case of the 50 years male patient, with non-Hodgkin's lymphoma that underwent cardiac and pulmonary evaluations during daily life activities after chemotherapy. It presented important alterations in ventilatory demand, respiratory muscle strength, pulmonary function and cardiac function with the presence of heart insufficiency with a normal ejection fraction.

Keywords:.ventilatory demand, activities of daily living and heart failure.

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1.Introdução

O tratamento quimioterápico pode desencadear várias reações adversas, como por exemplo, a toxicidade pulmonar e cardíaca.1,2

A cardiotoxicidade por quimioterapia segundo o Instituto Nacional de Saúde (NIH- Estados Unidos) pode provocar modificações importantes e agudas como na repolarização ventricular, alterações no intervalo Q-T, arritmias supraventriculares e ventriculares, síndromes coronarianas agudas, pericardite e miocardite detectadas até 14 dias após o término do tratamento como disfunção ventricular sistólica ou diastólica, que podem levar a insuficiência cardíaca congestiva até a morte cardiovascular.3 A toxicidade pulmonar provoca vários prejuízos no sistema respiratório, como a chamada síndrome pulmonar restritiva, com diminuição na função das trocas de monóxido de carbono (CO)4.

A fadiga muscular também é considerada reação adversa frente ao tratamento do câncer, sendo sintoma multifatorial cuja causa envolve aspectos físicos e psíquicos, o que desse modo contribui de forma significativa nas atividades de vida diária (AVD’s) e reduz a capacidade de trabalho.5   

As AVD’s básicas são aquelas realizadas de modo automático no cotidiano, como vestir-se, alimentar-se, tomar banho, pentear-se, atender ao telefone, escrever, manipular correspondências, dinheiro, livros e jornais, além da própria mobilidade corporal com as transferências de um lugar para outro. Todavia, há as AVD’s instrumentais como cozinhar, guardar utensílios em armários, arrumar a cozinha e lavar roupas, sendo essas as mais complexas.6

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2.Relato do caso

Paciente masculino, 50 anos, afro-brasileiro, sedentário, sem comorbidades prévias e sem vícios. Submetido à investigação hospitalar motivada por paralisia facial periférica. Posteriormente à extensa avaliação, o diagnóstico de linfoma não Hodgkin difuso de grandes células B foi estabelecido, a partir de análise histopatológica e imuno-histoquímica de adenopatia retroauricular, em dezembro de 2015. A partir disso, paciente foi encaminhado à Central de Quimioterapia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Ao exame clínico: lúcido, eupneico, hipocorado, hidratado, afebril. Ausência de turgência jugular. A ausculta pulmonar revelou-se normal, bem como a cardíaca. Abdome sem visceromegalias e massas palpáveis, membros sem edemas; peso: 66 Kg; altura: 167 cm, IMC calculado: 23,7 kg/m²; PA: 110x70 mmHg; FC: 98 bpm; FR: 22 irpm; SPO2: 99% em ar ambiente. Classe funcional II, segundo New York Heart Association (NYHA).

O tratamento de doença oncológica foi conduzido com seis ciclos poliquimioterapia segundo protocolo CHOP-21 (ciclofosfomida, hidroxidoxorrubicina, vincristina e prednisona).

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Exames complementares pré-tratamento quimioterápico:

Radiografia de Tórax: sem evidências de cardiomegalia, derrame pleural e alterações em parênquima pulmonar.

Hemograma: Hemácias: 3,59mm³; Hemoglobina: 10,70g/dL; Hematócrito: 31,6%; Leucócitos: 5.990/mm³; Plaquetas: 197.000mm³.

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Exames complementares pós-tratamento quimioterápico:

Radiografia de Tórax: índice cardiotorácico sem alterações, espessamento hilar bilateral, aparente aumento da área cardíaca.

Avaliação dos músculos respiratórios (PImáx e PEmáx): PImáx = 56,6cmH2O e PEmáx = 70cmH2O. Valor predito quanto à idade e sexo: Homens (PImáx: -1,24 x 50anos + 23237 = 170,37 e PEmáx: -1,26 x 50 anos + 183,31 = 120,31).

Eletrocardiograma: Taquicardia sinusal com frequência cardíaca de 115 bpm; alterações difusas da repolarização ventricular.

Ecocardiograma com doppler transtorácico: Fração de ejeção: 65%; Função ∆D%: 34%; Aorta: 29mm; Átrio esquerdo: 34mm; Ventrículo direito: 11mm; Ventrículo esquerdo = diâmetro diastólico: 46mm; diâmetro sistólico: 29mm; septo: 8mm; parede posterior: 8mm. Escape valvar aórtico. Alterações do relaxamento ventricular.

Hemograma: Hemácias: 2,21mm³; Hemoglobina: 6,80g/dL; Hematócrito: 21,1%; Leucócitos: 11.060/mm³; Plaquetas: 11.000mm³.

Espirometria: CVF= 2.70L; predito = 4.47L / VEF1= 2.19L; predito = 3.63L / Relação VEF1/CVF= 81,0%; predito = 81.1%. Interpretação do exame: Baixa capacidade vital possivelmente devido à restrição de volumes pulmonares.

Ergoesperometria: consumo de oxigênio (VO2Basal) = 1,18mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono basal (VE/VCO2 slopeBasal) = 40,0/1,11= 36,03L.

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Análise do comportamento das variáveis ventilatórias após as AVD´s:

Atividade de vida diária – Banho/enxugar-se:

​​ Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,47mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2slope) = 46,8/1,23 = 38,04 L.

Atividade de vida diária – Vestir-se:

Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,30mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2slope) = 46,2/1,30 = 35,53 L. ​​ 

Atividade de vida diária – Escovar os dentes:

Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,64mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2 slope) = 46,6/1,45 = 32,13 L.  ​​​​ 

Atividade de vida diária – Pentear os cabelos:

​​ Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,20mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2 slope) = 45,70/1,16 = 39,39 L.

Atividade de vida diária – Calçar os sapatos:

Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,39mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2 slope) = 47,00/1,03 = 45,63 L. ​​ 

Atividade de vida diária – Comer:

Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,46mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2 slope) = 46,80/1,23 = 38,04 L.  ​​​​ 

Atividade de vida diária – Deitar e levantar da cama:

Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,55mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2 slope) = 45,90/1,38 = 33,26 L.  ​​ ​​​​ 

Atividade de vida diária – Locomover-se:

​​ Consumo de oxigênio pico (VO2 pico) = 1,75mL.kg-1.min-1; relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2 slope) = 51,90/1,36 = 38,16 L.  ​​​​ 

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3.Discussão

A toxicidade cardíaca induzida por quimioterápicos pode ser ou não reversível, ainda não possui definição ideal e conduz à insuficiência cardíaca. Pode manifestar-se de maneira aguda ou crônica, desenvolvendo-se até mesmo após o tratamento oncológico10.

O tratamento utilizado para o Linfoma não Hodgkin desse paciente consistiu em uma combinação de substâncias químicas, conhecida como esquema CHOP (ciclofosfomida, hidroxidoxorrubicina, vincristina e prednisona). Esse regime desenvolve no indivíduo vários efeitos secundários, sendo a fadiga e a fraqueza muscular os mais comuns.7 As antraciclinas (por exemplo, doxorrobucina), sabidamente vem sendo atribuídas a potencial cardiotóxico por diversos mecanismos. Já o medicamento Vincristina provoca no sistema cardiovascular a isquemia miocárdica secundária, vasoespasmo das artérias coronárias e neuropatia autonômica.³

Pelo ecocardiograma realizado após quimioterapia, tendo em vista piora da limitação funcional prévia dados sintomas cardiopulmonares, observou-se aumento da espessura do miocárdio, escape valvar aórtico e alterações do relaxamento ventricular, embora manutenção da fração de ejeção normal. Um dos parâmetros de cardiotoxicidade documentada é a redução desta.10 Já o eletrocardiograma acusou alterações difusas da repolarização ventricular e, além disso, observou-se aumento do índice cardiotorácico após a instituição do tratamento no indivíduo em questão.

A ergoespirometria consiste no teste cardiopulmonar de exercício, sendo um exame não invasivo que mensura a ventilação (VE), o consumo de oxigênio (VO2), a produção de gás carbônico (VCO2), dentre outras variáveis, permitindo a avaliação funcional cardiorrespiratória. O pico do VO2 é considerado anormal quando abaixo de 85% do percentil predito. A relação VE/VCO2 reflete a necessidade ventilatória para um dado nível de consumo de oxigênio e, portanto, apresenta-se como índice de eficiência ventilatória.¹¹

Alguns dos parâmetros de dispneia por limitação cardiovascular são VO2 reduzido e ineficiência ventilatória, caracterizada por VE/VCO2 slope elevado (quando > 35 indica maior gravidade).¹¹ ​​ Nas principais AVD’s avaliadas, em calçar os sapatos e pentear os cabelos, houve um aumento na relação VE/VCO2 slope comparado com o basal; tal variável expressa nesse caso, aumento da demanda energética. Logo, quanto maior for à ventilação para a mesma produção de gás carbônico, maior será o valor da inclinação ou do slope, que representa a eficiência ventilatória, importante marcador do prognóstico na insuficiência cardíaca.9

Em nosso estudo, a partir das avaliações da força muscular respiratória e da função pulmonar, observou-se a presença de fadiga e fraqueza dos músculos respiratórios, sendo os valores obtidos tanto na Pressão Inspiratória máxima (PImáx) quanto na Pressão Expiratória máxima (PEmáx) são abaixo dos esperados, com distúrbio ventilatório restritivo avaliado na função pulmonar.

Estudos apontam que a função dos músculos respiratórios e disfunção ventilatória podem estar afetadas na presença de doenças cardíacas.8 Essas alterações podem contribuir para um aumento da demanda ventilatória como evidenciada na avaliação do comportamento das variáveis ventilatórias.

Em estudo sobre as técnicas de conservação de energia nas AVD’s em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), mostra-se que a simples elevação dos braços aumenta o consumo de oxigênio e da ventilação pulmonar em indivíduos saudáveis, ​​ porém, a adaptação do ambiente e adequação postural para realização das AVD’s demonstram ser eficientes para reduzir a sensação de dispneia, o consumo de oxigênio, e produção de dióxido de carbono em indivíduos com DPOC.6 ​​ Essas técnicas podem ser implementadas nos indivíduos em tratamento quimioterápico que apresentam fadiga e dispneia.

Frente às alterações apresentadas na avaliação do paciente após a quimioterapia, observa-se a necessidade de um protocolo de exercícios que adapte o sistema cardíaco e respiratório, para receber as substâncias químicas do tratamento contra câncer dentro dos limites estipulados, visando diminuir os efeitos adversos nesses sistemas. O emprego de agentes citoprotetores oportunos devem ser considerados.

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4.Declaração de direitos

 Os autores declaram ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade dos autores, e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

 

5.Referências

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1

Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, Uberaba, Brasil

2

Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, Uberaba, Brasil

3

Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, Uberaba, Brasil

4

Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, Uberaba, Brasil

5

Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, Uberaba, Brasil


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