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Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL
A mortalidade materna no Maranhão no contexto da pandemia de COVID-19
Macleya Gomes Silva1; Ana Paula Nascimento da Silva2; Paula Sousa Santos3; Marinete Rodrigues de Farias Diniz4
Como Citar:
SILVA, Macleya Gomes; DA SILVA, Ana Paula Nascimento; SANTOS, Paula Sousa; DINIZ, Marinete Rodrigues de Farias. A mortalidade materna no Maranhão no contexto da pandemia de COVID-19. Revista Sociedade Científica, vol.7, n.1, p.1321-1332, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202429817
Área do conhecimento: Ciências da Saúde.
Sub-área: Epidemiologia, Saúde Pública.
Palavras-chaves: morte materna; novo coronavírus; perfil epidemiológico; políticas públicas; razão da mortalidade materna.
Publicado: 13 de março de 2024
Resumo
Define-se como mortalidade materna o óbito decorrente de complicações da gestação, parto ou puerpério. A análise sobre a mortalidade materna suscita várias reflexões, tanto no âmbito da saúde como no social. O objetivo da presente pesquisa foi analisar o perfil epidemiológico da mortandade materna associada à COVID-19 no período de 2020 e 2021 e comparar as razões de morte materna (RMM) no período entre 2019 e 2021, nas regiões de saúde do Estado. Para avaliar o perfil epidemiológico, foram realizadas distribuições proporcionais segundo os grupos etários, raça/cor, estado civil e escolaridade em anos e a RMM foi calculada pelo método direto (RMM SIM). 69% das mortes maternos associadas à COVID-19 ocorreram em mulheres negras, na faixa etária de 30 a 39 anos. Destas, 45% eram mães solteiras e apenas 17% possuíam 12 anos ou mais de escolaridade. A RMM SIM no estado foi de 75.0 para 138.2 de 2019 para 2021, classificando-se de baixa para moderada. Foi observada diferença significativa entre a média RMM em todas as regiões, sendo a maior média registrada em Caxias (158.3/100mil) e a menor em Pedreiras (66.7/100mil). A análise do perfil epidemiológico e a mensuração da magnitude da mortalidade materna associada à COVID-19 lança luz sobre qual população de mulheres e regiões devem ser priorizadas para a implementação e monitoramento de políticas públicas que visem reduzir o número de mortes.
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1. Introdução
A mortalidade materna é definida como o óbito devido a complicações da gravidez, parto ou puerpério. É um importante indicador de saúde, não somente da população feminina, mas da população em geral. Mensura as iniquidades sociais, sendo mais elevada em países de renda média e baixa, mas apresenta heterogeneidade mesmo em países de renda alta, conforme os diferentes estratos socioeconômicos [1].
Durante muito tempo, a mortalidade materna foi considerada uma fatalidade. Hoje, entretanto, entende-se que este é um evento quase sempre evitável, por meio do acesso oportuno a um sistema de saúde de qualidade. Contudo, continua como grande obstáculo à consolidação dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres em todo o mundo [2].
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou estado de pandemia em relação à COVID-19. A doença possui como agente etiológico o vírus SARS-CoV-2 e, devido à sua alta transmissibilidade, afetou um imenso número de países e territórios [3].
No Maranhão, entre 2019 e 2021, foram notificados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 335 óbitos em mulheres em idade fértil (MIF) no ciclo gravídico-puerperal. Destes, 71 óbitos maternos foram associados à COVID-19. O ciclo gravídico-puerperal associado à COVID-19 é um fator de risco devido a complicações como ruptura de membranas, pré-eclâmpsia, diabetes gestacional e hipertensão [3,4].
No Maranhão, houve diferença na distribuição dos casos de mortandade materna associados à gravidez, parto e puerpério e dos casos associados à COVID-19. A análise de indicadores de mortalidade materna do Estado do Maranhão tem o intuito de subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas e ações relacionadas a saúde da população em geral. Dado o quadro epidemiológico da COVID-19 na população maranhenses de MIF no ciclo gravídico-puerperal, é necessário compreender os aspectos da pandemia que se referem à mortalidade materna.
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2. Referencial teórico
No Brasil, o monitoramento da mortalidade materna permanece como um imenso desafio, principalmente pela dificuldade na obtenção de dados confiáveis, que mensurem o verdadeiro impacto deste indicador. Apesar das várias iniciativas governamentais adotadas, no sentido de ampliar a cobertura e a qualidade das informações, as estimativas de morte materna ainda são afetadas primordialmente pelo subdiagnóstico, decorrente do preenchimento e codificações em mortalidade incorretos das declarações de óbito [5,6].
No período da pandemia, outro fator complicador foi a reconhecida subnotificação de casos e óbitos no país, associada à decisão de suspender o acesso à base de dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe. Isto dificultou ainda mais a estimativa do real número de óbitos maternos, havendo necessidade de estudos para mensurar o real impacto da mortalidade materna associada a COVID-19 [7,8].
Através da portaria nº 1.119, de 5 de junho de 2008, que estabelece fluxos e prazos para agilizar a disponibilidade de informações pelo SIM, o Ministério da Saúde (MS) estabeleceu a vigilância dos óbitos maternos e de MIF. Desta forma, a investigação dos óbitos tornou-se de caráter obrigatório aos profissionais de vigilância epidemiológica, além da articulação com os demais profissionais da atenção primária à saúde e da atenção especializada [1].
Entre os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) relacionados à saúde, foi estabelecido na Meta 3.1 que a razão de mortalidade materna (RMM) global deve ser inferior a 70 mortes por 100.000 nascidos vivos. O Brasil tornou-se signatário do plano e comprometeu-se a reduzir para no máximo 30 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos até o ano de 2030 [1,8].
O Brasil apresentou um aumento acentuado da RMM entre 2019 e 2021. Em 2019, foram registrados 57,9 óbitos maternos/100.000 nascidos vivos. No período referente à pandemia, esse número aumentou para 74,7 óbitos/100.000 nascidos vivos em 2020 e, em 2021, 107,7 óbitos/100.000 nascidos vivos, o que evidencia que as MIF no ciclo gravídico puerperal eram grupo de risco para morte [1,9].
A mortalidade materna é um indicador de extrema relevância às iniciativas do planejamento em saúde, contribuindo nos processos de monitoramento e avaliação das intervenções implementadas para a saúde da população do Estado. Consequentemente, a redução de seus índices contribuirá para o cumprimento dos ODS da Agenda 2030 em âmbito internacional [1].
Além disso, é o indicador mais relevante para subsidiar as tomadas de decisão e as estratégias que impactam nas ações e serviços de saúde prestados, pois reflete a qualidade do sistema de saúde. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar o perfil epidemiológico da mortalidade materna associada à COVID-19 nas regiões de saúde e municípios do Estado do Maranhão, entre 2020 e 2021 e mensurar a magnitude da RMM no contexto da pandemia, entre o período de 2019 e 2021.
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3. Metodologia
Foi realizado um estudo ecológico transversal utilizando dados secundários. Todos os dados utilizados na análise descritiva foram obtidos a partir do SIM, do Departamento de Informática do Ministério da Saúde (DATASUS).
Para o estudo descritivo dos óbitos maternos, associados ou não à COVID-19 registrados no Maranhão, foram coletados dados referentes aos anos de 2019 a 2021. Considerou-se os óbitos com causas básicas atribuídas ao ciclo gravídico puerperal registrados no SIM com os seguintes códigos de CID-10: afecções do capítulo XV da CID-1011 – Gravidez, parto e puerpério (com exceção das mortes fora do período do puerpério de 42 dias – códigos O96 e O97) e por afecções classificadas em outros capítulos da CID, especificamente: (i) tétano obstétrico (A34), transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério (F53) e osteomalácia puerperal (M83.0). Foram considerados também os registros de óbito por mortalidade materna atribuída à COVID-19, com causa básica de óbito com os seguintes códigos de CID-10 para COVID-19: O98.5 + U07.1 (COVID-19 confirmada); O98.5 + U07.2 (COVID-19 suspeita); O98.5 + U09.9 (condição de saúde posterior à COVID-19); O99.8 + U10.9 (síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica de 10 a 19 anos); O98.5 + U92.1 (reincidência de COVID-19).
Para o cálculo da RMM, utilizou-se número de óbitos maternos na causa básica final provenientes do SIM e de nascidos vivos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), disponibilizados pelo MS no site do DATASUS. O indicador calculado desta forma é sensível à cobertura de ambos os sistemas de informação utilizados.
Para descrever o perfil epidemiológico de mortalidade de mães no Maranhão entre 2019 e 2021, foram realizadas distribuições proporcionais segundo a faixa etária, raça/cor, estado civil, escolaridade em anos e distribuição espacial por RMM por região de saúde e município do Maranhão. As análises deste boletim foram realizadas em linguagem R.
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4. Desenvolvimento e discussão
No estado do Maranhão, foram notificados 335 óbitos maternais no SIM, entre 2019 e 2021. Destes, 21,2% foram óbitos associados à COVID-19 (n=71). Entre o ano de 2020 e 2021, foi observado de 50% na notificação de óbitos ao SIM.
Estes dados corroboram com aqueles divulgados pelo MS em dezembro de 2022, que mostram que, entre 2019 e 2021 foram notificados ao SIM 6.406 óbitos maternos no país. Em 2020, 17% do total de óbitos (n=1.965) tiveram associação com a COVID-19. De 2020 para 2021, foi observado no país um acréscimo de 45,8% na ocorrência de mortes maternas, contudo este percentual deve ser ainda maior, pois os dados de 2021 ainda eram preliminares.
Tabela 1 – Características dos óbitos maternos e óbitos maternos causados por COVID-19 no estado do Maranhão, entre 2019 e 2021
Características de óbitos maternos | Características de óbitos maternos associados à Covid-19 | ||||||
Grupos etários | n | % | Grupos etários | n | % | ||
10-14 anos | 7 | 2,09 | 10-14 anos | 1 | 1,41 | ||
15-19 anos | 53 | 15,82 | 15-19 anos | 7 | 9,86 | ||
20-29 anos | 121 | 36,12 | 20-29 anos | 27 | 38,03 | ||
30-39 anos | 133 | 39,70 | 30-39 anos | 33 | 46,48 | ||
40-49 anos | 21 | 6,27 | 40-49 anos | 3 | 4,23 | ||
Estado civil | n | % | Estado civil | n | % | ||
Solteira | 165 | 49,25 | Solteira | 32 | 45,07 | ||
Casada | 81 | 24,18 | Casada | 23 | 32,39 | ||
Separada/Divorciada | 2 | 0,60 | Separada/Divorciada | 1 | 1,41 | ||
União estável | 69 | 20,60 | União estável | 14 | 19,72 | ||
Ignorado | 18 | 5,37 | Ignorado | 1 | 1,41 | ||
Escolaridade | n | % | Escolaridade | n | % | ||
Nenhuma | 18 | 5,37 | Nenhuma | 5 | 7,04 | ||
1 a 3 anos | 25 | 7,46 | 1 a 3 anos | 12 | 16,9 | ||
4 a 7 anos | 60 | 17,91 | 4 a 7 anos | 28 | 39,44 | ||
8 a 11 anos | 159 | 47,46 | 8 a 11 anos | 6 | 8,45 | ||
12 anos ou mais | 44 | 13,13 | 12 anos ou mais | 12 | 16,9 | ||
Ignorado | 29 | 8,66 | Ignorado | 8 | 11,27 | ||
Raça/Cor | n | % | Raça/Cor | n | % | ||
Branca | 50 | 14,93 | Branca | 19 | 26,76 | ||
Preta | 46 | 13,73 | Preta | 6 | 8,45 | ||
Parda | 225 | 67,16 | Parda | 43 | 60,56 | ||
Indígena | 9 | 2,69 | Indígena | 2 | 2,82 | ||
Ignorado | 5 | 1,49 | Ignorado | 1 | 1,41 |
Fonte: DATASUS/RIPSA/Ministério da Saúde/SVS- SIM/SINASC (2023)
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A distribuição proporcional das características dos óbitos, conforme apresentado na Tabela 1, demostra que 75,8% (n=4.337) foram de mulheres entre 20 e 39 anos; 80,9% (n=271) de mulheres negras (67,2% pardas e 13,7% pretas). Apenas 13,1% das mulheres no ciclo gravídico puerperal possuíam 12 anos ou mais de escolaridade (n=44) e 44,8% eram casadas e com união estável (n=150). No Maranhão, em 2019, não foram registradas mortes associado à COVID-19, somente nos anos de 2020 e 2021. Quanto aos óbitos maternos por COVID-19, 69% ocorreram em mulheres negras (n=97), 46,5% ocorreram na faixa etária de 30 a 39 anos (n=33). Destas mulheres, somente 17% possuíam de 12 anos ou mais de escolaridade (n=12) e 45% eram mães solteiras (n=32). Segundo o MS, 56% dos óbitos associados à COVID-19 no Brasil ocorreram em mulheres com 30 anos e mais, 65% destes foram de mulheres negras, com 13% destas com 12 anos ou mais de escolaridade e 48,6% eram solteiras.
O número de óbitos maternais ocorridos no Maranhão em 2021 (n=150), aumentou 50% quando comparado ao ano de 2020 (n=100). A maior ocorrência foi observada nos meses abril a julho de 2020 (54,0%, n=54) e nos meses de março, abril e julho do ano de 2021 (42,7%, n= 64), com os picos dos óbitos em maio de 2020 (n= 16) e abril de 2021 (n= 23) (Figura 1).
Figura 1 - Óbitos maternos e óbitos maternos associados à COVID-19 no estado do Maranhão, segundo o mês e o ano de ocorrência Maranhão. Fonte: SIM (2023).
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Em 2020, a partir do mês de abril, foram registradas as primeiras ocorrências de óbitos associados à COVID-19. Os meses de abril a junho representaram 81,2% dos registros do ano (n=13). Em 2021, os óbitos associados à COVID-19 tiveram valores máximos nos meses de março e abril (18,2%, n=10 e 25,5%, n=14, respectivamente), conforme apresentado na Figura 1. No Brasil, os dados de mortes maternas associadas à COVID-19 registrados no SIM a partir de janeiro de 2020, alcançaram valores máximos nos meses de maio a agosto, popularmente designadas como uma “onda”, sendo o pico em maio de 2020 (n=74).
A RMM calculada a partir dos dados disponibilizados no SIM e SINASC no Maranhão apresentou acréscimo de 84.3% de óbitos a cada 100.000 nascidos vivos entre 2019 e 2021 (RMM=75.0 óbitos/100.000 nascidos vivos para 138.2 óbitos/100.000 nascidos vivos). Em concordância com a categorização adotada pela OMS, estes valores mostram que a RMM passou de “baixa” (21 a 100 óbitos/100.000 nascidos vivos) para “moderada” (101 a 300 óbitos/ 100.000 nascidos vivos). Em todas as regiões de saúde do estado, a RMM variou entre baixa e moderada no período avaliado. Houve grande disparidade entre as RMM entre as diversas regiões de saúde entre 2019 e 2021. A maior RMM média foi observada em Caxias (158.3/100mil) e a menor em Pedreiras (66.7/100mil), classificando-se como moderada e baixa, respectivamente.
O Brasil apresentou um aumento acentuado da RMM nos anos de 2019 para 2021 (de 74,7óbitos/100.000 nascidos vivos para 107,7óbitos/100.000 nascidos vivos). Esse aumento da RMM também foi observado em todas as regiões do país, nos três últimos anos analisados. A região Nordeste apresentou 91,8 óbitos/100.000 nascidos vivos em 2020, passando para 101,6 óbitos/100.000 nascidos vivos em 2021. Em 2021, a maior RMM foi observada na região norte (141,7 óbitos/100,000 nascidos vivos) e a menor RMM foi observada na região Sudeste (99,3 óbitos/100.000 nascidos vivos) [1].