Artigo - PDF
Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
.
ARTIGO ORIGINAL
O princípio da primazia da realidade trabalhista e a filosofia sobre a honestidade e utilidade de Marco Túlio Cícero
Henrique Lourenço de Aquino1
Como Citar:
AQUINO, Henrique Lourenço de. O princípio da primazia da realidade trabalhista e a filosofia sobre a honestidade e utilidade de Marco Túlio Cícero. Revista Sociedade Científica, vol.7, n.1, p.1333-1342, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202427317
Área do conhecimento: Direito.
Palavras-chaves: Direito do Trabalho.
Publicado: 13 de março de 2024
Resumo
O presente artigo visa a observar o princípio trabalhista da primazia da realidade com o olhar da obra “Dos Deveres” de Marco Túlio Cícero, analisando a importância deste princípio, correlacionado com a honestidade e utilidade descrita por Cícero em sua obra endereçada ao seu filho.Deste modo, no primeiro capítulo analisamos o princípio da primazia da realidade que é base na Justiça do trabalho. No segundo capítulo abordamos a filosofia de Cícero sobre os deveres e a necessidade de a utilidade estar sempre atrelada à honestidade. E por fim, no terceiro capítulo demonstramos a correlação entre a utilidade e honestidade com o princípio trabalhista da primazia da realidade.
..
1. Introdução
O princípio da primazia da realidade na Justiça do Trabalho é um dos vetores da seara processual trabalhista, no qual tem por corolário o fomento da verdade em detrimento de outras provas que eventualmente sejam juntadas ao processo.
Com isto, o presente trabalho tem por objetivo atrelar este princípio jurídico as ideias filosóficas de Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) sobre o que é útil bem como sobre a honestidade como obrigações e deveres do homem, escritos em tomos endereçadas ao seu filho Marco Cícero.
Sendo ordeira a realização deste paralelo entre o atual princípio da primazia da realidade e os deveres descritos pelo filósofo. Deste modo, o presente texto fará uma análise dos pensamentos do filósofo romano com a busca da verdade real na Justiça do Trabalho nos dias de hoje.
.
2- Princípio da primazia da realidade na justiça do trabalho
O Direito do Trabalho tem como vetor a verdade real, em detrimento do que foi formalmente alinhavado, ou seja, a prioridade é a realidade fática da relação entre empregado e empregador e não o que foi documentalmente entabulado.
Esta dinâmica da Justiça do Trabalho é baseada no princípio da primazia da realidade, no qual em caso de discordância entre o que está nos documentos trabalhistas e o que de fato ocorreu, haverá preponderância do que ocorreu no plano fático.
Neste sentido, ensina o professor Mauricio Godinho Delgado:
.
O princípio da primazia da realidade sobre a forma (chamado ainda de princípio do contrato realidade) amplia a noção civilista de que o operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atentar mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através de que transpareceu a vontade (art. 85, CCB/1916; art. 112, CCB/2002).
No Direito do Trabalho, deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual — na qualidade de uso — altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva).2
.
Assim, o aplicador do direito deve sustentar seus argumentos na verdade real da relação de trabalho e não na formalidade que muitas vezes se desencontra com o que de fato existiu.
O princípio da primazia da realidade tem como prisma fundamental a proteção do trabalhador em que a realidade fática deve se sobrepor as cláusulas do contrato ou documentos assinados mesmo que em sentido diverso.
O trabalhador por ser a parte hipossuficiente da relação trabalhista deve ser protegido de eventuais tentativas de mascarar a verdade através de documentos produzidos, sendo necessário, portanto, prevalecer a verdade cotidiana da relação de emprego.
Ensina a Professora Carla Tereza Martins Romar que:
.
O princípio da primazia da realidade, derivado da ideia de proteção, tem por objetivo fazer com que a realidade verificada na relação entre o trabalhador e o empregador prevaleça sobre qualquer documento que disponha em sentido contrário.
Assim, em caso de discordância entre a realidade emanada dos fatos e a formalidade dos documentos, deve -se dar preferência à primeira, ou seja, a realidade de fato da execução da relação mantida entre as partes prevalece sobre sua concepção jurídica.3
.
Deste modo, em matéria de Direito do Trabalho o que realmente importa é o que ocorre na prática, sobre qualquer documento ou registro que as partes tenham estabelecido de modo solene.
Ademais, o princípio da primazia da realidade além de ter como corolário a proteção do trabalhador, se baseia também na premissa da boa-fé, do qual imperiosamente decorre da verdade.
Neste ínterim, vejamos o que dispõe o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.4
.
Verifica-se, portanto, que em caso de formalmente entabulado uma relação que destoa da realidade dos fatos, esta situação será caracterizada como nula de pleno direito, pois tem a vã intenção de desvirtuar e fraudar a relação trabalhista havida entre as partes e a proteção ao trabalho.
Quanto ao princípio da primazia da realidade e a nulidade de atos praticados para fraudar direitos trabalhistas, ensina o professor Carlos Henrique Bezerra Leite:
.
A realidade fática na execução do contrato prevalece sobre o aspecto formal das condições nele avençadas. Trata-se da aplicação do princípio da primazia da realidade.
Assim, pouco importa se na CTPS do empregado conste que ele percebe, v. g., apenas um salário fixo, quando, em realidade, há pagamento de comissões “por fora”.
Além disso, o ordenamento justrabalhista considera nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar os direitos trabalhistas (CLT, art. 9º), o que reforça a justificativa da existência do princípio em exame.5
.
O empregado por ser a parte mais fragilizada da relação acaba por ser a maior vítima e necessitada da aplicação do princípio da primazia da realidade, conforme aponta o professor Luciano Martinez:
.
É verdade que o empregado, como sujeito juridicamente mais fragilizado, é a vítima preferencial dos documentos que revelam coisa diversa daquilo que efetivamente existiu128. Há maus empregadores que, na tentativa de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas, engenham
contratos de natureza assemelhada (como representação comercial, estágio ou cooperativa) e constroem falsas provas, inclusive de pagamento. Quando a realidade mascarada é efetivamente visualizada, tornam-se nulos de pleno
direito, por força do art. 9º da CLT, todos os atos violadores da legislação laboral.6
Em um contesto que acaba infelizmente por ocorrer cotidianamente nas relações de trabalho, temos documentos e contratos assinados que não estão atrelados a verdade.
Tendo como roupagem o interesse econômico, muitos empregadores falsificam ou maquiam realidades empregatícias para poder ter algum tipo de vantagem, gerando um passivo trabalhista para a própria empresa e acima de tudo, prejudicando trabalhadores que usam da sua mão de obra para gerar sustento para si e toda sua família.
Nos casos em que a formalidade dos documentos não tiver atrelados com a verdade, estes devem ser entendidos como nulos e inservíveis como prova para o juízo trabalhista se instruir para julgar o processo, levando em consideração apenas o que estiver de fato eivado de boa-fé e fidúcia.
De todo modo, o princípio da primazia da realidade não é unilateral, não sendo um alicerce apenas para o empregado. Este vetor da Justiça do Trabalho trata-se de um princípio voltado a realidade fática do contrato e relação constituída entre empregados e empregadores.
Deste modo, este princípio deve ser aplicado para a verdade real da relação trabalhista entre empregado e empregador e assim, gerar segurança jurídica para ambas as partes.
.
O princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Não deve, contudo, ser brandido unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato (ilustrativamente, documento escrito para a quitação ou instrumento escrito para contrato temporário), o intérprete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação.7
.
Assim, independentemente de a qual das partes interessar, em caso de divergência entre a realidade extraída dos fatos e a formalidade documental, deve-se dar predileção à primeira, ou seja, a verdade fática mantida entre as partes em detrimento da forma.
Em suma, o princípio da primazia da realidade além de ser voltado a proteção da realidade na relação trabalhista, tem também um viés ético de manter intacta a boa-fé da relação jurídica, prezando pela edificação da verdade real.
.
3- Da honestidade e utilidade – livro “Dos Deveres” De Marco Túlio Cícero
Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) foi um filósofo romano, além de advogado e grande orador, cujo legado intelectual é uma das principais fontes de estudo da Roma antiga e toda Europa.
Entre suas principais obras está “Dos Deveres” que é um copilado em três tomos, que foram endereçadas ao seu filho Marco Cícero, que à época estava estudando em Atenas.
Esta obra tem como principal legado a análise dos deveres do homem, em especial os deveres de honestidade e utilidade, ideais que Cícero como um pai zeloso, queria ensinar ao seu filho.
Dessa maneira, Cícero demonstra ao seu filho a importância e o dever de ser honesto e transformar esta honestidade em algo útil, gerando a felicidade ao ser humano através da procura pela verdade, vejamos:
Mas o que é, sobretudo, próprio do homem é a procura da verdade. Assim, logo que nos livrarmos de cuidados e negócios, desejamos ver, entender, aprender qualquer coisa; pensamos que o conhecimento dos segredos ou maravilhas da natureza é indispensável à felicidade; procuramos ver o que é verdadeiro, simples e puro, e conveniente à natureza do homem. Nesse amor à verdade encontramos certa aspiração de independência, fazendo o homem bem-nascido não desejar obedecer a ninguém, senão àquele que o instrui, e o dirige, no interesse comum, de acordo com a justiça e as leis; daí nasce a grandeza d’alma e o desprezo das coisas humanas.
Grande vantagem deu a natureza e a razão ao homem sobre todos os seres animados, outorgando-lhe o sentido da ordem, da bem-aventurança e a medida nas suas ações e palavras. Só ele sente a beleza, a graça, a proporção dos objetos sujeitos à sua vista; e o homem, transportando essa imagem dos objetos materiais ao que só interessa ao espírito, transforma em beleza constância e ordem seus desejos e suas ações, resguarda-se da desonestidade e da fraqueza, preserva-se da paixão tanto para seus sentimentos quanto para sua conduta. De tudo isso resulta a honestidade que aqui buscamos; honestidade que nada perde de sua beleza, mesmo quando não seja notada, e que é louvável por si própria, ainda quando por ninguém louvada. 8
..
Neste sentido, Cícero apresenta ao seu filho as fontes que derivam da honestidade, pairando sobre a busca pela verdade e o consequente amor pela sabedoria.
.
Meu filho, a forma, ou melhor, a figura da honestidade, se fosse visível aos olhos, excitaria em nós, como disse Platão, um extraordinário amor à sabedoria.
Há quatro fontes de onde deriva tudo o que é honesto. A honestidade consiste em descobrir a verdade pela perspicácia do espírito, ou manter a sociedade humana dando a cada um o que é seu e observando fielmente às convenções; encontra-se, ainda, ou na grandeza e força da alma indômita e inquebrantável ou nessa ordem e medida perfeita das palavras e ações, resultando daí a moderação e a temperança.
Embora esses quatro elementos de honestidade sejam confundidos e unidos, cada um deles produz certa espécie de deveres: assim, ao primeiro, que não é senão a sabedoria e prudência, pertence a procura e a descoberta da verdade, sendo mesmo função particular dessa virtude. Aquele que descobre melhor e mais prontamente o que há de verdadeiro em cada coisa, sabendo explicar-lhe a razão, é julgado, com razão, prudente e sábio. A verdade, própria dessa virtude, é, de qualquer maneira, a forma pela qual é exercida.
O objetivo das outras três é a aquisição e a conservação de tudo o que é necessário à vida: a harmonia da sociedade humana, a grandeza d’alma que mais se destaca desprezando os bens e as honras que se pretende para si e para os outros. A ordem, a constância, a moderação e outras virtudes semelhantes entram nessa categoria; não se contentam com a especulação pura, exigem ação. Observando a medida e introduzindo ordem em todas as coisas da vida, ficaremos fiéis à honestidade e a decência. 9
.
Atrelando a honestidade com a boa-fé e a justiça, Cícero explica ao seu filho Marco Cícero que é dever do homem não lesar a ninguém, devendo ser um homem justo, um homem de bem, vejamos:
Muitas vezes, se apresentam circunstâncias ou resoluções que parecem dignas de um homem justo, daqueles que chamamos de homens de bem, mas que, mudando de natureza, tornam tudo ao contrário; assim, a justiça permite, algumas vezes, não devolver um depósito, não cumprir uma promessa, e outras coisas que interessam à verdade e à boa-fé. É necessário, com efeito, reportar-se a esses princípios de justiça estabelecidos desde o início; começando por não lesar a ninguém e, em seguida, servir o interesse comum. 10
.
Após já ter demonstrado ao seu filho a importância da honestidade e todos seus efeitos e virtudes, Cícero no tomo II passa a tratar do que é chamado útil, no qual distingue o útil do honesto, vejamos:
.
Das cinco divisões estabelecidas para os deveres, as duas primeiras se referem à honestidade; as duas seguintes, às circunstâncias da vida, aos bens, às riquezas, ao crédito; a quinta, à escolha a fazer entre a honestidade e o útil quando parecem oposição.
Já tratei da honestidade, coisa em que pretendo que você seja mais bem instruído. Vamos tratar agora do que é chamado útil. Sobre esse assunto a linguagem e o senso dos homens insensivelmente se fastaram da verdade. Costuma-se distinguir o útil do honesto, pretendendo-se acreditar que as coisas honestas não são uteis, e outras que são uteis ainda que não sejam honestas. Nada mais pernicioso e capaz de corromper os costumes.
Grandes filósofos confundem com razão o justo, o honesto e o útil, e só os distinguem na mente. Segundo eles, o que é útil é honesto, tudo que é honesto é justo. O erro dessa compreensão está em que alguns admiram a habilidade e a finura de certas pessoas que tomam por sabedoria o que é astúcia. É necessário corrigir esse erro, fazendo-as compreender que só por intenções diretas e honestas, nunca pela astúcia e pela perfídia, obtemos o que desejamos.11
.
Portanto, para Cícero, diferentemente de outros filósofos, só há utilidade naquilo que é honesto, no qual apenas por intenções honestas obtemos da maneira correta o que desejamos. Não sendo útil o que não for honesto.
Para tanto, mesmo que em situações algo parecer honesto, mas ao apurar melhor percebermos ser algo eivado de desonestidade, devemos imediatamente renunciar, pois nascemos para a honestidade.
.
Quando se nos apresenta qualquer coisa com aparência de utilidade, não negamos que nos enternece. Mas, se, depois de olhar de perto, compreendemos que há algo de vergonhoso no que nos parecia útil, é preciso não só renunciar ao útil, mas compreender que o que envergonha nunca é útil. Porque se é verdade que nada é tão contrário à natureza como o que é desonesto (pois ela prefere a decência, a compostura, a honestidade, rejeitando tudo que lhes é contrário), é claro que uma coisa não poderia ser ao mesmo tempo útil e desonesta. De mais, sendo verdade que nascemos para a honestidade, que é a única coisa desejável, como sustenta Zenão, ou ao menos a mais desejável de todas, como ensina Aristóteles, segue-se necessariamente que é ela o único bem que há, ou, ao menos, o maior de todos os bens. Ora, o que é um bem é necessariamente útil: desse modo, o que é honesto é útil. 12
Sendo assim, Cícero estabelece que dentre os deveres do homem a honestidade é essencial e para algo ter utilidade, deve sempre estar atrelada a honestidade.
Por fim, no tomo III Cícero demonstra ao seu filho exemplos de situações que ainda que gerassem vantagem pessoal, ainda assim não teria real utilidade, pois estaria afogada de desonestidades e algo que não é honesto também não pode ser realmente útil.
.
Qual o homem de bem que faria estalar seus dedos para insinuar seu nome no testamento dos mais ricos cidadãos, ainda que se assegurasse de que ninguém suspeitaria disso? Mas dai essa faculdade a Marco Crasso e ele dançará de alegria na praça pública. Um homem de bem, um homem justo, não tomaria nada de ninguém para si; e isso espanta, basta lembrar que se trata de um homem de bem. Mas quem quiser ver claramente na sua alma compreenderá que homem de bem é aquele que presta serviços sempre que pode e que nunca faz mal, a menos que tenha sido injustiçado. E não é fazer mal substituir-se por qualquer sortilégio aos legítimos herdeiros?
Deverá ele abster-se do que lhe é útil e vantajoso? Não, mas ele compreenderá que o que é injusto nunca é útil. Sem tal princípio, não há homem honesto. 13
.
Diante disto, das lições apresentadas por Cícero ao seu filho é notável os ensinamentos de que “nada é útil sendo contrário ao honesto” (CÍCERO, 2019, p. 158), restando clarividente o partido que se deve tomar quando aparente utilidade se acha contrária ao honesto.
Ao analisar estas ideias seculares de Marco Túlio Cícero podemos perceber que a ideia de honestidade e de viver uma vida honrosa é algo que o homem deve sempre buscar, para que assim, se possa viver de maneira útil e correta para si e para a sociedade.
.
4- A correlação entre O Princípio da primazia da realidade e a honestidade e utilidade de Marco Túlio Cícero
Conforme anteriormente demonstrado, no Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade é base para a análise das relações de trabalho, no qual a verdade dos fatos se sobrepõe a forma.
Esta busca pela verdade real trabalhista tem como essência a boa-fé e a honestidade que deve se ater empregados e empregadores.
Ao analisarmos a obra “Dos Deveres” de Marco Túlio Cícero, ainda que produzida a centenas de anos atrás, observa-se que se adequa perfeitamente com a ideia do princípio da primazia da realidade trabalhista.
Uma verdade sempre será honesta e ao falarmos sobre um processo judicial e uma relação de trabalho a honestidade dos fatos e documentos será essencialmente útil para a resolução do imbróglio jurídico.
O juiz do trabalho ao aferir as provas do processo deve sempre levar em consideração qual é a realidade dos fatos, ou como o próprio Cícero afirma “O juiz deve se ater à verdade”14 e assim, a sua sentença ir de encontro ao honesto e consequentemente ser uma decisão útil as partes e a própria sociedade.
Empregadores ou empregados que rogam pela utilização de documentos ou provas fraudadas, além de serem nulas de pleno direito como já apontado em capítulo inicial, também se mostram provas desonestas e inúteis ao deslinde da lide.
Tratando sobre atos fraudulentos e sua inutilidade, escreve Marco Túlio Cícero que:
.
.Caio Aquílio, meu amigo e colega, não tinha ainda estabelecido fórmulas para atos fraudulentos. Assim responderia a questão: que é ato fraudulento? “É” – diria a ele – “um ato que tem mais aparência que realidade”. É uma definição perfeita, de um homem que sabe definir. Pítio, e todos os que a ele se assemelham, quer dizer, todos os que dissimulam, são maliciosos, injustos e pérfidos; em consequência, nenhum ato dessa natureza pode ser útil, pois é infestado de todos os vícios. 15
A descrição de Cícero encaixa-se perfeitamente com o que prevê a Consolidação das Leis do Trabalho, no qual em seu artigo 9º também prevê que desonestidades e fraudes ao contrato de trabalho serão avaliadas como inúteis e, por consequência, nulas de pleno direito.
De nada, portanto, adianta ser desonesto, mascarando a verdade, uma vez que se dará prevalência a realidade dos fatos e neste sentido escreve Cícero:
.
Que acontece se o que é desonesto nunca poderia ser útil, mesmo quando se obtém qualquer vantagem? É já uma desgraça ver como útil o que não é honesto.16
.
Diante de todo o exposto, a verdade real como base do Direito do Trabalho é a demonstração da honestidade da justiça e por conseguinte a torna útil para sua finalidade como direito social. E no que tange a Justiça do Trabalho o princípio da primazia da realidade se torna essencialmente útil para resolver os conflitos e entregar com plenitude sua tutela jurisdicional.
Deste modo, os ensinamentos de Cícero ao seu filho nos fazem refletir e concordar que primar na esfera trabalhista pela realidade dos fatos atrairá boa-fé, honestidade e utilidade para o Direito do Trabalho e para a Justiça do Trabalho, devendo sempre ser perquirido.
.
5 - Considerações Finais
A obra filosófica de centenas de anos atrás de Marco Túlio Cícero se mostra totalmente atual, no qual o homem continua buscando a honestidade para viver em sociedade.
Atrelado a isso, a Justiça do Trabalho busca sempre essa mesma honestidade com a roupagem da verdade real, prezando sempre pela verdade dos fatos naquela determinada relação de trabalho.
Há, portanto, latente correlação entre o que Cícero escreveu para seu filho sobre a utilidade e honestidade e o princípio da primazia da realidade trabalhista, asseverando que o honesto e verdadeiro deve sempre se sobrepor nas relações humanas, pois desta forma a justiça no mais das vezes será feita.
…
6- Biografia
Henrique Lourenço de Aquino, Mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário; Professor de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário em Pós-Graduação.
https://lattes.cnpq.br/7870179429414528
.
7 - Declaração de direitos
O autor declara ser detentor dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara que os textos publicados são de responsabilidade do autor, e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade do autor.
.
8 - Referências
BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm. Acesso em: 23 Jan. 2024.
CÍCERO, Marco Túlio, 106 a.C-43 a.C. Dos Deveres – De Officiis. Tradução e notas de João Mendes Neto. – São Paulo: Edipro, 2019.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. — 18. ed.— São Paulo : LTr, 2019.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho – 11. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho : relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. – 10. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho. – 5. ed.– São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. LTr, ISBN 978-85-361-9976-4 — v. 18, n. 1, p. 244, 2019.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho. Saraiva Educação, ISBN 9788547231033, v. 5, n. 1, p. 71, 2018.
BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm. Acesso em: 23 Jan. 2024.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. SaraivaJur, ISBN: 978-65-5362-696-6, v. 15, n. 1, p. 151, 2023.
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. Saraiva Educação, ISBN 9788553606221, v. 10, n. 1, p. 189-190, 2019.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. LTr, ISBN 978-85-361-9976-4, v. 18, n. 1, p. 245, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 33 e 34, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 34, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 38, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 87 e 88, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 129, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 142, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 101, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 137, 2019.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. Edipro, ISBN 978-85-521-0064-5, v.1, n.1, p. 134, 2019.