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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

Funções executivas, aspectos emocionais e a eficácia de um programa de treinamento técnico para profissionais de telemarketing

Carla Terezinha Palhavã1; Áquila Negrini da Silva2; Cristiano de Jesus Andrade3; Antonio de Pádua Serafim4

 

Como Citar:

PALHAVÃ; Carla Terezinha, DA SILVA; Áquila Negrini, ANDRADE; Cristiano de Jesus, SERAFIM; Antonio de Pádua. Funções executivas, aspectos emocionais e a eficácia de um programa de treinamento técnico para profissionais de telemarketing. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.595-613, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202432017

 

DOI: 10.61411/rsc202432017

 

Área do conhecimento: Ciências Humanas

 

Palavras-chaves: Funções Executivas; Memória; Atenção; Aprendizagem em Adultos

 

Publicado: 05 de fevereiro de 2024

Resumo

Objetivando analisar a associação entre as Funções Executivas (FE), aspectos emocionais e a Eficácia de um Programa de Treinamento Técnico para Adultos, adotou-se como método a pesquisa quantitativa descritiva, com recorte transversal. Participaram 92 operadores de telemarketing, do tipo receptivo e ativo de vendas, recém-admitidos por uma empresa situada em São Paulo/SP. 54 são do sexo feminino e 38 do sexo masculino, com idade entre 19 e 58 anos. Foram avaliados por testes psicológicos validados, visando compreender características da personalidade e cognitivas, além de, participarem do Programa de Treinamento de Produto. Foram testados em dois momentos, antes e depois da realização do treinamento. Como resultados, os aspectos da personalidade revelaram escores, dentro do esperado, para a população brasileira. Destacando escores baixos no fator Neuroticismo, onde se evidencia que a maioria dos sujeitos, tendem a serem mais emocionalmente estáveis e calmos, impactando menos em processos cognitivosNa comparação pós-treino, o grupo apresentou elevação de 12% no desempenho do planejamento e 44,2% em relação à memória. Em todos os testes, em que foram avaliadas as Funções Executivas (FE) após a realização do treinamento, o desempenho foi maior e significativo, em relação à primeira aplicação. Assim, infere-se que a expressão de fatores de personalidade mais estáveis e treinos estruturados e controlados, colaboram para o melhor desempenho cognitivo.

Abstract

Aiming to analyze the association between Executive Functions (EF), emotional aspects and the Effectiveness of a Technical Training Program for Adults, we adopted as a method the descriptive quantitative research, with cross-sectional cut. Participants were 92 telemarketing operators, of the receptive and active sales type, recently admitted by a company located in São Paulo/SP. 54 are female and 38 male, aged between 19 and 58 years. They were evaluated by validated psychological tests, aiming to understand personality and cognitive characteristics, in addition to participating in the Product Training Program. They were tested in two moments, before and after the training. As a result, the personality aspects revealed scores, within the expected, for the Brazilian population. Highlighting low scores in the Neuroticism factor, where it is evidenced that most subjects tend to be more emotionally stable and calm, impacting less on cognitive processes. In the post-workout comparison, the group presented an increase of 12% in planning performance and 44.2% in relation to memory. In all tests, in which the Executive Functions (EF) were evaluated after the training, the performance was higher and significant in relation to the first application. Thus, it is inferred that the expression of more stable personality factors and structured and controlled training contribute to better cognitive performance.

Keywords: Executive Functions; Memory; Attention; Adult Learning.

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1.Introdução

Atualmente, encontra-se na literatura poucas referências de estudo e pesquisas relacionadas as Funções Executivas (FE), em adultos sem nenhum tipo de prejuízo, ou artigos recentes, com pelo menos até 5 (cinco anos de publicação). A maioria dos trabalhos encontrados, em português e/ou inglês, datam de mais de cinco anos.

Buscando preencher esta lacuna, o objetivo deste trabalho é verificar a relação entre as Funções Executivas (FE), os aspectos emocionais e a eficácia de um Programa de Treinamento Técnico de Produto, aplicado para profissionais de Telemarketing. Portanto, buscou-se compreender o papel da atenção, no processo de aprendizagem, bem como analisar o papel da memória operacional, no processo de aprendizagem. Para que por fim se possa descrever o lugar da função executiva no processo de aprendizagem, associando aos aspectos emocionais no desempenho do aprendizado de cada participante.

Assim, para fins didáticos, será inicialmente feita uma breve reflexão sobre o processo da aprendizagem e as funções executivas (FE), para que posteriormente possam ser apresentados elementos inerentes aos aspectos emocionais do aprender.

Para introduzir a temática, à priori é fundamental dizer que a Psicologia Cognitiva (teoria que fundamenta este estudo) compreende pessoas como seres pensantes, que percebem, aprendem e recordam a informação. A informação é o centro de tudo: depende como a pessoa a percebe, aprende, recorda e pensa (STERNBERG, 2010).

O aprendizado ocorre no cérebro, sendo o Sistema Nervoso Central (SNC) fundamental na relação entre memória e aprendizagem. “Quando chega ao SNC uma informação conhecida, esta gera uma lembrança, que nada mais é do que uma memória” (OHLWEILER; ROTTA; RIESGO, 2015, p. 9-48).

A aprendizagem engloba o ambiente, responsável pelo conteúdo sensitivo-sensorial, que determina as modificações funcionais e condutuais. Além da recepção, integração e organização das percepções que são peças-chave nesta conexão, associando as partes do cérebro que controlam e regulam as funções de coordenação, sensitivo-sensorial e motora-práxica. “Portanto, o ato de aprender é um ato de plasticidade cerebral, modulado por fatores intrínsecos (genéticos) e extrínsecos (experiência)” ((OHLWEILER; ROTTA; RIESGO, 2015, p. 9-48).

O processo de aprendizagem é algo contínuo, é o desenvolvimento em que o ser humano assimila diversas informações ao mesmo tempo, e de forma sucessiva. Na fase escolar, tem destaque a capacidade cognitiva e as Funções Executivas (FE) para o aluno adquirir os novos conhecimentos (DIAMOND, 2013).

Ao se abordar o termo FE, estamos falando de funções com estreita relação com aspectos adaptativos, uma vez que envolvem várias habilidades cognitivas, tais como: capacidade para inibir elementos irrelevantes; seleção, integração e manipulação das informações relevantes; intenção; planejamento e efetivação das ações; flexibilidade cognitiva e comportamental, além do monitoramento de atitudes (SERAFIM; RIBEIRO; MALLOY-DINIZ, 2015). Vários processos cognitivos têm sido relacionados às FE, tais como memória operacional, controle inibitório, autorregulação afetiva, planejamento, solução de problemas, tomada de decisão, flexibilidade cognitiva entre outros. Tal diversidade processual tem levado autores como Pennington (1991) a propor que o conceito FE pode ser encarado como um rótulo guarda-chuva que abarcaria diferentes funções cognitivas. Para Lezak (1995) as FE se configuram pela capacidade de iniciar ações, planejar e prever meios de resolver problemas, antecipar consequências e mudar as estratégias de modo flexível, monitorando o comportamento passo a passo e comparando os resultados parciais com o plano original.

Lezak et al. (2004) entendem as FE como uma das três dimensões funcionais relacionadas à forma pela qual o comportamento é expresso, ao lado da cognição, que é o aspecto responsável pela manipulação da informação e da emotividade, que se refere a sentimentos e a aspectos motivacionais. Os autores destacam ainda que as FE são desempenhadas em uma sequência temporal de processos, que seria a volição, planejamento, ação intencional e desempenho efetivo.

Frente ao até aqui exposto, cabem também focar na reflexão sobre os aspectos emocionais no processo de aprendizagem. Temática que será abordada sequencialmente.

Ekman (2016) descreve seis emoções básicas: alegria, tristeza, raiva, medo, surpresa e nojo; com manifestações faciais universais.

Wallon (1978), médico e filósofo francês, que estudou por muito tempo as emoções e afetividade do ser humano, atribui às emoções um papel de destaque na vida psíquica, como um elo de ligação entre o social ou orgânico, identificando as primeiras manifestações afetivas do homem e sua complexidade diante do desenvolvimento.

Influenciado por Darwin (1872/2009), Wallon (1978) analisou aspectos como prole menor em relação aos demais mamíferos e grande período de dependência do bebê com seus pais, dá grande importância ao outro no desenvolvimento e crescimento humano, acredita que a emoção é o vínculo primeiro e mais forte entre as pessoas.

Para o autor, as emoções são manifestações de estados subjetivos e com elementos orgânicos como contrações viscerais e musculares, isto é, toda alteração emocional dispara flutuações de tônus muscular, como no choro, no susto, na depressão, na ansiedade e outros.

Para Vygotsky (1991), o processo de aprendizagem está com total enfoque nas relações sociais. O autor traz a ideia de mediação e internalização como elementos fundamentais no processo de aprendizagem. A construção do novo conhecimento se dá através da interação intensa entre as pessoas envolvidas no processo de aprendizagem. Quando criança, o início dos primeiros aprendizados se dá a partir da inserção na cultura e interação social com os que a rodeiam. Vygotsky (1991) destaca que o outro não somente é importante no processo de aprendizagem, mas como na constituição do próprio sujeito e as suas ações.

A partir dos conceitos teóricos sociais, de Wallon (1978) e Vygotsky (1991), verifica-se que o processo de aprendizagem acontece baseado fundamentalmente nas interações sucessivas entre as pessoas, ou seja, através do outro que o indivíduo pode se apropriar de novas maneiras de pensar e agir, construindo assim novos conhecimentos.

 

2.Método

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo com recorte transversal. Proetti (2018) aponta que a pesquisa quantitativa tem como objetivo enumerar e mensurar a realidade de maneira objetiva. Em vista disto, “A pesquisa quantitativa pretende e permite a determinação de indicadores e tendências presentes na realidade, ou seja, dados representativos e objetivos [...]” (MUSSI et al., 2019, p. 418).

Para atender os objetivos pretendidos, teve como participantes 92 operadores de telemarketing, do tipo receptivo e ativo de vendas, recém-admitidos de uma organização privada na cidade de São Paulo/SP.

Para a inclusão dos sujeitos, foi definido que somente seriam aceitos trabalhadores maiores de 18 anos, operadores de telemarketing receptivo ou ativo de vendas, com no mínimo ensino médio completo.

Assim, o estudo se desenvolveu em três etapas:

A primeira pela coleta dos dados sociodemográficos, aplicação do teste de personalidade e os testes cognitivos, de forma coletiva, um dia antes ao início da segunda etapa. O tempo médio de aplicação, nesta primeira etapa, foi de 50 minutos.

A segunda etapa consistiu da participação dos operadores de telemarketing no Programa de Treinamento Técnico de Produto.

A capacitação foi ministrada pelo facilitador da área de Operações e Treinamento de Produtos da organização. A carga horária diária do Programa de Treinamento Técnico de Produto é de seis horas, conforme contrato de trabalho tipo CLT dos operadores de telemarketing. Dependente do tipo de produto (Produto 1, Produto 2 e Produto 3) é definido o total de dias de capacitação, que pode variar entre cinco e dez dias seguidos, de segunda a sábado, exceto aos feriados e domingos. A folga semanal remunerada dos profissionais da área de telemarketing é sempre aos domingos.

O nome dado, pela empresa, para esta capacitação foi Programa de Treinamento de produto: “Atendimento ao segurado e sinistro”.

Todas as capacitações contemplam quatro módulos básicos, abaixo descritos.

Ao final da aplicação dos módulos, todos os participantes realizaram a prova final correspondente ao Produto (1, 2 ou 3), com o objetivo de medir o conhecimento adquirido.

A terceira, e última etapa, foi a reaplicação dos testes que avaliam as Funções Executivas: Memoria Operacional, Atenção e Planejamento e Organização. Os testes aplicados foram: TMR, TEADI, TEALT, TEACO, FIGURA DE REY.

O tempo médio de aplicação, nesta última etapa, foi de 30 minutos.

Módulo I – Seguros

Este módulo tem como propósito melhorar a compreensão do público alvo do treinamento sobre os aspectos mais importantes do mercado de seguros, durante o treinamento do Módulo I o sujeito obterá conhecimentos e habilidades que lhe permitirão melhor relacionamento com os clientes através do atendimento humanizado, do desenvolvimento da comunicação, percepção, empatia e tendo como resultado final a excelência no atendimento aos clientes dos mais diversos produtos.

Módulo II - Produto

Neste Módulo serão apresentadas as regras estipuladas do produto para qual os sujeitos oferecerão atendimento. Exemplo: documentos exigidos em caso de sinistro ou queda acidental, no caso de o produto ser seguro de celular.

Módulo III – Sistemas e procedimentos

Neste Módulo os sujeitos conhecerão o sistema de TI próprio da organização, denominado de Orion, que será utilizado para todos os atendimentos (telefônico, via chat ou WhatsApp), como também todos os procedimentos que deverão ser realizados durante o atendimento. Exemplo: script de atendimento, as primeiras informações para serem solicitadas, etc.

Módulo IV - Qualidade no atendimento

A satisfação do cliente é fundamental para todas as organizações, não é diferente com a organização onde se realizou a pesquisa. O investimento e valorização da qualidade do serviço prestado ao cliente é considerado o indicador mais importante na avaliação de desempenho anual de todos os colaboradores. Neste módulo o sujeito recebe as informações necessárias para oferecer um atendimento humanizado, mais atencioso e acolhedor, promovendo a melhor experiência de atendimento ao usuário.

Após um mês (no mínimo trinta dias de trabalho), os participantes passaram por reavaliação das provas cognitivas.

Para realizar a pesquisa, adotaram-se como instrumentos a aplicação de um questionário Sociodemográfico, buscando coletar informações relativas à formação educacional, estado civil, sexo, fase do desenvolvimento de cada participante.

Valeu-se também da testagem psicológica, composta por uma bateria de testes que inclui: TMR (Teste de memória de reconhecimento), TEACO-FF (Teste de atenção concentrada), TEADI (Teste de atenção dividida), Figura Complexa de Rey, NEO-FFI-R (versão curta do NEO PI-R) Inventário de personalidade e inventário de cinco fatores NEO revisado.

Para fins de esclarecimentos, não serão aprofundadas informações inerentes aos testes que constituem a bateria adotada, pois deseja-se dar maior foco aos resultados encontrados no estudo.

Por fim, cabe salientar que em acordo a Resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia e a Resolução 466/12 do Ministério da Saúde, todos os participantes foram devidamente esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa, juntamente com a garantia do anonimato, liberdade para desistência em qualquer etapa do trabalho e contato dos pesquisadores para quaisquer esclarecimentos futuros. Além do que todos(as) assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Por fim, cabe salientar que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UMESP, protocolo número CAAE 61777716.8.0000.5508.

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3.Resultados e discussões

Antes de se apresentar os dados propriamente ditos, torna-se interessante pontuar que foi usado o teste de Kolgomorov-Smirnov para verificar a normalidade da distribuição dos dados. Dados contínuos foram analisados por um teste paramétrico (t de student) e os dados que não apresentaram normalização foram avaliados por teste não paramétrico (Mann-U-Whitney).

Já para os dados contínuos calculamos as médias, medianas e desvio padrão. Variáveis nominais serão analisadas pelo Teste Qui-Quadrado e verificaram-se associações de variáveis por meio da Correlação de Person. ​​ Para todas as análises o nível de significância estipulado foi de 5% (p < 0,05).

Cabe também salientar, que para fins de humanização, será realizada uma análise sociodemográfica, pois se acredita que assim os leitores terão uma visão geral de quem desta pesquisa participou.

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4.Análise sociodemográfica

Tabela 1 – Dados sociodemográficos dos 92 participantes

 

 

 

 

 

Dados

 

Variáveis

 

N

%

 

Sexo

Feminino

54

58,7

 

Masculino

38

41,3

 

 

 

 

 

 

 

19 – 24

60

65,22

 

Idade

25 – 30

19

20,65

 

 

Mais 30

13

14,13

 

 

 

 

 

 

Escolaridade

Ensino Médio Comp.

55

59,8

 

 

Ensino Superior Incomp.

33

35,9

 

 

Ensino Superior Comp.

4

4,3

 

 

 

 

 

 

Estado Civil

Solteiro

69

75

 

Casado

12

13

 

União Estável

10

10,9

 

Divorciado

1

1,1

..

Frente aos dados na tabela apresentados, identifica-se que entre os 92 participantes (54 do sexo feminino e 38 do sexo masculino), com idade entre 19 e 58 anos, sendo participantes femininos (58,7%) e masculinos (41,3%), operadores de telemarketing receptivo e ativo de vendas recém-admitidos na organização (Tabela 1).

A escolaridade mínima exigida para contratação é ensino médio completo, no entanto, os participantes apresentaram diferentes graus de escolaridade, sendo ensino médio completo 55 sujeitos (59,80%), ensino superior incompleto 33 sujeitos (35,90%) e ensino superior completo 4 sujeitos (4,30%).

Quanto ao estado civil dos 92 participantes, 69 são solteiros (75,00%), 12 casados (13,00%), 10 com união estável (10,90%) e 1 divorciado (1,10%).

Quanto a idade, em sua maioria os sujeitos encontram-se entre 19 e 24 anos (65,22%), ou seja, 60 participantes; um total de 19 participantes com idade entre 25 a 30 anos (20,65%) e 13 operadores acima de 30 anos (14,13%), a minoria da amostra.

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5.Análise dos dados

Retomando o conceito de FE, no qual a pesquisa foi embasada; para Pennington (1991), o conceito de FE pode ser encarado como um guarda-chuva que abarcaria diferentes funções cognitivas. Neste estudo em especial, abarcou-se, principalmente, as FE memória, atenção e organização e planejamento. FE que foram medidas durante a pesquisa, com aplicação antes e depois do processo de aprendizagem, envolvido na realização do Programa de Treinamento Técnico para adultos, os operadores de telemarketing receptivo e ativo de vendas, recém-contratados pela organização. Segundo Diamond (2013), o processo de aprendizagem é algo contínuo; é o desenvolvimento em que o ser humano assimila diversas informações ao mesmo tempo, e de forma sucessiva. Na fase escolar, tem destaque a capacidade cognitiva e as FE para o aluno adquirir os novos conhecimentos. Podemos dizer que na aprendizagem de adultos, também as Funções Executivas (FE) têm destaque. Para Serafim, Ribeiro, Malloy-Diniz (2015), vários processos cognitivos têm sido relacionados às funções executivas, tais como memória operacional, controle inibitório, autorregulação afetiva, planejamento, solução de problemas, tomada de decisão, flexibilidade cognitiva, entre outros. Para Lezak et al. (2004), FE são entendidas como uma das três dimensões funcionais relacionadas, à forma pela qual, o comportamento é expresso, ao lado da cognição, que é o aspecto responsável pela manipulação da informação e da emotividade, que se refere a sentimentos e a aspectos motivacionais. As FE memória, atenção e organização e planejamento foram selecionadas como indicadores importantes na avaliação de desempenho dos sujeitos, antes e depois do treinamento, para justamente verificarmos a eficácia do treinamento e a melhoria dessas funções mentais, já que as FE têm papel de destaque no processo de aprendizagem, tanto de crianças na fase escolar, quanto em adultos (DIAMOND, 2013).

Em resumo, vale ressaltar que, as FE são processos mentais como, por exemplo: Atenção, Memória Operacional (MO), Percepção, Planejamento, Seleção, Inibição de respostas, entre outros. Dessa forma permitem ao indivíduo se antecipar, definir objetivos, planejar, acompanhar resultados alcançados e mudar a direção, se assim for preciso. Estamos falando de funções com estreita relação com aspectos adaptativos, (SERAFIM; RIBEIRO; MALLOY-DINIZ, 2015), portanto, a melhoria/desenvolvimento das FE contribuem para a adaptação às situações novas em ambientes diversos.

Em termos da Atenção, encontramos na literatura uma pluralidade de conceituações e de tipos de Atenção. Luria (1981) divide a FE Atenção ​​ entre voluntária e involuntária; Nahas (2001) diz que a atenção é diferenciada de três formas: seletiva, dividida e sustentada; e Lent (2004) e Santos (2006) citam os tipos de atenção: sensorial, atenção visual, atenção espacial e atenção intelectual. Para facilitar a coleta de dados sobre Atenção junto aos participantes da pesquisa, foram utilizados os seguintes tipos: alternada, concentrada e dividida. ​​ Exatamente os tipos de atenção dos testes utilizados na primeira e segunda aplicação (TEALT, TEADI, TEACO), antes e depois do treinamento técnico de produto, para avaliação de desempenho dos sujeitos.

A função atencional está presente em todas as etapas no desempenho das FE (Ardila, 2008), portanto, presente no desenvolvimento/melhoria das funções mentais dos sujeitos desta pesquisa também.

Outra Função mental bastante importante, é a Memória Operacional (MO), considerada um fator básico no processo de aprendizagem, que consiste na capacidade do sistema nervoso armazenar, classificar, codificar e evocar situações passadas (BADDELEY, 2006). A partir do referencial da temporalidade, a memória possui três tipos: imediata, mediata (curta duração) e diferida (longa duração). Para avaliar o desempenho dos sujeitos em relação à Memória, utilizou-se o Teste de Memória de Reconhecimento (TRM) - BGFM – 4 Bateria Geral de Funções Mentais, que visa investigar, avaliar e mensurar tanto a memória de curto termo, como a memória de longo termo, as funções mentais do campo cognitivo: sistemas atentivos, memória e raciocínio lógico (TONGLET, 2007); e o teste Figura Complexa de Rey – Memória. Já a FE organização e planejamento foi medida através do teste Figura Complexa de Rey – Cópia, onde o estímulo visual é uma figura geométrica complexa. Referente aos resultados gerais dos testes em relação à atenção, memória, organização e planejamento, aplicados, antes e depois, do Programa de Treinamento Técnico para Adultos, na amostra de 59 sujeitos, já que do total de 92, 33 sujeitos foram desligados ou pediram desligamento; em todos os testes da segunda aplicação, apresentou-se um crescimento significativo, comparado aos resultados da primeira aplicação. Fator indicativo de que o treinamento, controlado e estruturado, contribuiu para a melhoria das funções mentais avaliadas.

Nas amostras pareadas, notamos um crescimento significativo em todos os indicadores de FE. Sendo que, o maior crescimento foi na Atenção Concentrada, medida através do teste TEACO.

Quanto aos aspectos emocionais foi utilizado um instrumento de avaliação das características da personalidade, baseado no modelo pentafatorial das personalidades - cinco grandes fatores, ​​ o teste NEO-FFI-R, ​​ que possibilitou medir cinco fatores da Personalidade, dos 92 sujeitos, durante a primeira aplicação, realizada apenas antes do treinamento.

Em todos os quatro fatores de personalidade: Amabilidade, Conscienciosidade, Extroversão e Abertura, o escore da amostra da pesquisa foi acima da média combinada (homens e mulheres) da amostra normativa para a população brasileira. O que denota uma forte tendência, dos 92 sujeitos, para comportamentos positivos como por exemplo: sociabilidade, controle de impulsos, criatividade, empatia, complacência e escrupulosidade (COSTA JÚNIOR, 2010). A normalidade dos aspectos da personalidade favorece a adaptação do sujeito ao seu novo ambiente de trabalho, além de promover um melhor aprendizado, durante a realização de Programa de Treinamentos, devidamente, controlado e estruturado.

Outro dado importante nos aspectos da personalidade, foi um baixo escore do fator Neuroticismo; domínio mais penetrante da personalidade, que difere de estabilidade emocional (COSTA JÚNIOR, 2010). Foi o único que a amostra da pesquisa apresentou escore mais baixo do que a média brasileira.

Neste fator, quanto menor o escore, melhor é o resultado do avaliado, do ponto de vista de adaptação ao meio e facilidade para novos aprendizados. Com escore baixo neste fator, os sujeitos desta pesquisa apresentam uma tendência para comportamentos de estabilidade emocional, como também, lidar bem com sentimentos negativos, como vergonha, raiva e medo (COSTA JÚNIOR, 2010). Desta forma pode-se afirmar que a ausência de prejuízo cognitivo, é indicativo de que aspectos emocionais podem repercutir no desempenho e qualidade da aprendizagem e na melhoria das FE (OHLWEILER; ROTTA; RIESGO, 2015, p. 9-48), visto que, não se observou nesta amostra estes prejuízos.

Também foi observada uma associação entre profissionais que pediram demissão, voluntariamente, com o fator da personalidade, Abertura a Experiência. Estas características dão indícios de uma tendência para colocar-se no lugar do outro, resultando num comportamento de complacência e de curiosidade intelectual, criatividade e atenção aos sentimentos interiores (COSTA JUNIOR, 2010), e dessa forma contribuem para a adaptação e sociabilidade no ambiente. Pode-se inferir que o escore abaixo da média, do fator da personalidade, Abertura e Experiência, nos sujeitos, que solicitaram o desligamento da organização, possa ter contribuído para o pedido voluntário de demissão e a vontade, desses sujeitos, para deixarem de exercer a função de operador de telemarketing, receptivo ou ativo de vendas.

Outro ponto a ressaltar é que todas as variáveis, fatores da personalidade: Amabilidade, Conscienciosidade, Extroversão e Neuroticismo; não apresentaram qualquer relação de significância com os colaboradores demitidos pela empresa, sem justa causa.

Ao se considerar que o Programa de Treinamento de Produtos para Adultos, ​​ foi desenvolvido com vários módulos (Módulo I - Seguros, II - Produto, III – Sistemas e Procedimentos e IV – Qualidade no Atendimento), abordando de forma completa todas as informações técnicas necessárias sobre o produto, com o propósito de melhorar a compreensão sobre os aspectos mais importantes do mercado de seguros, bem como, as regras estipuladas, o sistema tecnológico de atendimento Orion, utilizado pela organização, e com foco no atendimento humanizado (mais atencioso e acolhedor); pode-se dizer que a eficácia do treinamento acaba por promover a melhor experiência de atendimento ao usuário. Do mesmo modo que também, contribui para a melhoria no desempenho das FE, mencionadas anteriormente.

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6.Considerações finais

Tendo por principal objetivo verificar a relação entre as Funções Executivas (FE), os aspectos emocionais e a eficácia de um Programa de Treinamento Técnico de Produto, para adultos.

A hipótese principal desenhada pela pesquisa é que a aplicação de um treinamento controlado e estruturado, juntamente, com os aspectos emocionais sem alterações e sem nenhum prejuízo cognitivo de FE, possam contribuir para o desenvolvimento/melhoria no desempenho da aprendizagem.

Mediante a avaliação, torna-se possível afirmar que o desempenho em todos os testes, em que foram avaliadas as Funções Executivas (FE): atenção, memória e organização e planejamento, após a realização do Programa de Treinamento Técnico de Produto, para Adultos, foi melhor, e de forma bastante significativa, em relação à primeira aplicação dos mesmos testes realizados, no primeiro dia de trabalho, para os participantes da pesquisa.

Quanto aos aspectos da personalidade, mensurados através do NEO FFI –R (Versão Curta), os quatro grandes fatores da Personalidade: Amabilidade, Conscienciosidade, Extroversão e Abertura a experiência, o escore da amostra da pesquisa foi acima da média combinada (homens e mulheres) da amostra normativa para a população brasileira. O que mostra traços de personalidade mais estáveis e ​​ comportamentos positivos como sociabilidade, controle de impulsos, criatividade, empatia, entre outros. A normalidade desses aspectos da personalidade, favorece a adaptação e o convívio do sujeito ao seu novo ambiente de trabalho, como também um melhor aprendizado.

Todos os indicativos desta pesquisa: 1. a melhoria/desenvolvimento das Funções Executivas (FE) – Memória, Atenção e organização e planejamento; 2. possuir traços de personalidade mais estáveis, e acima da média brasileira, facilitam a aprendizagem e somados a 3. Treinamentos elaborados de forma estruturada, podem promover, de maneira significativa, a eficácia do Programa aplicado em adultos.

Outro ponto importante a destacar, na análise dos dados, é que o fator da personalidade Neuroticismo, que nesta pesquisa atingiu escore abaixo da média da população brasileira.

Poderia ser um indicativo de algum comprometimento, como, por exemplo, comportamentos de desajustamento social e instabilidade emocional, caso o escore fosse alto. Mostrou-nos que quanto maior a tendência de serem pessoas calmas e moderadas em seus comportamentos, melhor a chance de aprendizados nos adultos.

Resumindo, foi possível verificar, através dos dados obtidos, que a expressão de fatores de personalidade mais estáveis, associados e treinamentos estruturados, podem colaborar para a melhoria/desenvolvimento do desempenho cognitivo dos adultos.

Por fim, cabe salientar que como limitação deste estudo, destaca-se a ausência de um grupo controle, o que certamente ampliaria a discussão dos resultados do Treinamento de Produtos para Adultos, sobre o desempenho em provas cognitivas, antes e depois do treino.  ​​ ​​​​ 

Assim, sugerem-se novos estudos para ampliar as reflexões já existentes nesta pesquisa.

 

7.Biografias

Carla Terezinha Palhavã

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo/SP, Brasil.

Email: carlapalhavam@gmail.com

Doutoranda e Mestra em Psicologia da Saúde Pela Universidade Metodista de São Paulo. Graduada em  Psicologia pela PUC São Paulo. Professora do curso de graduação em Psicologia da Universidade  Metodista de São Paulo.

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Áquila Negrini da Silva

Unifaveni, Guarulhos/SP, Brasil.

Especialista em Psicologia Organizacional pela UNIFAVENI. Graduada em Psicologia pela Faculdade  Pitágoras de Poços de Caldas. Psicóloga Organizacional.

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Cristiano de Jesus Andrade

Universidade Ibirapuera, São Paulo/SP, Brasil.

 Doutor e Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. Graduado em  Psicologia pelo Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino de São João da Boa Vista.  Professor Permanente do programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Ibirapuera.

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Antonio de Pádua Serafim

Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

 Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Mestre em Neurociências e Comportamento pelo  Instituto de Psicologia (IPUSP). Graduado em Psicologia pela UFPB. Professor do Departamento de  Psicologia da Aprendizagem, Desenvolvimento e Personalidade do Instituto de Psicologia - Universidade  de São Paulo. Orientador do Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Comportamento-IPUSP.

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    8.Declaração de direitos

 Os autores declaram ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outrao Revista/Journal. Declaram que as imagens e textos publicados são de responsabilidade dos autores, e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declaram respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declaram não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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9.Referências

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1

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo/SP, Brasil

2

Unifaveni, Guarulhos/SP, Brasil

3

Universidade Ibirapuera, São Paulo/SP, Brasil.

4

Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

 


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