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Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL
Perfil motor de crianças autistas da Associação Campinense de Pais de Autistas (ACPA) na cidade de Campina Grande/PB
Kelly Soares Farias1; Sabrynna Mirelly Martins Silva2
Como Citar:
FARIAS; Kelly Soares, SILVA; Sabrynna Mirelly Martins. Perfil motor de crianças autistas da Associação Campinense de Pais de Autistas (ACPA) na cidade de Campina Grande/PB. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.614-630, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202422417
Área do conhecimento: Ciências da Saúde.
Sub-área: Fisioterapia.
Palavras-chaves: Autismo; Desenvolvimento Infantil; Desempenho psicomotor; Escala de Desenvolvimento Motor.
Publicado: 05 de fevereiro de 2024
Resumo
A prevalência do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) vem aumentando nas últimas décadas. Estudos relatam dificuldades motoras finas e grosseiras em crianças diagnosticadas com TEA, as quais podem acarretar implicações e déficits para as habilidades sociais e de comunicação. Analisar o perfil motor de crianças autistas atendidas na Associação Campinense de Pais de Autistas (ACPA) na cidade de Campina Grande/PB. Trata-se de uma pesquisa de cunho observacional descritivo transversal. A população alvo foram as crianças autistas atendidas na ACPA. Para a coleta de dados, foram utilizados um questionário sociodemográfico e a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM). Os dados coletados foram tabulados nas plataformas do Office, em seguida, realizada a análise descritiva das variáveis coletadas. Foram analisadas 12 crianças autistas, com a média da idade cronológica de 77,0 (±31,5) meses e a idade motora geral de 54,5 (±25,9) meses. No geral, 91,67% (n=11) apresentaram índices de desenvolvimento motor inferior e, apenas 8,33 % (n=1) apresentou desenvolvimento motor normal. Este estudo permitiu sugerir que as crianças autistas da amostra estudada apresentam um perfil motor reduzido, considerando-se o perfil motor esperado para sua idade cronológica. Indicando, assim, maiores déficits nas áreas de motricidade global, equilíbrio e esquema corporal.
1. Introdução
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano que vem sendo estudado pela ciência há quase seis décadas1. Atualmente denominado de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) pela American Psychiatric Association em seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)2, apresenta-se como uma condição caracterizada pelo desenvolvimento acentuadamente anormal e prejudicado nas interações sociais, nas modalidades de comunicação e no comportamento, cuja etiologia ainda é desconhecida e o diagnóstico é essencialmente clínico.
O TEA tem origem nos primeiros anos de vida, mas sua trajetória inicial não é uniforme, o que dificulta o seu diagnóstico. Neste sentido, o desenvolvimento motor não é um dos critérios de diagnóstico, porém, alguns pesquisadores têm discutido esse quesito para uma intervenção precoce. Notam-se dificuldades motoras finas e grosseiras em crianças com TEA3, as quais podem acarretar implicações e déficits para as habilidades sociais e de comunicação4. Assim, pode-se considerar que, quanto mais precocemente a identificação de déficits motores, melhor a chance de indivíduos com TEA terem acesso a uma intervenção eficaz5.
Conforme dados da Organização Mundial de Saúde – OMS6, tendo como base estudos epidemiológicos realizados nos últimos 50 anos, a prevalência do TEA aumentou globalmente. Estima-se, que, no mundo, uma em cada 160 crianças tem TEA. No Brasil, não há estudos completos quanto a esta prevalência, porém um estudo identificou uma frequência de 1,31 autistas a cada 10.000 pessoas em Santa Catarina7; e outro estudo estimou 0,88% de casos de TEA em uma população de 1.470 crianças do município de Atibaia em São Paulo8.
No que concerne à etiologia, descobertas recentes sugerem que fatores genéticos e alterações no sistema nervoso central (SNC) podem ser alguns dos fatores. Já foram encontrados e definidos, como relacionados ao TEA, deleções e mutações gênicas, função proteica alterada, padrões do DNA alterados, entre outros 9.
O diagnóstico do TEA é clínico, podendo ser realizado tanto com base na observação comportamental dos critérios dos sistemas de classificação quanto por meio do uso de instrumentos, que permitem ao profissional traçar um perfil refinado das características de desenvolvimento da criança10. Por consequência, vários instrumentos foram desenvolvidos com base no DSM-IV11, com o objetivo de aperfeiçoar o diagnóstico do transtorno, assim como várias escalas que medem a gravidade dos sintomas também foram criadas12. As mais utilizadas para mensurar as condutas apresentadas pelas crianças com transtorno invasivo do desenvolvimento são a Checklist for Autism in Toddlers13, The Gilliam Autism Rating Scale14, e The Autism Diagnostic Interview- Revised 15. Há também as escalas para avaliar a gravidade do autismo, tais como a Childhood Autism Rating Scale (CARS) 16 e Autistic Behavior Checklist17.
Um bom instrumento de avaliação deve possuir confiabilidade, validade e objetividade significantes, porém, nem sempre engloba todas as áreas do desenvolvimento da criança. Nesta perspectiva, tendo em vista que é de grande relevância a identificação de sinais iniciais de problemas no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), para assim, possibilitar a instauração de intervenções imediatas, as escalas que avaliam o DNPM tornam-se essenciais para uma avaliação e intervenção mais eficientes, que poderão influenciar na evolução e o conhecimento do quadro clínico do TEA como um todo.
A Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) proposta por Rosa Neto18, avalia crianças de dois a onze anos, através de um conjunto de testes diversificados e de dificuldade graduada, de acordo com a faixa etária, envolvendo atividades de motricidade fina e global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e temporal e lateralidade. Com o intuito de avaliar a idade motora geral e de cada componente avaliado, traça-se um perfil motor, possibilitando uma comparação simples e rápida de diferentes aspectos do desenvolvimento motor.
A EDM apresenta-se como um manual completo, com materiais adequados, de fácil manejo e atrativos para realização das provas. Utilizando idades motoras para facilitar a interpretação dos resultados; índices numéricos; escala de quociente motor; gráfico de desenvolvimento motor; além de um programa informativo com fichas de resposta, gráficos e banco de dados, e a disponibilidade de vídeos ilustrativos sobre a correta aplicação dos testes18.
Nesse sentido, a escala EDM aparece com o propósito principal de colocar à disposição, de profissionais de saúde e de educação, um conjunto de instrumentos de diagnóstico que lhes permitam utilizar um método eficaz para realizar estudos transversais e longitudinais através de provas construídas sobre princípios técnicos, científicos, com critérios práticos e coerentes.
O estudo de Santos e Mélo19 avaliando um menino de 10 anos com diagnóstico TEA, por meio da EDM, constatou que o conhecimento e reconhecimento de tais parâmetros psicomotores possibilitou uma melhor abordagem e acompanhamento evolutivo do caso.
A criança com TEA exige cuidados diferenciados, incluindo adaptações na educação formal e na criação como um todo. Essas peculiaridades levam a alterações da dinâmica familiar e à necessidade de serviços educacionais e comunitários melhores e mais disponíveis para possibilitar um melhor prognóstico a longo prazo. No que se refere aos sistemas e serviços públicos, o Sistema Único de Saúde (SUS) publicou uma diretriz20 para nortear a atuação profissional e informar os parentes destas crianças. Porém, sua implementação exige mais atores envolvidos, sendo assim, insuficiente, prejudicando seu potencial de apoio às pessoas com TEA e seus cuidadores.
A primeira associação no mundo de pais de crianças com autismo, a National Autistic Society, foi fundada em 1962 no Reino Unido, com três objetivos principais: abrir uma escola para crianças com autismo, uma residência para os adultos e criar um serviço de informação e apoio para outros pais21. No Brasil o primeiro grupo organizado por pais foi o da Associação dos Amigos dos Autistas de São Paulo, a AMA-SP, em 1983, cujo objetivo era fomentar a busca de conhecimento e troca de experiências sobre o autismo, em um período anterior à criação do SUS, no qual o Estado brasileiro não provia nenhuma estratégia para o acolhimento de crianças e adolescentes com sofrimento mental, tal como o autismo. Este fato levou a AMA-SP a desenvolver suas próprias frentes e diretrizes assistenciais e a buscar conhecimento, por meio de intercâmbios com instituições estrangeiras21.
Com o passar dos anos, as associações tornaram-se protagonistas nas conquistas alcançadas em prol das pessoas que convivem com o transtorno. Graças ao empenho das famílias e dos amigos, envolvidos na luta pela inclusão, é que hoje os autistas têm direitos garantidos pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, acordada em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Atualmente, são mais conhecidas as AMAs e as APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), todavia, ainda existem outras associações fundadas por familiares e/ou profissionais, que atendem diversas deficiências, além de clínicas e escolas particulares, e órgãos públicos. Uma pesquisa realizada de 2011 a 2012, conseguiu analisar 107 instituições do Brasil, sendo 36 Associações de Amigo do Autista, que declararam atender 1311 assistido; 24 Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (inclui as escolas criadas pelas APAEs), assistindo 847 pessoas com autismo; 8 associações diversas, que declararam assistir 376 autistas; 12 clínicas particulares; 8 escolas particulares; e 19 instituições públicas21.
As regiões brasileiras, organizando os dados de acordo com sua população total e uma estimativa da população com autismo a partir da média mundial de prevalência apontada por estudos epidemiológicos, conseguiu dados quanto ao número de instituições e pessoas assistidas por regiões e estados. A região nordeste possui 13 instituições assistindo 393 pessoas com TEA. Especificamente na Paraíba, há 3 instituições assistindo 47 pessoas21.
Em Campina Grande, há duas entidades civis, sem fins lucrativos, que têm por objetivo oferecer atendimento de qualidade às pessoas com o autismo. Uma delas é a Associação Campinense de Pais de Autistas – ACPA, fundada em 2014, cuja missão é desenvolver atividades que assegurem o amparo, a proteção e o bem-estar de indivíduos dentro do TEA, possibilitando assim, um desenvolvimento adequado para esses indivíduos, facilitando também, a inclusão integral destes na sociedade.
Porém, apesar dos avanços, ainda há uma luta para que a sociedade e as escolas estejam aptas a atender essas pessoas. Outro empecilho é encontrar profissionais especializados sobre o tema, sendo fundamental a capacitação de profissionais para atender e identificar casos de autismo. Pois, com o aprendizado, consegue-se distinguir melhor as nuances do transtorno e antecipar o diagnóstico, considerado imprescindível para iniciar o tratamento o mais precocemente possível22.
De acordo com o exposto e com ênfase na importância de se conhecer o perfil motor de crianças com TEA, o objetivo deste trabalho foi analisar o perfil motor de crianças autistas atendidas na Associação Campinense de Pais de Autistas (ACPA) na cidade de Campina Grande/PB.
2. Metodologia
Trata-se de um estudo observacional descritivo transversal, desenvolvido em uma associação sem fins lucrativos que desenvolve atividades multidisciplinares com crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA): a Associação Campinense de Pais de Autistas (ACPA), localizada na Rua Pedro Otávio De Farias Leite, n° 503, Jardim Paulistano, Campina Grande, PB, CEP 58415300, Brasil, CNPJ 21.151.614/0001-44.
A população foi constituída por crianças autistas atendidas na ACPA, no período da manhã, de acordo com seu plano de atendimento individual. Fizeram parte da amostra 23 crianças autistas, selecionadas pelo plano de amostragem não-probabilística por conveniência, do sexo feminino e masculino, com idade entre 2 e 11 anos, devidamente cadastradas, com seus respectivos prontuários no período compreendido entre os meses de maio e setembro de 2019, na associação.
Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: crianças com diagnóstico de TEA e suas possíveis associações e combinações; com idade entre 2 e 11 anos; e serem atendidos na associação do estudo. Foram excluídas as crianças que não conseguiram realizar as atividades propostas no manual de avaliação motora.
Para a coleta dos dados, foram utilizados dois instrumentos. Inicialmente, um questionário sociodemográfico, aplicado com os cuidadores, para coleta de informações sobre a identificação da criança e do responsável, bem como informações gerais quanto a presença de intercorrências durante a gestação, o tipo de parto realizado, a presença de outras patologias neurológicas na família. Além de informações a respeito da busca por atendimento médico e o nível de satisfação com o serviço que é prestado ao indivíduo na associação.
Posteriormente, a avaliação das crianças baseou-se no manual de avaliação motora de Rosa Neto18, utilizando a Escala de desenvolvimento motor (EDM) que é composta por uma bateria de testes, abrangendo as seguintes áreas da motricidade humana: motricidade fina (óculo manual); motricidade global (coordenação); equilíbrio (postura estática); esquema corporal (imitação de postura, rapidez); organização espacial (percepção do espaço); organização temporal (linguagem, estruturas temporais).
Cada teste foi explicado para a criança verbalmente pelo avaliador. As provas, organizadas de maneira progressiva em grau de complexidade ou dificuldade, foram iniciadas com o teste correspondente à idade cronológica (IC) da criança. Quando esta obtinha sucesso na prova, imediatamente passava para a prova de idade superior, sendo registrado um ponto na ficha do examinado. Em caso de fracasso, a tarefa correspondente à idade anterior era proposta e, se o sucesso fosse obtido, esta idade que era pontuada, determinando a sua idade motora (IM) expressa em meses. A soma das baterias de testes de cada área resultou na idade motora geral (IMG).
Além da IMG, este instrumento ainda determinou a idade positiva ou negativa e, o Quociente Motor Geral (QMG) e de cada área, que é classificado em sete níveis: 69 ou menos correspondendo a muito inferior; 70-79 a inferior; 80-89 a normal baixo; 90-109 a normal médio; 110-119 a normal alto; 120-129 a superior; e 130 ou mais a muito superior18.
A participação das crianças foi de caráter voluntário, sem fins lucrativos, através da autorização dos cuidadores que foram informados quanto aos procedimentos da pesquisa e, em seguida, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Essa pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (n° do Parecer: 3.436.299 03/07/2019), e encontra-se em concordância com os aspectos éticos que envolvem a pesquisa com seres humanos, conforme preconiza a Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério de Saúde. Atendendo e respeitando, também, os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de 1990.
Os cuidadores responderam ao questionário sociodemográfico no momento do convite para a participação da pesquisa e da assinatura do TCLE. Esta etapa ocorreu durante três semanas do mês de agosto de 2019. As avaliações individuais realizadas com as crianças, através da EDM, ocorreram durante o mês de setembro de acordo com uma escala de disponibilidade individual de cada criança, que se adequou aos atendimentos oferecidos na associação.
Os dados coletados nos dois instrumentos de avaliação foram tabulados nas plataformas do Office, em especial o Microsoft Excel 2019. Em seguida, foi realizada a análise descritiva das variáveis sociodemográficas e clínicas (sexo, idade, diagnóstico e comorbidades associadas etc.) e, dos escores da EDM. Os dados obtidos foram expressos como média, desvio padrão da média e porcentagem. O perfil motor foi traçado de acordo com o manual da EDM. Por fim, foram feitas associações entre os resultados analisados
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3. Desenvolvimento e discussão
Doze crianças compuseram a amostra deste estudo. De acordo com os dados da ficha sociodemográfica, 16,7% das crianças incluídas na pesquisa foram do sexo feminino e 83,3% do sexo masculino. Estes dados estão de acordo com os expostos na literatura, que mostram maior prevalência do Transtorno do Espetro Autista (TEA) no sexo masculino.
O último relatório publicado pela rede CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos sobre a prevalência de TEA em crianças de 8 anos, mostrou que a proporção de 4 meninos para cada menina é mantida, de acordo com estudos anteriores ou disponíveis em outros países. Com uma prevalência de 1 em cada 42 meninos e de 1 em cada 165 meninas (CDC, 2018). No Brasil, não há estudos completos quanto a esta prevalência.
Dentre as 12 crianças com diagnóstico clínico de TEA da amostra, somente uma apresentou, como doença associada, uma provável Síndrome do X frágil, segundo informações colhidas. Houve cinco mães que relataram intercorrências durante a gestação, tais como diabetes e hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, infecção urinária e descolamento de placenta. Em relação ao tipo de parto, onze mães realizaram parto cesáreo uma, normal. Cinco mães possuíam outros filhos, dentre estas, uma referiu que o outro também tinha o diagnóstico de TEA.
Apesar da relevância, a etiologia do TEA ainda permanece desconhecida. Evidências científicas disponíveis sugerem que, provavelmente, há muitos fatores que tornam uma criança mais propensa a estar dentro do espectro, incluindo as ambientais e os genéticos, o que figura o TEA com causa multifatorial24. Dentre as síndromes monogênicas com sintomas que incluem o TEA, a síndrome do X frágil merece atenção especial. Sendo indicada a realização de testes moleculares em todos os pacientes do sexo masculino, independentemente da ausência de manifestações clínicas da síndrome, esta que é determinada pela mutação de um gene específico (FMR1) localizado no cromossomo X25.
O diagnóstico do TEA é clínico e as principais manifestações acontecem nos primeiros anos de vida, mas sua trajetória inicial não é uniforme. Em algumas crianças, os sintomas são aparentes logo após o nascimento. Na maioria dos casos, no entanto, os sintomas do TEA só são consistentemente identificados entre os 12 e 24 meses de idade24. Neste sentido, quando questionados sobre os primeiros sinais de desconfiança, todos relataram dificuldade de interação social e pouca expressividade. Alterações quanto à linguagem foram as mais relatadas, pois dez deles demoraram a desenvolver a fala, começando a falar entre os 2 a 4 anos de idade. Duas crianças desenvolveram a fala normalmente, porém, aos 2 anos de idade uma regrediu. Alguns pais ainda citaram a presença de movimentos repetitivos, estereotipados, hiperatividade, presença de distúrbios no sono e alimentares.
Em síntese, devido à falta de informações quanto ao TEA e os seus possíveis sinais e sintomas, alguns pais relataram ter demorado a procurar atendimento médico e posterior tratamento. A maioria procurou pediatras ou neurologistas apenas quando percebeu os atrasos da linguagem. Assim, 75% crianças (n=9) estavam sendo atendidas da ACPA há menos de 6 meses e as demais (n=3), há mais de 6 meses, em um intervalo entre 1 e 2 anos. No geral, a maioria dos pais relataram ter recebido algum tipo de treinamento e/ou orientação para cuidar do filho, quer seja pela ACPA ou em outros locais. Infelizmente, dois disseram nunca ter tido alguma orientação.
Dentre as principais dificuldades encontradas, a dificuldade de aceitação por parte da família e a falta de compreensão da sociedade quanto a alguns comportamentos foram as mais relatadas. Adicionalmente, o despreparo para lidar com algumas atitudes, tais como hiperatividade, automutilações, falta de reações; além das dificuldades financeiras, devido aos altos custos dos tratamentos foram queixas que desestabilizaram as famílias. Com isso, oito cuidadores disseram sentir-se, atualmente, preparados para cuidar deles, enquanto quatro não.
De um modo geral, alguns autores referem-se a vários tipos de dificuldades com relação à linguagem. Tais dificuldades significam tanto uma não aquisição da linguagem, como uma perda progressiva das vocalizações já adquiridas, ou ainda, a persistência de manifestações verbais com características bem peculiares. Estudo realizado com 10 pais/mães de crianças autistas atendidas na Associação de Pais e Amigos dos Autistas no Estado da Paraíba (ASAS-PB), num período mínimo de 1 ano de tratamento, observou que a falta de comunicação é o sintoma mais aparente do autismo e a ausência da fala é um ponto crucial para isso (60%). Outros aspectos observados pelos pais foram o uso inadequado de objetos (10%), mau comportamento (10%), falta de contato visual (10%) e interação social (10%)26.
De acordo com os dados obtidos após aplicação da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM), em relação às características motoras das crianças atendidas na ACPA, descritas na tabela 1, verifica-se que a idade cronológica média da amostra foi de 77,0 (±31,5) meses, e a idade motora geral de 54,5 (±25,9) meses. Especificamente, conforme o quociente motor das seis variáveis avaliadas, três obtiveram classificação muito inferior (QM de 69 ou menos), sendo elas a motricidade global, equilíbrio e o esquema corporal. As demais, foram categorizadas como inferior (QM entre 70 e 79), obtendo, por fim, um Quociente Motor Geral (QMG) muito inferior.
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Tabela 1 - Características gerais das crianças com TEA pela Escala de Desenvolvimento Motor (n=12)
VARIÁVEL | MÉDIA | DESVIO PADRÃO | MÍNIMO | MÁXIMO | CLASSIFICAÇÃO |
Idade Cronológica | 77,00 | 31,51 | 35,00 | 127,00 |
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Idade Motora Geral (IMG) | 54,50 | 25,95 | 22,00 | 98,00 |
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Motricidade Fina (QM1) | 75,75 | 20,36 | 48,00 | 114,00 | Inferior |
Motricidade Global (QM2) | 68,17 | 21,36 | 36,00 | 101,00 | Muito inferior |
Equilíbrio (QM3) | 61,75 | 18,81 | 28,00 | 100,00 | Muito inferior |
Esquema Corporal (QM4) | 69,55 | 12,72 | 52,00 | 100,00 | Muito inferior |
Organização Espacial (QM5) | 79,00 | 17,67 | 52,00 | 109,00 | Inferior |
Organização Temporal (QM6) | 70,64 | 15,81 | 44,00 | 94,00 | Inferior |
Quociente Motor Geral (QMG) | 68,92 | 11,47 | 53,00 | 91,00 | Muito inferior |
Fonte: Dados da pesquisa, 2019
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Percentualmente, na classificação geral das crianças avaliadas, 91,67% (n=11) deles apresentaram índices de desenvolvimento motor inferior (inferior e muito inferior). Apenas 8,33 % (n=1) apresentou desenvolvimento motor normal, porém baixo (Tabela 2).
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Tabela 2 - Perfil Motor geral do grupo (n=12)
CLASSIFICAÇÃO | FREQUÊNCIA | % |
Normal Baixo | 1 | 8,33 |
Inferior | 3 | 25,00 |
Muito inferior | 8 | 66,67 |
Total | 12 | 100,00 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2019
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No Gráfico 1 podemos observar que houve uma diminuição da idade motora geral (IMG) em relação à idade cronológica (IC) em todas as crianças avaliadas. Todas obtiveram idades negativas, calculada de acordo com a diferença entre a IMG e IC.
Figura 1 - Relação da idade cronológica com a idade motora geral das crianças com TEA (n=12). Legenda: CRONO: cronológica; MG: motora geral. Fonte: Dados da pesquisa, 2019
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O ser humano se desenvolve em diversos ritmos e contextos, que dependem de suas próprias características e das experiências externas, vivenciadas no ambiente, o que possibilita que diferentes padrões de movimento sejam detectados. Porém, de acordo com esses resultados, podemos confirmar a hipótese de que as crianças autistas apresentam um perfil motor reduzido, considerando-se o perfil motor esperado para sua idade cronológica.
Na presente pesquisa, as áreas que apresentaram os maiores déficits foram a motricidade global, o equilíbrio e o esquema corporal. A motricidade global exige a integração entre o tônus e o equilíbrio, além da coordenação da lateralidade, noção do corpo, do espaço e do tempo, criando uma harmonia entre o seu corpo e o ambiente externo7. Além de que as dificuldades das crianças, em seu desenvolvimento motor, podem corresponder a sinais de imaturidade do sistema nervoso central, o que irá refletir em dificuldades psicomotoras, como confusão direita-esquerda e prejuízos no equilíbrio estático e dinâmico7.
Assim, podemos perceber que uma diminuição no equilíbrio e esquema corporal, ou seja, na base de toda ação diferenciada dos segmentos corporais e a imagem do corpo organizada através de relações mútuas do organismo com o meio, respectivamente, podem influenciar numa menor motricidade global, caracterizada pela capacidade de realizar grandes movimentos envolvendo grandes grupamentos musculares18.
O esquema e a imagem corporal, as noções de tempo, espaço e ritmo também requerem uma significação que ocorre a partir do outro, por meio da linguagem, afirmando assim que, as noções psicomotoras são estabelecidas a partir da linguagem. Dessa forma, relacionando o relato das mães quanto ao atraso no desenvolvimento da linguagem e o quociente motor desta área ter sido classificado como inferior, podemos associar o baixo desempenho nas outras áreas ao atraso no desenvolvimento dela também.
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4. Considerações finais
É de grande importância a realização de avaliações psicomotoras em crianças autistas, para que haja um reconhecimento precoce de suas limitações, podendo assim, traçar tratamentos adequados e o quanto antes, diminuir os riscos e agravos. Esta abordagem é essencial, principalmente para as famílias com crianças com TEA, as quais precisam de explicações claras, objetivas e direcionadas sobre os achados diagnósticos e as recomendações de tratamento. E isso requer o esforço conjunto de especialistas no campo de trabalho do TEA, colaborativamente com os médicos de cuidados primários.
De acordo com os achados, os maiores déficits encontrados foram nas áreas de motricidade global, equilíbrio e esquema corporal. Podendo associar o baixo desempenho nessas e outras áreas investigadas ao atraso no desenvolvimento da linguagem, que foi um dos principais pontos relatados pelos cuidadores das crianças, e que além de ter sido classificado, de forma geral, como inferior na EDM, a literatura cita a dificuldade de comunicação como um dos principais problemas apresentados por estas crianças.
Dessa forma, consideramos que a utilização deste instrumento de avaliação poderá auxiliar os pais e profissionais, entre estes o fisioterapeuta, envolvidos no tratamento das crianças autistas a desenvolver um plano terapêutico voltado para os componentes de menor desenvolvimento motor, os quais necessitam de atenção especial.
5. Declaração de direitos
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Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, Brasil.
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