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Scientific Society Journal  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

Determinação das velocidades radiais da Via Láctea usando rádio telescópio didático, construído para estudar a linha de emissão do hidrogênio neutro de 21cm

Gabriel de Sousa Veras Fontinele1; Izael Araujo Lima2; Neymar José Nepomuceno3; Anilton de Brito Vieira Filho4

 

Como Citar:

FONTINELE, Gabriel de Sousa Veras; LIMA, Izael Araujo; NEPOMUCENO, Neymar José; FILHO, Anilton de Brito Vieira. Determinação das velocidades radiais da Via Láctea usando rádio telescópio didático, construído para estudar a linha de emissão do hidrogênio neutro de 21cm. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.2909-2919, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202454817

 

DOI: 10.61411/rsc202454817

 

Área do conhecimento: Ciências da natureza.

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Sub-área: Física.

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Palavras-chaves: Rádio telecópio; Espectro do Hidrogênio; Rádio Astronomia LNA; SDR.

 

Publicado: 29 de junho de 2024

Resumo

Este artigo apresenta uma aplicação de um radiotelescópio de baixo custo no processo de obtenção da velocidade radial da nossa galáxia, a partir da detecção e análise da linha espectral do hidrogênio neutro, emitida pela Via Láctea, a saber: 1420,405 MHz. O dispositivo é baseado em um receptor de rádio definido por software, SDR, e um amplificador de baixo ruído, LNA. O uso de componentes SDR e de amplificadores de baixo ruído possibilita que rádio astrônomos amadores realizem pesquisas significativas com um orçamento reduzido, contribuindo para a democratização do acesso à radioastronomia. A análise dos espectros obtidos pelo radiotelescópio em estudo anterior, revelou desvios na frequência observada, tanto para esquerda (redshift) como para direita (blueshift) da frequência central de observação, devido ao efeito Doppler relativístico. Esses desvios foram analisados e culminaram na determinação das velocidades radiais das regiões observadas, fornecendo dados cruciais sobre a dinâmica e a estrutura da Via Láctea.

 

 

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Abstract

This article presents an application of a low-cost radio telescope in the process of obtaining the radial velocity of our galaxy, based on the detection and analysis of the neutral hydrogen spectral line, emitted by the Milky Way, namely: 1420.405 MHz. The device is based on a software defined radio receiver, SDR, and a low noise amplifier, LNA. The use of SDR components and low-noise amplifiers enables amateur radio astronomers to carry out significant research on a reduced budget, contributing to the democratization of access to radio astronomy. The analysis of the spectra obtained by the radio telescope in a previous study revealed deviations in the observed frequency, both to the left (red shift) and to the right (blue shift) of the central frequency of observation, due to the relativistic Doppler effect. These deviations were analyzed and culminated in the determination of the radial velocities of the observed regions, providing crucial data on the dynamics and structure of the Milky Way.

Keywords/Palabras clave: ​​ Radio telescope; Hydrogen atom; Radio Astronomy; LNA; SDR.

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1.Introdução

Quase tudo o que sabemos sobre fontes distantes, isto é, estrelas, galáxias e nebulosas, foi obtido a partir da radiação eletromagnética emitida por esses corpos. Isso inclui distribuições espaciais, cinemática e a composição química de objetos astronômicos. Apenas uma parte muito pequena de nosso conhecimento decorre de portadores de material, como meteoritos que atingem a Terra, partículas de raios cósmicos ou amostras de material coletado por sondas espaciais tripuladas ou não tripuladas [1]. Por milhares de anos, a humanidade ficou restrita ao conhecimento de uma pequena faixa do espectro das ondas eletromagnéticas, a luz visível. Após 1930, o comprimento de onda foi ligeiramente expandido no infravermelho próximo. Em outros comprimentos de onda, as investigações eram limitadas devido ao bloqueio da radiação pela atmosfera terrestre ou pelo fato da não existência de detectores disponíveis na época [1].

O desenvolvimento da radioastronomia em meados do século XX abriu uma nova janela para o entendimento do universo. As observações astronômicas eram limitadas à faixa estreita de comprimentos de onda visíveis e, consequentemente, a uma faixa limitada de fenômenos astronômicos. Nos comprimentos de onda de rádio, podemos detectar o contínuo térmico e a emissão de linhas espectrais de objetos muito frios para produzir luz visível, permitindo estudos do meio interestelar frio de nossa galáxia. Uma fonte de radiação não-térmica, chamada de emissão de síncrotron, produz proeminente emissão de rádio e é vista a partir de uma série de fontes astronômicas, como remanescentes de supernovas e quasares [2]. Muitos dos objetos astronômicos que emitem ondas de rádio não emitem muita ou nenhuma luz no espectro visível, de modo que os astrônomos estudam o que é essencialmente um universo invisível que não é visto nem pelos maiores telescópios ópticos do mundo. Poucas fontes de rádio astronômicas são obscurecidas na sua viagem até a Terra, porque as ondas de rádio podem penetrar nuvens de poeira interestelar e camadas de gás neutro com a espessura do comprimento de onda de Compton.

Com o objetivo de realizar estudos astronômicos da Via-Láctea, foi desenvolvido um importante aparato experimental de baixo custo voltado para a radioastronomia [3]. O atual cenário tecnológico vivenciado pela humanidade possibilitou o desenvolvimento de componentes de rádio definido por software (SDR) com relativa precisão e de baixo custo que, quando conectados a uma antena adequada, equipada com um amplificador de baixo ruído (LNA), podem resultar em um radiotelescópio de baixo orçamento, que está dentro do alcance da maioria das pessoas que desejam tornar-se rádio astrônomos amadores. Neste sentido, este trabalho utilizou um receptor de rádio definido por software (SDR) e um amplificador de baixo ruído (LNA), para obter resultados aproximados para a velocidade radial da nossa galáxia a partir do estudo da linha de 21 cm (1420,405 MHz) do hidrogênio neutro, proveniente de diferentes pontos da Via Láctea [3].

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2.Procedimentos práticos

Para a construção do rádio telescópio compacto e para a realização da medição da linha de emissão de rádio do Hidrogênio neutro em 1420 MHz, mostrados na Figura 1, foram utilizados os seguintes materiais: Antena parabólica de chapa com 1,5m de diâmetro e relação f/D 0,375; Guia de ondas para alimentação em 1420 MHz; Amplificador de baixo ruído Nooelec SAWbird+ H1; Receptor de rádio definido por software RTL-SDR V3 com chip RTL2832U ADC, sintonizador R820T2, 1PPM TCXO; 8m de cabo coaxial de baixa perda com blindagem dupla S-LMR240; Conectores e adaptadores tipo N e SMA e caixa de alumínio com refrigeração passiva; Cabo de extensão USB 3.0 tipo A macho para fêmea; Computador com Python, GNU Radio e Virgo.

Figura 1 - ​​ Fonte: próprios autores [3].

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O rádio telescópio compacto para a medição da linha de emissão do Hidrogênio neutro de 21cm é baseada na implementação dos materiais supracitados, com destaque para o amplificador de baixo ruído Noolec SAWbird+ H1 e o receptor de rádio definido por software RTL-SDR V3. De forma sucinta, para adaptar o guia de ondas ao prato parabólico utilizado, foi necessário a confecção de um suporte com três haste de tubo metálico, de forma que foi possível regular a posição do guia de ondas em relação a antena, com o intuito de obter os melhores resultados possíveis durante as observações. Para facilitar o manuseio da antena e simplificar o processo de apontamento, o prato parabólico foi colocado sobre uma haste metálica soldada a uma roda de caminhão, evitando o deslocamento ou algum dano à antena provocado pela força do vento [3].

Para localizar o plano galáctico e determinar os melhores horários de observação, foi utilizado o software Stellarium. Este programa de código aberto simula o céu como um planetário, possuindo um catálogo com cerca de 850 milhões de estrelas e suas características. Além disso, é possível observar outros objetos astronômicos como nebulosas, planetas, luas e constelações com alto grau de precisão. O programa traz também, a possibilidade de configurar a latitude e longitude de qualquer localização do globo terrestre, mostrando uma visualização em tempo real do céu em diferentes partes do mundo.

As observações necessárias para a realização do trabalho foram feitas nas instalações do Armazém Rio Piranhas, localizado na Avenida Central, 1500, bairro Refinaria. Esse local foi escolhido para as observações pois se trata de um campo elevado e aberto, com uma visão ampla do céu em todas as direções. Além disso, a localização está afastada de residências e outras fontes geradoras de sinais de interferência que possam prejudicar os dados obtidos. Com a antena já montada, observou-se através do programa Stellarium os pontos de interesse no plano galáctico a serem observados e, com o auxílio de um aparelho celular que possuía sensores magnéticos e de inclinação, foi possível apontar a antena e configurar as coordenadas azimutal e de inclinação [3].

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3.Desenvolvimento e discussão

Depois da coleta dos dados, foi obtido o espectro da linha de Hidrogênio neutro nos diferentes pontos observados. Como as emissões de rádio de interesse para a pesquisa são todas do plano da Via Láctea, o sistema de coordenadas galáctico foi adotado, sendo observados um total de 16 pontos de interesse em diferentes longitudes. A primeira análise indica que os principais picos de intensidade no espectro de hidrogênio estão deslocados da frequência original que deveria ser observada, apresentando valores menores que 1420,405 MHz. Isso significa que a frequência da radiação captada pelo radiotelescópio sofreu o efeito Doppler relativístico devido a velocidade relativa entre a fonte que emitiu o sinal e o equipamento de recepção. Como os desvios na frequência observada foram menores que a frequência de repouso do hidrogênio, isso caracteriza que as fontes de emissão estão se afastando da Terra (redshift), e como o valor da variação da frequência muda de um pico para o outro, isso caracteriza graus de desvios diferentes à medida que varremos a Via Láctea com o feixe da antena [4]. Em uma segunda análise, nota-se que ocorreu uma situação diferente daquela descrita anteriormente. Nesse caso, a concentração dos picos de maior intensidade de emissão na linha do hidrogênio está à direita da frequência de repouso, caracterizando o caso em que a fonte emissora está se aproximando da Terra (blueshift). Devido ao fato da distância dos picos até a frequência de 1420,405 MHz ser diferente em cada caso, isto configura diferentes intensidades do efeito Doppler observado.

Devido ao fato da longitude galáctica de observação ser determinada através do programa Stellarium e do sistema de coordenadas galáctico, percebe-se que, de maneira geral, os picos de intensidade observados nos gráficos do espectro de hidrogênio são correspondentes aos braços espirais da Via Láctea que estão na linha de visão do radiotelescópio. Levando em consideração o espectro de hidrogênio medido na longitude a 82°, observa-se a presença de três picos de intensidade distintos, concordando com os mesmos dados obtidos por Saje e Vidmar [5] ao utilizarem um radiotelescópio com uma antena de diâmetro igual a 3,1m. Os três picos observados correspondem a três braços espirais da nossa galáxia, a saber: Órion, Perseus e Cygnus. [3].

Com os dados da frequência deslocada e considerando o efeito Doppler das ondas de rádio que chegam até a antena, foi possível determinar a velocidade radial de cada pico de intensidade do espectro do hidrogênio neutro, conforme as Figuras 2 e 3. Ao analisar as velocidades radiais na Figura 2, percebe-se que as velocidades dos picos principais são positivas e diferentes entre si, mostrando que esses picos estão se afastando da Terra com velocidades distintas.