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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

ndrome de Guillain-Barré – uma revisão bibliográfica

Jefferson Borges de Oliveira1; Maria Eduarda Bresolin Ribeiro2; Ana Renata Pinto de Toledo3

 

Como Citar:

DE OLIVEIRA; Jefferson Borges, RIBEIRO, Maria Eduarda Bresolin, DE TOLEDO, Ana Renata Pinto. ndrome de Guillain-Barré – uma revisão bibliográfica. Revista Sociedade Científica, vol. 7, n. 1, p.1064-1104, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202435517

 

DOI: 10.61411/rsc202435517

 

Área do conhecimento: Ciências da Saúde

 

Sub-área: Medicina

 

Palavras-chaves: ndrome de Guillian-Barré; neuropatia; diagnóstico diferencial; organofosforados.

 

Publicado: 25 de fevereiro de 2024

Resumo

A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda, de etiologia desconhecida, caracterizada por paresia ou paralisia flácida que atinge mais de um membro, frequentemente simétrica, associada à arreflexia e aumento de proteínas no líquor, sem pleocitose. Geralmente, infecções respiratórias, disfunções motoras ou cirurgias, precedem os sintomas neurológicos, num período aproximado de 5 dias a 3 semanas. Os sinais e sintomas envolvem fraqueza simétrica rapidamente progressiva, abolição dos reflexos tendinosos, diplegia facial, paresia orofaríngea e respiratória e distúrbio da sensação nas mãos e pés. Essa condição piora durante alguns dais a 3 semanas, quando então se estabiliza e depois há uma melhora gradual até a função normal ou quase normal. Sua terapêutica engloba o uso de plasmaférese ou infusão de altas doses endovenosas de imunoglobulina humana; ambas possuem eficácia semelhante, sendo que a imunoglobulinoterapia é de mais fácil realização, melhor tolerada, além de apresentar menor índice de riscos e complicações. Este trabalho tem como objetivos realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema, apresentando um breve histórico sobre a doença, bem como sua conceituação, incidência, etiologia, patogenia, manifestações clínicas, diagnóstico, descrevendo os subtipos da SGB e entre eles a Síndrome de Miller Fisher (SMF), além do diagnóstico diferencial, do qual a desmienilização ascendente ocasionada por intoxicação por organofosforados faz parte. Por esse motivo, a fim de enriquecer ainda mais esse estudo, optou-se por descrever um caso clínico de um paciente com o quadro de intoxicação por organofosforados, apresentando as características do quadro. Pode-se concluir que Entre as modalidades de tratamento mais efetivas estão a plasmaférese e a infusão endovenosa de imunoglobulina em altas doses, ambas com eficácia semelhante, porém a imunoglobulinoterapia possui menor índice de complicações. Além disso, a intervenção de uma equipe multidisciplinar capacitada para reabilitação do paciente também é de fundamental importância, sendo que uma avaliação terapêutica motora abrangente se faz necessária a fim de certificar-se do grau de força muscular e ADM antes do início do tratamento; durante e após a reabilitação, a intervenção motora efetiva diminui as complicações respiratórias, cardíacas e vasculares. E mesmo diante da gravidade do quadro, a SGB apresenta um bom prognóstico, com a maioria dos casos se recuperando por completo e somente um pequeno número evolui para o óbito.

Resumen

El síndrome de Guillain-Barré (GBS) es una polineuropatía desmielinizante inflamatoria aguda de etiología desconocida, caracterizada por paresia o parálisis fláccida que afecta a más de un miembro, a menudo simétrica, y arreflexia asociado con aumento de proteínas en el LCR sin pleocitosis. Generalmente, las infecciones respiratorias, disfunción motora o la cirugía, antes de los síntomas neurológicos, en un plazo aproximado de 5 días a 3 semanas. Los signos y síntomas incluyen una debilidad simétrica rápidamente progresiva, la abolición de los reflejos tendinosos, diplejía facial, trastorno de parálisis orofaríngea y respiratoria de la sensibilidad en las manos y los pies. Esta condición empeora durante el estrado de unas tres semanas, cuando se estabiliza y luego hay una mejora gradual a lo normal o casi normal. Su tratamiento implica el uso de la plasmaféresis o la infusión intravenosa de altas dosis de inmunoglobulina humana, ambos tienen una eficacia similar, y el imunoglobulinoterapia es más fácil de realizar, bien tolerada y con menos riesgos y complicaciones. Por otra parte, la intervención de un equipo multidisciplinario calificado para la rehabilitación de los pacientes es también de suma importancia, y una evaluación de motor terapia integral es necesario a fin de determinar el grado de fuerza muscular y la ROM antes de iniciar el tratamiento y durante y después de la rehabilitación, la intervención del motor reduce eficazmente las enfermedades respiratorias, cardíacas y vasculares. Y aún antes de la severidad del SGB tiene un buen pronóstico, con la mayoría de los casos la recuperación completa y sólo un pequeño número progreso a la muerte..

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1.Introdução

Para FONTES et al. (2007) e Rowland (2002), a SGB é como uma polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda, de fibras periféricas sensoriais e motoras, de caráter auto-imune, atingindo de 1 a 2 indivíduos por 100.000 habitantes, sendo sua incidência maior em homens e de qualquer faixa etária. Comumente essa patologia surge associada há dias ou semanas após sintomas pregressos de uma infecção virótica respiratória superior ou gastrointestinal, ou ainda, raramente após intervenções cirúrgicas.

No que se refere à etiologia desse tipo de polineuropatia, ela é autoimune, pois segundo FONTES et al. (2007) e Rowland (2002), acredita-se que o sistema imune do portador é o responsável por destruir a camada de mielina circundante dos axônios, reconhecendo a mesma como um agente estranho ao organismo, o que resulta na propagação do impulso nervoso cada vez mais lento até a sua célula-alvo.

O ciclo evolutivo dessa síndrome é autolimitado, constituindo-se de três fases, a inicial, fase de instalação neurológica, persistente por sete a dez dias; a segunda fase, período de estado onde há maior evidência dos sinais e sintomas, com uma duração de duas a quatro semanas e a última fase de resolução da sintomatologia, a qual acontece entre duas a três semanas do período de estado (FONTES et al., 2007; ROWLAND, 2002).

NOVIELLO et al. (2008) relatam que em cerca de 20 a 50% dos casos, podem ser detectados auto-anticorpos anti-GM1 (anti-glicofosfolipídeo 1) e o processo pode ser desencadeado por infecção, sendo o agente infeccioso mais comumente relacionado como antecedente o Campylobacter jejuni. O histórico de diarréia precede o quadro, em aproximadamente 20% dos casos. Nos casos mais graves, a insuficiência respiratória e disautonomia podem se instalar, levando a arritmias cardíacas, sudorese e picos hipertensivos. A ventilação mecânica pode ser necessária em até 25% dos pacientes, com mortalidade entre 4 e 10% dos casos; entretanto, até 20% podem ficar com alguma sequela.

Conforme SANTOS e cols. (2004), a insuficiência respiratória ocorre em virtude da rápida ascensão da paresia que podem levar à necessidade de assistência ventilatória, uma vez que podem atingir a musculatura diafragmática, a intercostal, músculos da faringe, laringe e língua. Desta forma, o diagnóstico é realizado a partir da investigação da sintomatologia, devendo fechar um quadro de desenvolvimento agudo de neuropatia sensitivomotora simétrica, após episódios viróticos ou intervenção cirúrgica, associado ao exame do líquido cefalorraquidiano (LCR), que é o único critério laboratorial estabelecido, além da eletroneuromiografia. No exame de líquor, a contagem de proteínas comumente encontra-se elevada, apresentando valores entre 100 a 300 mg/dL (normalidade entre 15 a 50 mg/dL), sendo que tal elevação acontece em virtude da permeabilidade das raízes nervosas na medula espinhal estar alterada, o que potencializa a entrada de proteínas da corrente sanguínea ou impede que as mesmas sejam absorvidas pelo LCR.

No que se refere à eletroneuromiografia, ela registra a acentuada queda dos potenciais de ações musculares, representando a lentificação da condução nervosa pelo axônio (ECKMAN, 2004; ROWLAND, 2002).

Em virtude da constante agressão à camada de mielina, a fraqueza muscular se torna a principal característica da SGB, sendo de caráter progressivo, simétrica e ascendente, onde a intensidade varia de fraqueza mínima em membros inferiores, até paralisia total dos quatro membros, tronco, dos músculos envolvidos na respiração, paralisia bulbar e facial. Contudo, outros sinais compõem o quadro clínico, tais como parestesia, dor em queimação e hipotensão ortostática, hipersensibilidade ao toque, comprometimento dos nervos cranianos resultando em diplegia facial, disfagia e disartria ​​ (ECKMAN, 2004; ROWLAND, 2002).

Quanto à recuperação da síndrome, ela é acelerada pela instituição imediata de plasmaférese ou com a terapia imunoglobulínica endovenosa (IgEV), bem como pela intervenção de uma equipe multiprofissional. A primeira, é um processo de filtração do plasma sanguíneo, a fim de remover os anticorpos agressores circundantes, com a retirada de 50 mg/dL, em cada uma de cinco sessões, onde então o plasma é substuituído por albumina, para que o paciente não fique imunossuprimido e mais vulnerável à infecções. Já a terapia imunoglobulínica endovenosa (IgEV), consiste na administração em doses de 0,4/Kg/dia, durante 5 dia consecutivos, exercendo a função de anticorpos e destruindo definitivamente as proteínas estranhas ao organismo. E a equipe multiprofissional constitui-se de fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo, responsáveis por garantir a plena restauração do paciente nos diferentes aspectos comprometidos diante do curso da patologia. A intervenção fisioterapêutica na SGB garante um retorno mais efetivo às atividades do cotidiano do portador, sendo que esta atuação é baseada especialmente, na restauração do grau de forma muscular diminuído progressivamente na doença, que se torna nítido aos pequenos esforços representados pelo quadro de fadiga (BENETI & SILVA, 2006).

Diante do exposto, justifica-se a realização desta pesquisa, para que cada vez mais a SGB seja compreendida e que os programas de tratamento sejam direcionados para o rápido e pleno restabelecimento dos pacientes portadores dessa doença.

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2. Revisão

2.1 Síndrome De Guillain-Barré – Breve Histórico e Definição

Segundo FUNES et al. (2002 apud BENETI & SILVA, 2006), a fraqueza flácida ascendente é conhecida há mais de um século, sendo descrita em 1834 por Waldrop ao relatar um caso de paciente com possível diagnóstico de SGB.

Já em 1859, o médico Jean B. O. Landry, apresentou um distúrbio nos nervos periféricos que ocasionava paralisia de extremidades, da musculatura cervical e respiratória acessória, sendo esse distúrbio denominado em 1876, como paralisia ascendente de Landry (BENETI & SILVA, 2006).

Em 1916, Guillain, Barre e Strohi chamaram a atenção para uma polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda que ocasionava lesões difusas da inervação periférica mista, caracterizadas por distúrbios tanto sensoriais quanto motores, o quadro conhecido hoje como SGB ou Polirradiculoneurite (PRN) aguda. A partir disso, foi relatada pela primeira vez a dissociação albumino-citológica no liquor de pacientes com SGB (COSTA et al., 2004).

Em consoante com FUNES et al. (2002), diversos estudos patológicos realizados por alemães e franceses na década de 50 a respeito da SGB revelaram a presença de infiltrado inflamatório mononuclear nos nervos dos pacientes portadores de SGB que vieram a óbito, tal fato foi confirmado em 1969 por ASBURY e cols. a partir de inúmeras necropsia realizadas nesses pacientes.

Entretanto, em 1956, C. Miller Fisher descobriu uma variante da SGB que acabou por levar seu nome, sendo caracterizada por ataxia severa, arreflexia e oftalmoplegia externa total.

Ainda segundo BENETI & SILVA (2006), a referida patologia recebe a denominação de Landry-Guillain-Barré-Strohi em 1964, como uma homenagem aos seus pesquisadores. Em 1976 e 1977, em virtude de um incidente pós-vacinal de SGB ocorrido nos Estados Unidos, procedeu-se a criação de critérios diagnósticos para a doença.

O desenvolvimento de novas técnicas mais eficientes voltadas ao esclarecimento da etiopatogenia e tratamento da síndrome tiveram grande importância a partir da segunda metade do século XX. Contudo, tais tentativas não obtiveram muito sucesso,
permanecendo arbitrária a definição da SGB até que um marcador específico possa ser estabelecido para o seu diagnóstico (FUNES
et al., 2002).

Quanto ao conceito de SGB, FUNES et al. (2002), a caracteriza como uma polirradiculoneuropatia inflamatória aguda de origem autoimune adquirida e monofásica.

Já LASTRA & HEREDERO (2002) definem a SGB como uma polineuropatia aguda de rápida progressão, caracterizada por desmielinização dos nervos ou dano axonal primário.

Para TORRES et al. (2003), a SGB é uma das formas mais prevalentes de neuropatia, sendo também a que apresenta progressão mais rápida, além de ser potencialmente fatal. Conforme DONOFRIO (2017), após a erradicação da poliomielite em consequência às campanhas vacinais, a SGB se tornou a principal causa de paralisia flácida no mundo.

Enfim, diversos autores conceituam a SGC de forma semelhante e as definições anteriormente apresentadas são suficientes para compreender esta patologia.

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2.2 Incidência

Segundo FARIAS et al. (2010), a SGB é uma doença que ocorre em todas as partes do mundo, em qualquer época do ano, cuja incidência anual está entre 0,4 a 4 casos/100.000 habitantes (média de 1,3 que acomete todas as idades). No entanto, alguns estudos epidemiológicos indicam um pequeno pico na adolescência e adulto jovem, provavelmente em virtude do maior risco de infecções. De acordo com UMPHRED (2004), esse pico ocorre entre o 20-50 anos. E a maioria dos estudos mostram homens mais suscetíveis que as mulheres em torno de 1,25:1 (FARIAS et al., 2010).

HUGHES et al. (1991 apud O’FARRILL & HERNÁNDEZ-CÁCERES, 2008) sugerem que eventos de natureza infecciosa precedem mais frequentemente o surgimento de doenças como infecções respiratórias e digestivas e possuem sazonalidade conflitantes, o que poderia ser um argumento para justificar as discrepâncias encontradas nos relatórios sobre época do ano.

Em 2004, em estudo realizado por FONSECA et al. foi observado um predomínio do sexo masculino dentre os acometidos pela SGB, em uma proporção de 10 homens para cada 5 mulheres, em relação a idade, a faixa etária mais acometida foi entre 30 e 78 anos, sendo a idade média de 50,2 anos.

CECATTO et al. (2003) descrevem que a SGB acomete ambos os sexos e tem maior incidência na faixa etária de adultos jovens, principalmente entre os 20 e 30 anos. Contudo, 20% dos casos ocorrem em crianças com menos de 10 anos de idade.

FUNES et al. (2002) relatam também uma distribuição mundial e independente da época do ano, havendo ainda uma maior incidência entre a população geriátrica, cuja incidência anual pode chegar até 8,6 casos para cada 100.000 habitantes maiores que 70 anos. Todavia, ESPOSITO & LONGO (2017) enfatizam que a SGB é uma manifestação rara em crianças com menos de 2 anos de idade.

PLATÓN et al. (2003) referem que, ao contrário do que acontecia antigamente, atualmente apenas 5% dos pacientes com SGB evoluem para óbito, isso se deve às melhores condições de tratamento possibilitado por um maior entendimento sobre o desenvolvimento da doença.

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2.3 Etiologia

CAMPELLONE (2004) relata que ainda não é conhecida a causa exata da SGB, no entanto AGUIRRE et al. (2003) citam que aproximadamente 90% dos casos diagnosticados de SGB apresentavam anticorpos contra gangiliosídeos (GM1a, GQ1b, GT1a).

FUNES et al. (2002) advogam a favor da ideia de que a SGB se relaciona a uma resposta imune do organismo como resultado ao contato com agentes infecciosos. Estudos evidenciam que mais de 60% dos pacientes com SGB apresentaram algum tipo de infecção nas semanas antecedentes ao início da síndrome. As moléculas químicas do agente infeccioso são reconhecidas pelo sistema imunológico como antígenos, levando o organismo a produzir uma resposta específica contra esses antígenos que, por fim, levará a produção de anticorpos específicos. Em função da infecção, as moléculas químicas que se encontram nos nervos periféricos e nas raízes espinhais, podem ser semelhantes estruturalmente com os antígenos e serem atacados pelos anticorpos produzidos. Tal semelhança é conhecida como mimetismo molecular. Para FUNES et al. (2002) os agentes infecciosos associados ao desenvolvimento da síndrome são múltiplos e, em grande parte das vezes, são desconhecidos. No entanto, hoje muitos podem ser determinados em virtude dos estudos soroepidemiológicos.

AGUIRRE et al. (2003), afirmam que um antecedente infeccioso, seja ele manifestado clinicamente ou através da elevação nos títulos de anticorpos séricos, está presente 1 a 3 semanas anteriores ao início do quadro de Guillain-Barré em mais de 75% dos casos da patologia.

Para FARIAS et al. (2010) há diversas patologias que podem anteceder a SGB, sendo que as infecções respiratórias e do trato gastrointestinal são citadas em metade dos casos relatados, antecedendo em quatro semanas do início dos sintomas neurológicos da síndrome. Além desses autores, PLATÓN et al. (2003) e FONSECA et al. (2004), reiteram a relação da síndrome com infecções, pois cerca de 70% dos pacientes com SGB estudados por eles apresentaram infecções respiratórias e gastrointestinais, em um período de uma a três semanas anteriores ao desenvolvimento da síndrome, o que para os autores é um fator desencadeante para a patologia.

Segundo FARIAS et al. (2010), o agente mais comum encontrado como causador é o Campylobacter jejuni, que provoca infecção gastrointestinal, e responsável por 20 a 30% dos casos ocorridos na Europa e nos Estados Unidos de acordo com CHUNG & DEIMLING (2018), havendo também relato de casos com Citomegalovirus, Epstein Barr vírus, Micoplasma pneumoneae. A SGB é reconhecida também como uma das complicações pela infecção pelo HIV, havendo também relato de casos em decorrência de vacinação, cirurgia, anestesia epidural, transplante de órgãos e medula óssea, linfomas, sarcoidose e penicilina; parece que a gravidez e uso de anticoncepcional oral conferem algum grau de proteção.

Ainda, um estudo apresentou a possibilidade da relação do Helicobacter pylori com a ocorrência da SGB, visto que anticorpos contra proteínas desse microrganismo foram encontrados no LCR desses pacientes (FUNES et al., 2002).

FUNES et al. (2002) relatam ainda a relação do vírus da hepatite C como um fator desencadeante da SGB, visto que se associa a diversas enfermidades imunomediadas. Algumas drogas como penicilina, estreptoquinase, captopril e heroína foram descritas como possíveis fatores desencadeante da SGB, bem como enfermidades hematológicas malignas, como leucemia não linfoblástica e linfocítica crônica, todavia o mecanismo envolvido no desenvolvimento da síndrome por essas drogas ainda não está totalmente esclarecido.

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2.4 Patogenia

Em conformidade com MACHADO (2004), o tecido nervoso central compõe-se basicamente a dois tipos celulares, os neurônios e as células gliais ou neuróglia, que no sistema nervoso periférico passam a ser chamadas de células de Schwann. O neurônio é a sua unidade fundamental, possuindo como função básica receber, processar e enviar informações; são células altamente excitáveis que se comunicam entre si ou com células efetuadoras, utilizando basicamente uma linguagem elétrica, qual seja modificações do potencial de membrana.

As fibras musculares esqueléticas são enervadas por grandes fibras nervosas mielinizadas, tendo sua origem nos grandes motoneurônios dos cornos anteriores da medula espinhal. Uma fibra nervosa compõe um axônio, cujos envoltórios são de origem glial, sendo o principal envoltório a bainha de mielina, que atua como isolante elétrico (MACHADO, 2004 e GUYTON, 2002).

Já a neuróglia abrange células que ocupam os espaços entre os neurônios, possuindo funções de sustentação, revestimento ou isolamento, modulação da atividade neuronal e defesa (MACHADO, 2004).

Diante do fato de que um potencial de ação é um evento do tipo tudo ou nada, além de ser também constantemente renovado, o potencial de ação que chega ao terminal axônico é idêntico ao potencial de ação original iniciado na proeminência do axônio, sendo que sua velocidade depende fundamentalmente do diâmetro do axônio e da presença de uma bainha de mielina (MACHADO, 2004).

As lesões fisiopatológicas predominantes são resultantes da infiltração multifocal da bainha de mielina por células inflamatórias mononucleares autoimunes.

A bainha de mielina compõe-se, principalmente de lípides e proteínas, assim como a própria membrana que a origina, enfatizando-se a riqueza em fosfolípides.

De acordo com UMPHRED (2004), em virtude do dano da bainha de mielina, a propagação saltatória do potencial de ação é perturbada, o que resulta em uma velocidade condutora lenta, dissincronia de condução, condução perturbada de impulsos de alta frequência ou completo bloqueio da condução. Há algumas formas variantes menos comuns como a neuropatia motora aguda e a neuropatia axonalsensorial, que possuem um prognóstico menos positivo, além da Síndrome de Miller Fisher (SMF), cujos sintomas primários são os nervo-craniais, ataxia e arreflexia. Segundo UMPHRED (2004), a remielinização começa dentro de 2 a 3 semanas após o processo de desmielinização aguda, no qual as células de Schwann se proliferam e a inflamação se resolve.

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2.5 Manifestações clínicas

Segundo O’FARRILL & HERNÁNDEZ-CÁCERES (2008), a SGB possui o espectro de manifestações clínicas muito amplo, podendo ir de um extremo ao outro, da forma clássica e comum para as formas menos comuns e ou atípicas.

Em alguns pacientes, a doença acontece através de combinações de sinais e sintomas clínicos, sendo o diagnóstico dessas formas incomuns ou variantes clínicas mais rigorosos.

O’FARRILL & HERNÁNDEZ-CÁCERES (2008) relatam que a evolução da SGB é melhor em pacientes pediátricos que, em idades avançadas, onde a gravidade pode ser maior e a recuperação incompleta.

Para PUGA TORRES et al. (2003), os sintomas iniciais consistem em um sentimento de insensibilidade nos dedos dos pés e das mãos, e às vezes dor na região lombar e pernas, seguido de fraqueza muscular, que normalmente se inicia nos membros inferiores e, em seguida, afetam outras áreas. Essa fraqueza é progressiva e pode afetar pernas, braços, músculos respiratórios e os nervos cranianos, que constitui o quadro clínico de paralisia ascendente Landry.

Em 25% dos casos, ocorre a paralisia do nervo craniano, sendo a paralisia facial bilateral a que mais se distingue, apesar da fraqueza nos músculos da deglutição, fala e mastigação também acontecer. Sinais de disfunção autonômica estão presentes em 30 a 50% dos casos e entre esses sinais estão:

Arritmia cardíaca (bradicardia, taquicardia paroxística e assistolia);

Hipotensão ortostática.;

Temporária ou permanente, a hipertensão arterial;

• Íleo paralítico e disfunção da bexiga e

• Anormalidades da sudorese.

Quanto às manifestações clínicas da fraqueza dos músculos respiratórios elas englobam taquipnéia mais de 35 minutos; redução do volume corrente em menos de 4mL/kg; movimento abdominal paradoxal (movimento para dentro durante a inspiração) e alternância respiratória (PUGA TORRES et al., 2003). De acordo com ​​ ROJAS (2018), um indicador de acometimento diafragmático é a fraqueza dos músculos elevadores dos ombros e dos flexores do pescoço.

De acordo com UMPHRED (2004), os sintomas neurológicos surgem de forma súbita e param de progredir, em média, em uma a três semanas, quando cerca de 20% dos pacientes irão precisar de ventilação mecânica, 40% estarão retidos no leito, 20% vão andar apenas com assistência, 10% poderão andar, mas não correr e 10% terão apenas sintomas leves. Em seguida, passam por uma fase de estabilização, que dura em média 10 dias, melhorando lentamente. Sintomas sensoriais como hiperestesias distais, parestesias, dormência, senso vibratório ou senso de posição são comuns, porém são progressivos ou persistentes. Estas perturbações sensoriais frequentemente possuem um padrão que vai das extremidades distais até as proximais, mais do que a distribuição dermatomal da perda. A última fase é a fase de recuperação, que dura em média um mês, podendo variar de um indivíduo para outro, dependendo da gravidade e da extensão do dano neurológico.

Segundo O’FARRILL & HERNÁNDEZ-CÁCERES (2008), mais de 50% dos pacientes se recuperam no período de 6 meses e 24% no período de 1 ano.

COSTA et al. (2004) relatam ainda sintomas adicionais os quais podem estar associados à SGB, como visão embaçada; tontura; constipação; incontinência urinária; palpitações; além de sintomas que exigem emergência como a dificuldade de deglutição, babar em excesso; dificuldade respiratória; ausência temporária de respiração e desmaio. O acometimento da deglutição ocorre em até 50% dos casos e geralmente estão associados com a presença de paresia facial e fraqueza dos músculos flexores do pescoço (ROJAS, 2018).

Na maioria dos pacientes, segundo descrito por TORRES et al. (2003), a paralisia é acompanhada de dor ou parestesia, podendo a dor ser muscular ou de origem nas raízes nervosas inflamadas, acometendo os membros inferiores, flancos e costas; o quadro de dor, inclusive, é pior no início, havendo uma melhora no período de dois meses.

UMPHRED (2004) descreve a dor como simétrica e comumente é mais relatada nos músculos volumosos, porém e menos evidenciada na parte inferior da perna e extremidades superiores. Além disso, o autor acrescenta quanto à deficiência motora, que ela pode variar de fraqueza suave da musculatura da extremidade inferior distal até paralisia total da musculatura periférica, axial, fascial e extra-ocular.

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2.6 Diagnóstico

De acordo com o exposto no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome de Guillain Barre (BRASIL, 2009), o diagnóstico da síndrome é majoritariamente clínico. No entanto, são necessários exames complementares para confirmar a impressão clínica e afastar outras causas de paraplegia flácida.

O diagnóstico clínico fundamenta-se na apresentação de, segundo BRASIL (2009:546):

“graus inequívocos de fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura craniana. Os reflexos miotáticos distais não podem estar normais. A progressão dos sinais e sintomas é de suma importância, não podendo ultrapassar 8 semanas; a recuperação ocorre em 2-4 semanas após a fase de platô.”

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Ainda, conforme descrito no Protocolo, sintomas poucos frequentes são a febre e a disfunção sensitiva, o que faz gerar a suspeita de uma etiologia alternativa, cuja causa provavelmente é infecciosa.

Segundo FARIAS et al. (2010) e UMPHRED (2004), a SGB deve ser suspeitada em todos os pacientes que apresentem fraqueza motora ou déficit sensitivo não explicado afetando os membros, além de entorpecimento e formigamento e dor na coluna. Os achados típicos no exame neurológico englobam fraqueza progressiva e ascendente e arreflexia tendinosa, sendo imprescindível a pesquisa de infecções prévias, além da coleta do líquido cefalorraquidiano, que comumente apresenta dissociação albumino-citológica, ou seja, contagem celular normal com hiperproteinorraquia. Todavia, cabe destacar que o nível de proteínas no líquor pode estar normal em até 50% dos pacientes na primeira semana da doença, não podendo excluir o diagnóstico de SGB (LEONHARD et al., 2019).

Em se tratando de pacientes com síndrome de imunodeficiência consequente ao HIV, pode haver celularidade liquórica em torno de 10 a 50 células/ml.

Em virtude da SGB ser uma doença dinâmica com progressão variável é indicado avaliar o paciente uma semana após o início da clínica, principalmente por ser neste momento que as alterações eletrofisiológicos se tornam mais evidentes. Convém enfatizar que mesmo na ausência de achados eletrofisiológicos neste período, não se pode excluir a hipótese de SGB. Contudo, a exploração eletrofisiológica é necessária a fim de que outras doenças neuromusculares causadoras de paraparesia flácida aguda possam ser excluídas (BRASIL, 2009).

Ainda conforme mencionado por BRASIL (2009:546):

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“Na neurocondução motora, os marcos eletrofisiológicos de desmielinização incluem latências distais prolongadas, dentificação de velocidade de condução, dispersão temporal, bloqueio de condução e latências da onda-F prolongadas, todos estes parâmetros geralmente simétricos e multifocais.”

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No entanto, existem controvérsias no que se refere à precocidade dos achados eletrofisiológicos, pois alguns autores propõem que a alteração mais precoce encontrada é o bloqueio de condução, enquanto outros declaram que as latências motoras distais prolongadas e o prolongamento ou ausência da onda-F e da onda-H são encontrados mais precocemente (BRASIL, 2009).

Quanto à neurocondução sensitiva, cerca de 40%-60% dos enfermos apresentarão anormalidades na velocidade de condução e na amplitude de inúmeros potenciais de neurocondução sensitiva. Conforme descrito no Protocolo referenciado anteriormente, esses achados podem não estar presentes nas primeiras semanas da doença, chegando a serem facilmente percebidas somente depois de 4-6 semanas.

FARIAS et al. (2010) e o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome de Guillain Barré (BRASIL, 2009) propõem alguns critérios para a definição do diagnóstico da SGB, sendo obrigatórias para tal as seguintes condições:

presença de 2 critérios essenciais;

presença de pelo menos 3 critérios clínicos sugestivos de SGB;

não apresentar mais de 1 situação que reduza a possibilidade de SGB;

não apresentar nenhuma situação que exclua o diagnóstico de SGB;

• caso apresente 1 achado que reduza a possibilidade de SGB, deve ter LCR e estudo neurofisiológico compatíveis com a doença e investigação adicional criteriosa, objetivando excluir outras etiologias. Para tanto, o paciente deve ser avaliado por consultor médico especializado em doenças neuromusculares.

Além das condições citadas anteriormente, existem ainda critérios fundamentais que sugerem, reduzem ou excluem o diagnóstico da SGB, além de uma escala de gravidade. Segundo BRASIL (2009:547), entre os critérios essenciais para o diagnóstico da SGB estão a "fraqueza progressiva de mais de um membro ou de músculos cranianos de graus variáveis, desde paresia leve até plegia; hiporreflexia e arreflexia distal com graus variáveis de hiporreflexia proximal”.

Quanto aos critérios sugestivos para o diagnóstico da SGB, estes incluem progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas; simetria da paresia de extremidades; sinais sensitivos leves a moderados; comprometimento de nervos cranianos, principalmente fraqueza bilateral dos músculos faciais, sendo que a paralisia facial ocorre em 50% dos casos e frequentemente são bilaterais; dor; disfunção autonômica; taquicardia; hipotensão ortotástica e sinais vasomotores; ausência de febre na fase inicial do quadro; análise do líquor com concentração elevada de proteína e presença de menos de 10 células/mm³; o estudo eletrofisiológico típico, sendo necessários três dos seguintes critérios: a redução da velocidade de condução motora em 2 ou mais nervos; o bloqueio de condução do potencial na neurocondução motora ou dispersão temporal anormal em 1 ou mais nervos; prolongamento da latência motora distal em 2 ou mais nervos; ausência ou prolongamento de latência da onda-F (BRASIL, 2009).

E por fim, entre os critérios que reduzem a possibilidade da SGB estão a fraqueza assimétrica; disfunção intestinal e de bexiga no início da clínica; ausência de resolução dos sintomas intestinais e urinários; presença de mais de 50 células/mm3 na análise do LCR; células polimorfonucleares no LCR; nível sensitivo bem demarcado. Já os critérios que excluem a possibilidade da síndrome estão a história de exposição a hexacarbono; achados sugestivos de metabolismo anormal da porfirina; história recente de difteria; suspeita clínica de intoxicação por chumbo (ou outros metais pesados); síndrome sensitiva pura; diagnóstico de botulismo, miastenia gravis, poliomielite, neuropatia tóxica, paralisia conversiva (BRASIL, 2009).

FARIAS et al., (2010) descrevem que após o advento da eletroneuromiografia tornou-se possível reconhecer e classificar quatro subtipos da SGB, sendo a variante Síndrome de Miller Fisher (SMF), um subtipo bem caracterizado clinicamente; além dela existem ainda a Polineuropatia Inflamatória Desmielinizante Aguda (PIDA), a Neuropatia Axonal Motora Aguda (NAMA) e a Neuropatia Axonal Sensitivo-Motora Aguda (NASMA).

A PIDA é a forma mais comum da SGB, com uma incidência de 85 a 90% dos casos. É considerada uma desordem autoimune desenvolvida por uma infecção prévia, geralmente por citomegalovirus e Epstein-Barr vírus. Na PIDA há prevalentemente comprometimento dos nervos cranianos, nervos sensitivos, além de comprometimento autonômico. Sua recuperação é comumente boa e a eletroneuromiografia apresenta diminuição da velocidade de condução diminuída em 2 ou mais nervos motores (FREITAS et al., 2010).

A NAMA possui incidência maior no Japão e China e geralmente envolve infecção prévia pelo Campylobacter jejuni. Seu quadro clínico é semelhante a PIDA, contudo o comprometimento de nervos cranianos, nervos sensitivos e o comprometimento autonômico são raros. A recuperação varia de lenta a rápida e a eletroneuromiografia apresenta degeneração axonal motora pura, com diminuição da amplitude dos potenciais de ação do nervo, sem desmielinização; é quase sempre associada a anticorpo anti-gangliosídeos (GM1, GM1b, GD1, Ga1NAc-GD1a).

Quanto à NASMA, ela foi descrita primeiramente como uma variante axonal da SGB, sendo indistinguível da SGB em relação a clínica e aos achados eletrofisiológicos inicias. Seu início apresenta anormalidades sensitivas subjetivas nos membros e evolução mais rápida da fraqueza generalizada e, na maioria dos casos, apresenta recuperação motora lenta e incompleta. Em adição ao padrão liquórico usual de proteína elevada sem pleocitose como presente na SGB, existe evidência de infecção recente por Campylobacter jejuni e presença também de anticorpos antigangliosídeos, principalmente anti-GM1. Apesar de não existir ensaios clínicos randomizados e controlados específicos para a NASMA e SGB, o tratamento para ambas é semelhante (BRASIL, 2009).

No que se refere à SMF, segundo BLANCO-MARCHITE et al. (2008), trata-se de uma poliradiculopatía monofásica rara, esporádica, caracterizada pela tríade clássica de ataxia, oftalmoplegia e arreflexia, tendo sido descrita pela primeira vez por Fisher, em 1956. Associa-se geralmente à infecções respiratórias ou gastrintestinais, havendo poucos ​​ casos citados na literatura sugerindo envolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC).

O quadro clínico de oftalmoparesia, ataxia e arreflexia associado à hiperproteinorraquia, viabiliza o diagnóstico da SMF. O tempo mediano até o surgimento dos sintomas neurológicos após a infecção é de 1-2 semanas. Ainda, a dosagem de anticorpos anti-GQ1b é positiva em mais de 90% dos pacientes com SMF (LEONHARD et al., 2019).

Para BLANCO-MARCHITE et al. (2008), a sintomatologia da SMF envolve disfagia, disfonia, paralisia facial, insuficiência respiratória e obstrução das vias aéreas – mais comum em pacientes mais velhos. Na presença de insuficiência respiratória deve ser descartada a SGB com oftalmoplegia, em virtude da especificidade das provas e também por ser um diagnóstico clínico particular.

Assim como nas demais variantes da SGB, há indícios sorológicos de infecção por Campylobacter jejuni e presença de anticorpos antigangliosídeos, principalmente anti-GQ1b (BRASIL, 2009).

No que se refere ao acometimento dos nervos cranianos, cabe enfatizar que as fibras dos nervos oculomotores são ricas em antígenos GQ1b, o que talvez possa justificar o acometimento destas fibras na SMF. Já no que tange ao acometimento do II nervo craniano, deve-se levar em conta algumas considerações, pois a neuropatia óptica desmielinizante associada à SMF foi raramente descrita, sendo de fundamental importância a investigação clínica objetivando ao diagnóstico diferencial com outros processos patológicos do SNC, como os processos infecciosos, granulomatosos, doenças desmielinizantes e as vasculites (CARVALHO, 2000).

Considerando que a SMF se caracteriza pelo desenvolvimento de autoimunidade contra proteínas antigênicas da mielina do nervo periférico, pode-se supor que a neurite óptica é originária do acometimento autoimune contra ​​ essas proteínas, em comum com a bainha de mielina do nervo periférico. A raridade do acometimento do nervo óptico, na maioria dos casos da SMF descritos na literatura, talvez se deva ao fato da variação na concentração de proteínas antigências presentes na bainha de mielina, provavelmente em menor quantidade neste nervo, uma vez que apresenta características anatômicas distintas do nervo periférico. Pode-se também supor que a expressividade clínica varie com relação à predisposição genética própria de cada indivíduo, o que justifica o quadro clínico distinto de um indivíduo para outro. Talvez estudos imuno-histoquímicos e de biologia molecular, especificos para o nervo óptico poderiam elucidar a questão (CARVALHO, 2000).

No caso relatado por BLANCO-MARCHITE et al. (2008), o paciente com comprometimento da motilidade ocular intrínseca - que só acontece em 37% dos casos, não possuía história prévia de infecção; apenas possuía um relatório anterior de vacina de gripe, cinco dias antes. Na literatura, contudo, não foi encontrado nenhum caso em que a SMF estivesse associada à vacinação prévia, em contraste com a SGB e, apesar da SMF ser tratada muitas vezes com imunoglobinas, sua eficácia é discutida por alguns autores.

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2.6.1 Diagnóstico diferencial

De acordo com BRASIL (2009) a SGB é uma das principais causas de polineuropatia aguda encontrada nos hospitais gerais, no entanto existem outras condições neurológicas que devem ser diferenciadas da SGB, sendo a doença medular aguda uma patologia que deve ser imediatamente diferenciada da SGB.

Contudo pode haver alguma confusão nas lesões medulares agudas que causam choque espinhal, onde os reflexos estarão abolidos inicialmente. Sendo assim, outros sinais devem ser pesquisados. Um quadro favorável à SGB pode ser pensado quando não há nível sensitivo bem definido ao exame físico neurológico e havendo comprometimento da musculatura facial e respiratória acessória e padrão parestésico em bota e luva, relatado de forma espontânea pelo paciente, com relativa preservação da sensibilidade distal. A perda de controle esfincteriano, disfunção autonômica e lombalgia ocorrem com mais frequência nas mielopatias, mas podem estar presentes em ambos os casos, além da paralisia fundamentalmente motora, característica da poliomielite ou de outras mielites infecciosas. Às vezes estão presentes também nestes casos febre, sinais meníngeos, pleocitose liquórica e distribuição assimétrica da fraqueza.

Porém, há outras causas importantes de polineuropatia aguda, as quais devem ser incluídas sempre no diagnóstico diferencial da SGB, que são as infecciosas, paraneoplásicas, autoimunes, tóxicas e metabólicas. A polineuropatia, em virtude de seu tempo de progressão motora superior a 8 semanas, deve ser diferenciada da SGB.

Enfim, existe uma variedade de distúrbios neuromusculares em pacientes criticamente doentes, os quais devem ser diferenciados da SGB. Entre eles estão a polineuropatia ou miopatia do paciente crítico, neuropatia rapidamente progressiva em pacientes com insuficiência renal em diálise peritoneal, hipofosfatemia aguda induzida por hiperalimentação, miopatia por glicocorticoide e efeitos prolongados de bloqueadores musculares; além desses distúrbios existem as causas de neuropatia periférica aguda como drogas, toxinas (álcool, metais e organofosforados), linfoma, vasculites, difteria porfiria etc.

A seguir será apresentado um caso de um paciente com o quadro de intoxicação exógena por organofosforado.

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2.6.1.1 Intoxicação por organofosforado – Relato de caso

AMD, sexo masculino, natural e residente de Brás Pires-MG, casado, 31 anos de idade, pedreiro. O paciente foi atendido na Unidade Mista de Saúde (UMS) de Brás Pires-MG, em 06/08/2009, após intoxicação exógena por organofosforado. Encontrava-se em coma, glasgow 3, sem responder a nenhum estímulo, pulso fraco, 60 bpm, dispneico, “gaspiandoe pupilas mióticas. Foi realizada lavagem gástrica com soro fisiológico e carvão ativado, acesso venoso com soro fisiológico, administrado atropina endovenosa (EV), VM por AMBU, por não haver tubo para intubação oro-traqueal (IOT), tendo sido transferido imediatamente para o centro de referência, onde foi levado urgente para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo então realizada a IOT. Permaneceu na UTI por 2 dias e posteriormente foi transferido para a enfermaria, permanecendo lá por mais 3 dias e recebendo alta hospitalar no dia 10/08/2009, apresentando-se assintomático.

Recebeu alta hospitalar, receitado Tiamina, Omeprazol e Dexametasona.

Aproximadamente quinze dias após a alta, o paciente iniciou sintomas de leve fraqueza, tremores em MMII, adinamia e inapetência.

Os reflexos patelares e aquilianos estavam com hiperreflexia. Reflexos bicipital e radial D com hiporreflexia de ambos o MMSS. Força preservada em braços e antebraços, contudo dedos e mãos sem força de ambos os MMSS. Espasticidade em abdução das coxas e perda da força muscular. Força muscular dos pés abolida.

Na primeira semana de setembro o paciente apresentava grande dificuldade para deambular, início de perda de esfíncteres, sendo levado novamente à UMS de Brás Pires-MG, permanecendo internado por 2 dias.

No dia 05/09/09 o paciente foi encaminhado para o município de Ubá-MG ​​ para hospitalização e avaliação neurológica, apresentando fraqueza nos 4 membros, incapacidade para deambular, dores intensas em MMII, insônia, dispnéia leve, sintomas de depressão, perda de força e hiporreflexia dos 4 membros, tendo-lhe sido atribuído o diagnóstico de Síndrome de Guillain-Barré.

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Líquor

No dia 07/09/2009 foi realizado exame de Líquor o qual apresentou como resultados:

- Citometria 2 cel/mm³;

- Citologia 98% mononucleados;

- ​​ 2% polimorfonucleados;

- Cloretos 124 mg/dl;

- Glicose 52 mg/dl;

- Proteínas 78 mg/dl.

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Eletroneuromiografia

Foi realizado também Eletromiografia dos 4 membros, cujo resultado foi o seguinte: atividade de inserção aumentada; atividade espontânea presente (fibrilação, onda positiva e fasciculações); morfologia dos potenciais de ação de unidade motora polifásica; recrutamento rarefeito e ausente.

Conclusão: eletroneuromiografia de membros superiores e inferiores compatível com polirradiculoneuropatia sensitivo-motora crônica.

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História pregressa:

O paciente relatou história de crises convulsivas na infância, tendo feito uso de Fenobarbital até os 10 anos de idade. Na maioridade fez uso abusivo de bebidas alcoólicas, cigarros e drogas ilícitas.

Atualmente o paciente apresenta uma grande melhora e está fazendo uso de Venlafaxina 75mg 12/12 h, Gabapentina 300mg 12/12h, Tramadol 50mg 8/8h, Nortriptilina 50mg à noite, Rivotril 2 mg à noite.

Também fez uso de Morfina e Dolantina por um curto período de tempo, em virtude da dores intensas em MMII.

Recuperou a força e os movimentos dos MMSS, apresenta reflexos normais em MMSS e reflexos aquiliano e patelar aumentados, deambula com dificuldades, faz uso de muletas.

Apresentou recuperação de esfíncteres a partir de janeiro de 2010, com notável melhora da força nos MMSS.

Realiza fisioterapia desde o dia 11/09/2009 até os dias atuais apresentando grande melhora.

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2.6.1.2 Discussão

Segundo ARAÚJO et al. (2007), as estimativas da incidência de problemas de saúde humana relacionados com a utilização de pesticidas é bem variável. Quanto aos danos ocasionados ao organismo humano, esses só foram noticiados a partir dos anos sessenta, com relatos de casos de intoxicação por organoclorados entre trabalhadores rurais. Esta classe de agentes, contudo, passou a ser proibida pela legislação de vários países e a maioria dos casos de doenças relacionadas e pesticidas engloba o uso de organoclorados e os organofosforados (OF), cuja atividade é neurotóxica.

A partir da década de 70, os OF passaram a ser mais utilizados em todo o mundo, aumentando dessa forma o relato de caso de intoxicação por OF, por efeitos tóxicos pela exposição aguda ou crônica, mesmo a baixas doses (ARAÚJO et al., 2007). De acordo com CERVANTES et al. (2019), é estimado um total de 3 milhões de pessoas expostas aos OF anualmente, sendo que destas, 1 milhão são expostas acidentalmente.

Conforme descrito por F. JÚNIOR et al. (1999), os OF inativam a acetilcolinesterase, uma proteína molecular presente nas sinapses colinérgicas. Esta enzima é responsável pela hidrólise da acetilcolina em colina e ácido acético, sendo uma molécula de acetilcolinesterase capaz de hidrolisar milhares de moléculas de acetilcolina por minuto. ​​ A acetilcolina é uma substância transmissora em várias sinapses do sistema nervoso autônomo, responsável por transmitir os impulsos nervosos numa velocidade surpreendente de 1 a 2 milisegundos. Dessa forma, a inibição sobre a acetilcolinesterase, causa a acumulação de acetilcolina nas sinapses muscarínicas e dos nicotínicas.

LIMA (2000) descreve que os a intoxicação por organofosforados acontece alguns minutos após a exposição, com o surgimento quase que imediato de náuseas, vômitos, cólicas estomacais, diarréia, cefaléia, visão borrada, dor torácica, confusão mental e convulsões; tais manifestações ocorrem por uma inibição da colinesterase.

Os OF apresentam propriedades lipofílicas, característica que permite seu acúmulo em tecidos ricos em lipídeos, como o cérebro, podendo causar déficit de transporte axonal, neuroinflamação e autoimunidade (ELIAS; SIEGLOCH; AGOSTINETTO, 2022).

No estudo realizado por ARAÚJO et al. (2007), 72,5% dos agricultores participantes do estudo, relataram queixa em menor grau de incontinência urinária, entre outras, assim como em nossa casuística. Em conformidade, F. JÚNIOR et al. (1999) citam como sintomatologia a incontinência urinária, fasciculações, olhos mióticos, dispneia entre outros, o que corrobora com o descrito no caso clínico apresentado.

No que diz respeito ao diagnóstico, ele é baseado na evidência clínica (paciente com hipersecreções brônquicas e salivares, bradicardia, miose, fasciculações, com ou sem convulsões, com odor característico) e na redução da atividade da colinesterase no plasma e nos eritrócitos abaixo de 50% do normal, podendo em alguns casos atingir os 0%. Os sintomas surgem quando 70% da acetilcolinesterase foi inibida (F. JÚNIOR et al., 1999). Segundo CERVANTES (2019) a dosagem seriada dos níveis de colinesterase nos eritrócitos ajuda a determinar a eficácia da terapia na regeneração enzimática.

Baseado na avaliação neurológica do paciente do caso descrito, na qual evidenciou-se fraqueza nos 4 membros, incapacidade de deambular, perda de força e hiperreflexia do 4 membros, foi-lhe atribuído o diagnóstico inicial de SGB.

A abordagem terapêutica em paciente em coma inclui intubação oro-traqueal (IOT), aspiração de secreções e ventilação assistida, além de lavagem gástrica após IOT, administrando carvão ativado e purgante salino e lavagem corporal.

No paciente da casuística apresentada foram tomadas todas as providências acima descritas, com exceção da IOT, que não havia na unidade de saúde, porém tão logo o paciente fora transferido para um centro de referência foi realizada a IOT.

O uso da atropina é fundamental antes de iniciar a terapêutica, pois a atropina pode, em presença de hipoxemia, induzir arritmias ventriculares graves; ela tem o poder de neutralizar a acetilcolina, porém não exerce ação sobre a lesão bioquímica (inibição das colinesterases), bem como não possui qualquer efeito sobe a sintomatologia nicotínica; é eficaz também sobre os efeitos muscarínicos, corrigindo o estado de hipersecreção brônquica e salivar, a broncoconstrição e a miose, atuando igualmente a nível do SNC. No caso de pacientes graves, recomenda-se a administração bólus de 2 a 4mg de atropina por via EV, que poderá ser repetida cada 5 min até à atropinização do paciente (F. JÚNIOR et al., 1999).

Na casuística relatada foi administrada a atropina via EV, conforme referenciado pelos autores acima.

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2.7 Tratamento

BRASIL (2009:550) refere que há duas linhas de tratamento para a SGB, sendo elas a “antecipação e manejo das comorbidades associadas; tratamento da progressão dos sinais e sintomas visando menor tempo de recuperação e minimização do déficit motor”. Pacientes com SGB precisam ser inicialmente admitidos no hospital para observação rigorosa, sendo que resultados mais positivos são obtidos se os pacientes forem admitidos em UTI, além do acompanhamento por uma equipe de profissionais preparados para lidarem com as necessidades especiais desses pacientes. Entre as áreas de maior atenção está a prevenção para fenômenos tromboembólicos, monitorização cardíaca, avaliação de reserva ventilatória e proteção de vias aéreas, manejo da função intestinal e analgesia otimizada, além de fornecimento de acompanhamento nutricional e psicológico. Deve-se também iniciar a fisioterapia motora para auxiliar na mobilização de forma precoce desse paciente (BRASIL, 2009).

O tratamento específico da SGB objetiva principalmente agilizar a recuperação dos enfermos, além de minimizar as complicações relacionadas à doença aguda e as sequelas neurológicos residuais. Para a indicação adequada do tratamento é necessário determinar a gravidade do acometimento clínico proposto por HUGHES e cols., sendo considerada doença leve de 0 a 2 e moderada a grave de 3 a 6, conforme descrito a seguir:

0 - Saudável

1 - Sinais e sintomas menores de neuropatia, com capacidade para realização de tarefas manuais

2 - Caminha sem auxílio da bengala, mas incapaz de realizar tarefas manuais

3 - Caminha somente com bengala ou suporte

4 - Acamado ou confinado ao uso de cadeira de rodas

5 - Necessita de ventilação assistida

6 - Morte

Para TORRES et al. (2003) o manejo da função respiratória deve englobar a permeabilidade das vias aéreas e a capacidade do paciente em tossir e expectorar, sendo que a monitoração respiratória deve ser clínica, laboratorial e espirométrica. Segundo os autores a insuficiência respiratória é possível mais em pacientes com fraqueza de membros superiores (MMSS), principalmente aqueles com acometimento Bulbar. Sendo assim, esses pacientes devem ser monitorizados, avaliando-se a sua capacidade vital e no caso de redução desta pela metade, a intubação e a ventilação mecânica (VM) devem ser consideradas. No entanto, a VM possui critérios para ser iniciada, sendo a capacidade vital menor que 15 ml / Kg, paralisia Bulbar, hipoxemia e ou hipercapnia, pressão inspiratória máxima menor de 20cm de água e na gasometria arterial, podendo ainda ser evidenciada a retração de CO2 secundária à hipoventilação, apesar da a alteração não ser precoce (TORRES et al., 2003).

A monitoração eletrocardiográfica também é recomendada, contudo deve-se ter muito cuidado com o uso de drogas vasoativas e sedantes, pois a disartonia pode exagerar a resposta hipotensiva de tais drogas.

Pode acontecer ainda a retenção urinária, sendo para isso necessária a introdução de sonda vesical, objetivando a minimização do comprometimento do trato gênito-urinário (TORRES et al., 2003). Além disso, podem ser utilizados analgésicos comuns, em caso de dor; entretanto, alguns pacientes podem necessitar de corticosteróides.

No que se refere ao tratamento medicamentoso, vários estudos têm focalizado o valor da troca do plasma - Plasmaférese, como um moderador da gravidade da doença, evidenciando que a mesma diante da retransfusão dos elementos formados para o sangue, reduzem o tempo do paciente sob a necessidade de VM. A técnica fundamenta-se na retirada seletiva do plasma da circulação e assim, retira ou dilui os fatores relacionados à patogenia da SGB. Sua eficácia é mais prevalente nas primeiras semanas de doença e possui a desvantagem do custo ser elevado, além da baixa disponibilidade e a promoção dos efeitos colaterais como a instabilidade hemodinâmica (UMPHRED, 2004).

PLÁTON et al. (2003) relatam que a plasmaférese deve ser realizada de 250cc por kg de peso, em dias alternados, em um período de sete a dez dias, inclusive o tratamento iniciado nas duas primeiras semanas de instalação da síndrome, tem apresentado resultado positivo no sentido de um adequado grau funcional e também na precaução de recaídas. Contudo, há certas limitações e complicações como hipotensão, infecção da linha venosa e em menor prevalência hemólise e embolismo aéreo.

Conforme descrito no Protocolo e Diretrizes Terapêuticas (BRASIL, 2009), a plasmaférese se mostrou benéfica em pacientes com SGB com doença clinicamente moderada a grave (3 a 6 pela pontuação proposta por Hughes e cols.), principalmente se realizada nos primeiros 7 dias do início dos sintomas, em quatro ensaios clínicos randomizados comparando com o tratamento de suporte. O principal desfecho avaliado foi a recuperação da capacidade de caminhar após 4 semanas, com ou sem ajuda. A combinação de achados de todos estes estudos (604 pacientes no total), indicou que a plasmaférese diminui o tempo de VM, risco de infecções graves, instabilidade cardiovascular e arritmias cardíacas em relação a tratamento de suporte.

Para os casos leves, o esquema prevê 2 sessões; para os casos moderados-graves preconiza-se a remoção de 200-250 ml/kg de plasma a cada 48 horas (BRASIL, 2009).

O tratamento com a imunoglobina humana intravenosa (IGIV) tem sido a principal escolha na maioria dos países, apesar de seu mecanismo de ação ser pouco compreendido. Os resultados alcançados são similares aos da plasmaférese, porém possui um melhor grau funcional em um menor espaço de tempo, além de menores efeitos adversos e limitações (BENETI & SILVA, 2006).

Nos casos de SGB de grau leve (0-2) e após a quarta semana de doença, não há evidência de que a IGIV seja benéfica, bem como não há evidência de benefício na associação de plasmaférese e IGIV, fato este corroborado por 2 outras revisões. Por fim, pacientes com critérios diagnósticos de AGB classificados em grau moderado-grave em um período de 2-3 semanas do início dos sintomas têm a recomendação do uso de IGIV, sendo sua eficácia na administração dependente da disponibilidade do fármaco e da experiência do hospital (BRASIL, 2009).

No que tange à intervenção fisioterapêutica da SGB, ela objetiva acelerar o processo de recuperação, maximizando as funções, com o intuito de reduzir complicações de déficits neurológicos residuais. Sendo assim, a reabilitação fisioterapêutica tem como objetivo primordial restabelecer a força muscular, necessária ao retorno de suas atividades. Esse trabalho tem início a partir dos primeiros sinais esboçados de contração voluntária, resultantes do processo de remielinização das fibras musculares. Desta forma, os exercícios devem ser iniciados com cargas leves, a fim de prevenir lesões por sobrecarga dos músculos em processo de remielinização (FONTES et al. 2007).

Para COSTA et al. (2004), os aspectos mais importantes da conduta fisioterapêutica são a prevenção de contraturas, controle da dor e cuidados respiratórios. E geralmente a fisioterapia é direcionada para o alongamento e para o alcance dos movimentos durante a fase aguda da doença.

Quanto à fase de reabilitação, a fisioterapia destina-se ao fortalecimento e funcionalidade dos movimentos. Quando recomeçam a surgir os movimentos voluntários, os exercícios devem ser leves, a fim de prevenirem as lesões por sobrecarga dos músculos parcialmente desnervados. No caso de paciente ventilado, o papel do fisioterapeuta é ajudar a prevenir a atelectasia quando a respiração está comprometida, tornando-se primordial monitorar os pacientes vulneráveis (FARIAS et al., 2007).

Além dos objetivos já citados, a fisioterapia auxilia também na prevenção de atelectasias, escaras de decúbito e retração muscular; entretanto no tratamento da SGB torna-se fundamental a intervenção de equipe multidisciplinar como a avaliação fonoaudiológica que colabora para o diagnóstico de distúrbios da deglutição. Deve ser dada atenção especial também à hidratação adequada e à nutrição (FONSECA, 2002).

Em determinadas situações, os terapeutas realizam ainda procedimentos de testes manuais dos músculos (TMM), testando os grupos de músculos funcionais (UMPHRED, 2004).

No que se refere aos exercícios, a literatura tem mostrado que o alongamento contínuo suave mantido por no mínimo 20 minutos, traz mais benefícios do que os exercícios mais fortes de alongamento rápido (UMPHRED, 2004).

A fim de que o programa de amplitude de movimento (ADM) seja efetivo, deve-se incluir tanto movimentos acessórios quanto fisiológicos para aumentar a circulação, proporcionando assim lubrificação para as articulações, mantendo a extensibilidade do tecido capsular, muscular e do tendão (UMPHRED, 2004).

Apesar da boa recuperação da paralisia, o curso e a média de recuperação podem variar entre os pacientes, de forma significativa. Segundo UMPHRED (2004) o principal objetivo da administração terapêutica, deve ser manter o sistema músculo-esquelético do paciente em ótimo estado, além de evitar sobrecarga e contribuir com o processo de recuperação, para obter a função máxima conforme a reinervação ocorre.

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2.8 Recuperação e prognóstico

De acordo com OFARRILL & hernández-cáceres (2008), a SGB evoluciona em três fases denominadas progressão, estabilização e regressão, que somente se completa de três a seis meses.

Os sintomas comumente são mais graves em aproximadamente 1 semana no início, porém podem evoluir por 3 semanas ou mais. A morte é rara, podendo ocorrer após pneumonia por aspiração, embolia pulmonar, infecção intercorrente ou disfunção autonômica. O índice de recuperação varia, sendo rápida em alguns casos com restauração da função normal em algumas semanas e, em outros casos é lenta (FONSECA, 2002; ROWLAND, 2002).

Para CAMPELLONE (2004) aproximadamente 95% dos casos apresentam recuperação completa, apesar de alguns pacientes persistirem com uma fraqueza muscular moderada. O autor refere também que se a remissão dos sintomas iniciar dentro de três meses da ocorrência da síndrome, a recuperação apresentará resultados mais favoráveis.

De acordo com FONSECA et al. (2004), a evolução da síndrome depende da natureza do processo patológico (axonal ou desmielinizante), apesar de ser comumente favorável. O início da recuperação tende a ocorrer entre a segunda e quarta semana do início da patologia. Para os autores, a incapacidade residual grave permanece em 10% dos pacientes; após dois anos de evolução da doença, pouca ou nenhuma recuperação é observada; 2,5% dos pacientes vão a óbito, sendo a disautonomia ou falência orgânica as principais causas de morte nas fases iniciais da doença, já as complicações relacionadas com a imobilização prolongada e infecções bacterianas as causas mais tardias.

A recuperação é acelerada pela instituição imediata da PF ou da IGIV promovem efeito imunorregulador temporário. No caso de pacientes não tratados, cerca de 35% deles apresentam uma permanente hiporreflexia residual, atrofia e fraqueza dos músculos distais ou paresia facial, sendo que uma doença bifásica, com recuperação parcial seguida de recidiva, encontra-se presente em menos de 10% dos pacientes (FONSECA, 2002; ROWLAND, 2002). Segundo MORALES (2019), o arrastar dos pés, fadiga e dor de extremidades são os déficits mais comuns resultantes da patologia.

Segundo TORRES et al. (2003) existem fatores associados ao mau prognóstico da SGB, sendo eles a idade acima de 60 anos, progressão acelerada da enfermidade, extensão e severidade do dano axonal, enfermidade cardiorrespiratória persistente, tratamento tardio, além do antecedente de doença diarreica por Campylobacter jejuni, bem como a presença de anticorpos anti-gangliosídeos, a doença clinicamente severa e a ausência de tratamento imunomodulador adequado.

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3. Metodologia

Nosso ponto de partida foi a pesquisa bibliográfica, que é aquela que se efetiva tentando-se resolver um problema ou adquirir conhecimentos a partir do emprego predominante de informações provenientes do material gráfico, sonoro ou informatizado. Rampazzo apud Santos & Dias (2005), define pesquisa bibliográfica como um exame da literatura corrente ou retrospectiva com a finalidade de conhecer contribuições científicas que se efetuaram sobre o assunto assumido como tema de pesquisa pelo investigador.

A pesquisa bibliográfica é capaz de atender aos objetivos tanto do aluno, em sua formação acadêmica, quanto de outros pesquisadores, na construção de trabalhos inéditos que objetivem rever, reanalisar, interpretar e criticar considerações teóricas ou paradigmas ou ainda criar novas proposições na tentativa de explicar a compreensão de fenômenos relativos às mais diversas áreas do conhecimento.

Na realização de uma pesquisa bibliográfica, de acordo com Lakatos & Marconi (1999) deve-se seguir uma sequência de procedimentos, os quais contribuirão para uma correta organização. Sendo assim, os autores estabelecem as seguintes fases de uma pesquisa bibliográfica:

A primeira etapa destina-se a escolha do tema, visando encontrar um problema, investigá-lo, formulá-lo e dar-lhe delimitações. Segundo Lakatos & Marconi (1999), o tema é um assunto que se deseja provar ou resolver; é uma dificuldade, ainda sem solução; é determinar com precisão, para tentar, em seguida, seu exame, avaliação, crítica e solução.

Na segunda etapa delimita-se o período, área temática e idioma - além da temática deve-se delimitar o período da pesquisa, os idiomas dos artigos, e se necessário as áreas geográficas de interesse;

Na terceira etapa elabora-se um plano do trabalho - nessa fase sequenciamos os passos do desenvolvimento da pesquisa, formulando, por exemplo, em capítulos. De acordo com Lakatos & Marconi (1999:46) na elaboração do plano de trabalho deve-se observar a estrutura de todo um trabalho científico, desde a introdução, passando pelo desenvolvimento até chegar à conclusão.

A quarta etapa é a identificação das fontes disponíveis, ou seja, a escolha das fontes mais adequadas à pesquisa. De posse deste material faz-se o levantamento através do índice ou dos resumos dos assuntos relevantes para o estudo. Em seguida, procura-se na bibliografia que se encontra no final de cada obra.

A quinta etapa é a execução, levantamento do tema que está sendo estudado, bem como as questões relacionadas. Buscam-se as obras, que são os livros e os periódicos com os artigos publicados sobre o tema, publicações impressas e fontes eletrônicas.

Em seguida é feita a leitura das fichas, o compilamento - a reunião de todo o material selecionado e por fim, o fichamento.

A análise e interpretação dos textos são realizadas através da leitura de toda documentação, completando a pesquisa bibliográfica. Realiza-se então a crítica do material bibliográfico reunido, sendo descartados os materiais não relevantes.

Para a seleção do material, foram utilizados os seguintes descritores Síndrome de Guillain-Barré; neuropatia Síndrome de Miller Fisher; diagnóstico diferencial; intoxicação por organofosforados.

Na elaboração deste estudo foi respeitado o rigor científico em todas as fases da investigação. Houve uma grande preocupação de respeitar os direitos autorais, já que a fonte primária é composta de referências bibliográficas. ​​ Santos & Dias (2005) complementam que o trabalho só estará concluído com a divulgação dos resultados, pois se estes não forem divulgados, o estudo será pouco utilizado.

O estudo pode ser considerado descritivo, com uma abordagem qualitativa. De acordo com Tobar & Yalour (2001) pesquisa do tipo descritiva é aquela em que se expõem características de determinada população ou determinado fenômeno, podendo também estabelecer correlações entre variáveis e não tem o compromisso de explicar os fenômenos que descreve.

A abordagem qualitativa, de acordo com Minayo (2000:57):

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“a abordagem qualitativa trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos ​​ à operacionalização.”

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Diante do exposto, pode-se afirmar que a metodologia ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas. Dizia Lënin (1965:148) apud Minayo (2000), que “o método é a alma da teoria, além de distinguir a forma exterior com que muitas vezes é abordado tal tema (como técnicas e instrumentos), do sentido generoso de pensar a metodologia como a articulação entre conteúdos, pensamentos e existência.

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4. Considerações finais

Diante do exposto nesta revisão, pode-se afirmar que a SGB é uma patologia autoimune, caracterizada como uma polirradiculoneurite inflamatória aguda, de rápida progressão, com perda de mielina dos nervos periféricos e apresenta como principal complicação a fraqueza muscular de característica ascendente, cuja causa não é ainda totalmente conhecida; no entanto há fortes indícios da correlação com a existência de um processo infeccioso prévio, de ordem viral ou bacteriana, sendo a infecção por C. jejuni uma das hipóteses mais aceita atualmente.

É uma patologia bastante preocupante, uma vez que tal ascendência tende a comprometer a musculatura respiratória, dificultando assim o processo de recuperação total sem complicações associadas ao quadro.

Trata-se de uma patologia rara que por muito tempo acreditou-se ser puramente desmielinizante, porém atualmente são reconhecidas formas axonais da enfermidade, responsáveis por uma gama de complicações fisiológicas e funções autônomas.

A SGB apresenta quatro subtipos, a polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda, a neuropatia axonal motora aguda, a neuropatia axonal sensitivo-motora aguda e a SMF, uma variante caracterizada pela tríade arreflexia, ataxia e oftalmoplegia, associada à anticorpos anti-gangliosídeo GQ1B e que apresenta fraqueza apendicular poximal, podendo progredir para fraqueza generalizada mais grave, de forma semelhante à SGB. Apesar da SMF ser autolimitada, alguns pacientes podem evoluir para insuficiência respiratória e por este motivo, torna-se prudente trata-los com plasmaférese ou imunoglobulina, desde que sejam respeitados os devidos critérios de inclusão.

A SGB independe de fatores como idade, sexo, classe social e hábitos de vida, entretanto alguns estudos apresentam acometimento maior em homens, adultos jovens e também população geriátrica.

Seu diagnóstico deve ser rápido, em virtude de sua rápida evolução, devendo o mesmo fundamentar-se em achados clínicos e laboratoriais, seguindo determinados critérios, como os expostos no item 2.6 deste estudo. A coleta do LCR é fundamental para o diagnóstico da SGB, bem como a análise eletrofisiológica.

Quanto ao diagnóstico diferencial, a paralisia neuromuscular aguda inclui desordem do SNC, distúrbio da função neuromuscular e outras causas de neuropatia periférica aguda, ocasionada por drogas, toxinas (álcool, metais, organofosforados etc.).

A casuística descrita neste estudo sobre o paciente com intoxicação exógena por organofosforados, nos leva a crer que mesmo diante do progresso da terapêutica das intoxicações por OF nos últimos anos, a esperança de vida dos intoxicados permanece dependente de medidas legislativas eficazes que viabilizem uma vigilância mais rigorosa sob esses produtos, bem como a conscientização das pessoas que os utilizam, no que diz respeito aos primeiros socorros e também sobre o transporte urgente das pessoas intoxicadas para uma unidade de saúde.

Entre as modalidades de tratamento mais efetivas estão a plasmaférese e a infusão endovenosa de imunoglobulina em altas doses, ambas com eficácia semelhante, porém a imunoglobulinoterapia possui menor índice de complicações. Além disso, a intervenção de uma equipe multidisciplinar capacitada para reabilitação do paciente também é de fundamental importância, sendo que uma avaliação terapêutica motora abrangente se faz necessária a fim de certificar-se do grau de força muscular e ADM antes do início do tratamento; durante e após a reabilitação, a intervenção motora efetiva diminui as complicações respiratórias, cardíacas e vasculares. E mesmo diante da gravidade do quadro, a SGB apresenta um bom prognóstico, com a maioria dos casos se recuperando por completo e somente um pequeno número evolui para o óbito.

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5.Declaração de direitos

 O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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6. Referências

  • AGUIRRE, A.; GARCÍA, S.; LORO, G. M.; PASCUAL, E. S.; ARMAS, F.; RAMOS, H. Pérdida de fuerza em extremidades inferiores: presentación del síndrome de Guillain-Barré. Revista De La SEMG, n.56, p.491-492, 2003.