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Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL
Benefícios do uso do ácido tranexâmico na hemorragia subaracnóidea aneurismática: revisão integrativa
Bruna de Sousa Frazão de Almeida1; Daniel Souza Lima2
Como Citar:
ALMEIDA, Bruna de Sousa Frazão de; LIMA, Daniel Souza. Benefícios do uso do ácido tranexâmico na hemorragia subaracnóidea aneurismática: revisão integrativa. Revista Sociedade Científica, vol.7, n.1, p.1420-1446, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202438217
Área do conhecimento: Ciências da Saúde.
Sub-área: Medicina
Palavras-chaves: Ácido Tranexâmico; Antifibrinolíticos; Hemorragia Subaracnóidea; Aneurisma Cerebral.
Publicado: 19 de março de 2024
Resumo
A hemorragia subaracnóidea (HSA), categorizada como acidente vascular encefálico hemorrágico (AVEh), é considerada uma emergência neurológica devido ao seu potencial de morbimortalidade, já que constitui aproximadamente 3% dos eventos encefálicos hemorrágicos e tem como principal etiologia a ruptura aneurismática. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura acerca do uso do ácido tranexâmico no contexto da hemorragia subaracnóidea. Para tanto, a busca dos artigos científicos utilizou-se das seguintes bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrievel Sistem Online), via Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. O total foi 156 artigos científicos que correspondiam ao tema. Todavia, 7 foram duplicados. Para a fase de triagem, 144 (92%) trabalhos apresentavam aspectos gerais à temática e, portanto, aplicou-se o filtro de pesquisa com os critérios de inclusão desta revisão. Assim, reduzida para quantia de 38 (24,3%) artigos potencialmente elegíveis. Após leitura de título e resumo, 8 artigos foram selecionados para revisão completa e 1 trabalho foi excluído, resultando na amostra final desta revisão em 7 (4,4%) artigos. Percebe-se a heterogeneidade de resultados em relação a mortalidade e prognóstico neurológico ao longo de 6 meses, contudo, a taxa de ressangramento foi notadamente menor nos pacientes que utilizaram o ácido tranexâmico, principalmente quando o uso foi realizado em tempo menor a 72 horas.
Benefits of using tranexamic acid in aneurysmatic subarachnoid hemorrhage: integrative
Abstract
Subarachnoid hemorrhage (SAH), categorized as a hemorrhagic stroke (hCVA), is considered a neurological emergency due to its potential for morbidity and mortality, as it constitutes approximately 3% of hemorrhagic brain events and its main etiology is aneurysmal rupture. This is an integrative review of the literature on the use of tranexamic acid in the context of subarachnoid hemorrhage. The research for scientific articles used the following databases: LILACS (Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences) and MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrievel Sistem Online), via the Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). The total was 156 scientific articles that corresponded to the topic, so far, 7 have been duplicated. For the screening phase, 144 (92%) works presented general aspects to the theme and, therefore, the search filter was applied with the inclusion criteria of this review, thus reducing the number to 38 (24.3%) articles potentially eligible. After reading the title and abstract, 8 articles were selected for full review and 1 work was excluded, resulting in the final sample of this review in 7 (4.4%) articles. The heterogeneity of results in relation to mortality and neurological prognosis over 6 months is noticeable, however, the rebleeding rate was notably lower in patients who used tranexamic acid, especially when the use was carried out before 72 hours.
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1. Introdução
O acidente vascular encefálico constitui a quinta maior causa de morte nos Estados Unidos, acarretando, também, sequelas que necessitarão de cuidados duradouros. Dados indicam,10% dos pacientes que sobrevivem ao evento recuperarão integralmente a sua funcionalidade1.
A hemorragia subaracnóidea (HSA), categorizada como acidente vascular encefálico hemorrágico (AVEh), é considerada uma emergência neurológica devido ao seu potencial de morbimortalidade, já que constitui aproximadamente 3% dos eventos encefálicos hemorrágicos e tem como principal etiologia a ruptura aneurismática1.
A incidência de HSA é estimada em 2 a 16 casos por 100.000 pessoas anualmente e é prevalente na população com idade média de 50 anos, sendo 1,6 vezes maior no sexo feminino. Em países como a Finlândia e o Japão, o número de casos por ano é em torno de 15 a 17 por 100.000/ano e de 22,7 por 100.000/ano, respectivamente2,3. Metade dos pacientes falecem após a ruptura do aneurisma cerebral e a taxa de mortalidade em 30 dias é de aproximadamente 45%2.
A presença de aneurisma cerebral na população geral é estimada em 2% e algumas comorbidades contribuem ao desenvolvimento do quadro de HSA. Algumas condições genéticas também foram descritas como variáveis de importância à formação de aneurisma, tais como, doença do rim policístico autossômica dominante, coarctação da aorta, displasia fibromuscular, pseudoxantoma elástico e distúrbios do colágeno (síndrome de Marfan e síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV)1,4.
Os principais fatores de risco são4:
• Tabagismo: aumenta 2 a 7 vezes o risco;
• Déficit de estrógenos: mulheres com idade entre 54 a 61 anos apresentam maior risco;
• Hipertensão arterial sistêmica: aumenta 2,5 vezes o risco;
• Etilismo: aumenta 2,1 vezes o risco;
• História familiar: parentesco de 1º grau com antecedentes de aneurisma cerebral;
• Uso de drogas simpaticomiméticas.
Ishibashi e colaboradores5 publicaram sobre o risco de ruptura de aneurismas cerebrais de acordo com seu tamanho. Dilatações menores que 5 mm apresentaram uma taxa anual de ruptura em 0,8%, dilatações de 10 mm até 24,9 mm obtiveram taxa de 7,1% e aneurismas maiores que 25 mm arrolam risco ruptura anual de 43,1%. Ademais, pacientes com aneurismas em circulação posterior demonstraram maior incidência de ruptura, e por conseguinte, a hemorragia subaracnóidea5.
Várias estruturas albergam e arrefecem o impacto ao encéfalo, a citar principalmente, estruturas ósseas, membranas e a circulação do líquido cefalorraquidiano (LCR). Dentre as camadas de proteção, de forma dedutiva, apresenta-se a gálea aponeurótica, que é definida como tecido conectivo espesso que fornece sustentabilidade ao couro cabeludo e justa à essa estrutura, encontra-se o periósteo. O crânio, por sua vez, através das lâminas externa e interna, fornecem maior proteção ao impacto, e em contrapartida, não auxiliam em mecanismos de autorregulação pressórico que podem culminar em hipertensão intracraniana6.
Três membranas recobrem o encéfalo: dura-máter, aracnoide-máter e pia-máter. A dura-máter é a camada mais superficial e tem contato estreito com a lâmina interna óssea, desta forma, há um espaço virtual denominado epidural que, por ruptura das artérias meníngeas médias, dá-se lugar ao hematoma epidural. Logo abaixo, encontra-se o espaço subdural, que separa a dura-máter da aracnoide. Este sítio forma o denominado hematoma subdural quando há rotura das veias ponte. E, situado inferiormente à aracnoide, o espaço subaracnóideo é conhecido por seu aspecto rendilhado ou em “teia de aranha” devido a vários componentes vasculares e conectivos que auxiliam à circulação do LCR através da formação das cisternas e condutos. As principais cisternas são chamadas de basal e magna. A cisterna basal se estende desde a base do encéfalo até a porção inferior do tronco encefálico, ainda se subdivide em três outras cisternas: quiasmática, interpeduncular e pontina. A cisterna magna ou cerebelomedular recebe o LCR do IV ventrículo. A membrana aracnoide-máter apresenta projeções a nível do seio sagital superior conhecidas como granulações aracnoides ou de Pacchioni que tem conformação similar ao “couve-flor” e se insinuam através da dura-máter com função de secretar pequenas quantidades de LCR. E, por último, a túnica que envolve e tem contato estreito com a massa encefálica é a pia-máter7. O conhecimento anatômico desses tecidos e seus respectivos espaços são necessários para a compreensão desta revisão integrativa.
O principal componente de arrefecimento cerebral é a presença do líquido cefalorraquidiano, um ultrafiltrado produzido e secretado pelos plexos coroides para o sistema ventricular. Além da proteção mecânica ao sistema nervoso central (SNC), tem também a capacidade de defesa contra patógenos, remoção de detritos e circulação de nutrientes9. Devido a sua composição ser escassa em células, possui o aspecto límpido, incolor e assemelha-se a “água de rocha”. A renovação do LCR é de pelo menos quatro vezes ao dia.
Após ser produzido e excretado, principalmente nos ventrículos laterais, o LCR segue através dos forames interventriculares ao terceiro ventrículo até alcançar o aqueduto cerebral que conecta ao IV ventrículo, a partir de então passa ao espaço subaracnóideo por meio da cisterna magna (através dos forames de Luschka e Magendie), e uma vez neste espaço, o LCR se acumula nas granulações aracnoides para assim desaguar no seio sagital superior7. Condições mecânicas que, porventura, obstruam o fluxo comum do sistema de drenagem ocasionará hidrocefalia, que faz parte das complicações da HSA aneurismática.
O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é fornecido por quatro grandes artérias (carótidas e vertebrais) que a nível da base do encéfalo, confluem à formação do polígono de Willis. Para tanto, a demanda metabólica do sistema nervoso consome 14% do gasto cardíaco, com fluxo contínuo de aproximadamente 700 mL por minuto. O conteúdo sanguíneo é distribuído em 15% arterial, 40% venoso e a maior parte se concentra na microcirculação, em torno de 45%. A homeostase desse sistema depende diretamente da pressão de perfusão cerebral (PPC) e mecanismos autorregulatórios adequados10.
A pressão de perfusão cerebral é definida como a quantidade de pressão necessária para levar o sangue ao sistema nervoso central, dessa forma, mantém níveis adequados de oxigênio e glicose. A PPC é o resultado da pressão arterial média (PAM) menos a pressão intracraniana (PIC). Modificações nesses dois componentes afetarão o fluxo sanguíneo cerebral. Considera-se valores normais e esperados de PPC em torno de 70 a 80 mmHg6,10.
A regulação do FSC é dependente de quatro fatores importantes: concentração de dióxido de carbono, íons de hidrogênio, oxigênio e substâncias liberadas por astrócitos. Acredita-se que ao combinar o dióxido de carbono com água (formando o ácido carbônico) há liberação de hidrogênio que, em meio intravascular, levará a vasodilatação. Quando a concentração parcial de dióxido de carbono (PaCO2) é de 70 mmHg, o fluxo sanguíneo é duplicado. Outros produtos do metabolismo tissular, tais como o ácido láctico, também podem influenciar nessa dinâmica vascular10.
O aneurisma cerebral do tipo sacular (berry aneurysms) é a morfologia mais frequente e tem predomínio na circulação cerebral anterior, principalmente em regiões de bifurcação. A etiopatogenia ainda é desconhecida, todavia, fatores genéticos e de risco já mencionados, contribuem à formação11.
A morfologia do aneurisma sacular é caracterizada por uma evaginação do vaso com parede fina e translúcida. Ainda assim, é possível observar em sua luz ou aderido à parede, placas ateroscleróticas, calcificações ou até oclusão trombótica. As principais referências anatômicas do aneurisma tipo berry é o ápice, ponto mais frágil e propenso a rotura, e o colo. A parede do vaso adjacente ao colo apresenta a camada íntima maior e mais espessa, enquanto a túnica média é delgada. Ao nível do colo, tanto a camada muscular e a lâmina elástica da túnica íntima são descontinuadas, assim denotando componente mais laxo e propenso a dilatações. O saco, propriamente dito, é apenas conformado por uma íntima hialinizada, ausência da túnica média ou atenuação e a adventícia que recobre a estrutura, é própria do vaso original. Localizadas em sítios da artéria carótida interna (34%), artéria cerebral anterior com a comunicante (34 a 40%) e, em menor proporção, na região da circulação posterior, metade são situadas na artéria basilar (4%)12,13.
A apresentação cardinal da HSA é a cefaleia de início súbito e de forte intensidade, está presente em 80 a 97% dos pacientes e poderá associar-se a outros sintomas, tais como, vômitos, cervicalgia, fotofobia e síncope. É também descrito na literatura como causa de morte súbita em 10 a 15% dos casos1,4.
A escala de Hunt e Hess nos auxilia a estratificar o risco do paciente quanto à sua evolução e prognóstico. Graduações até 2 tendem a apresentar bom prognóstico, grau 4 ou 5 são associados a piores desfechos clínicos1,14.
Quadro 1 – Escala de Hunt e Hess.
Grau | Condição |
0 | Aneurisma não roto |
1 | Assintomático ou com cefaleia mínima e leve rigidez de nuca |
2 | Cefaleia moderada a forte, rigidez de nuca, ausência de outro déficit neurológico que não paralisia de nervos cranianos |
3 | Sonolência, confusão mental ou déficit focal leve |
4 | Torpor, hemiparesia moderada a grave |
5 | Coma profundo, postura descerebrada, aparência moribunda |
Fonte: Adaptado de Hunt e Hess, 1968.
O paciente avaliado na sala de emergência com história clínica sugestiva de evento hemorrágico, após estabilizado, deve prosseguir para investigação radiológica. Os exames de tomografia de crânio sem contraste são sensíveis para afirmar a presunção diagnóstica, delimitar e graduar lesões (a exemplo, Escala de Fisher). Por se tratar de um fenômeno onde existe desbalanço em aporte sanguíneo em um ou mais territórios cerebrais, a meta pressórica sistólica deve ser < 160 mmHg ou PAM < 110 mmHg, dessa forma, evita maior perda e também permite PPC necessária para evitar isquemia cerebral. Além do controle hemodinâmico, é fundamental controle glicêmico estrito, evitar hipertermias e manter cabeceira elevada a 30º para melhorar a drenagem venosa1,4.
O tratamento neurocirúrgico é o padrão-ouro para a correção do aneurisma, seja por clipagem ou intervenção endovascular (coil). Todavia, o difícil acesso do paciente ao serviço de referência e período prolongado de quadro clínico poderá resultar em complicações primárias como o ressangramento1,4.
Sabe-se que o ácido tranexâmico (ATX) é um antifibrinolítico amplamente utilizado no contexto do trauma nas primeiras 3 horas por apresentar excelentes resultados no desfecho de pacientes. O principal ensaio clínico que despontou o interesse e maior uso nesse cenário foi o CRASH-215. Em suma, pacientes com alta suspeita de sangramento e, de preferência, administrado na 1ª hora e com infusão contínua por 8 horas, tem melhor prognóstico. O objetivo é evitar a hiperfibrinólise do trauma e controle hemorrágico, de tal maneira, a paciente obstétrica também se beneficia do uso do antifibrinolítico no contexto de hemorragia pós-parto16.
Novas evidências e ensaios clínicos foram designados a integrar o uso promissor do ATX para o contexto clínico, em particular, na hemorragia subaracnóidea aneurismática, com esse intuito, a presente revisão integrativa tem por objetivo demonstrar e discutir práticas que agreguem à decisão clínica visando o benefício do paciente.
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2. Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura acerca do uso do ácido tranexâmico no contexto da hemorragia subaracnóidea. Entende-se que a revisão integrativa é um instrumento de obtenção, identificação, análise e síntese da literatura dirigida a um tema específico17,18. Além de investigar sobre o tema norteador, permite inferências importantes ao pensamento clínico voltado ao paciente e, por conseguinte, elaboração de normativas, protocolos e estudos posteriores.
Segundo Souza e colaboradores, o delineamento é baseado em seis etapas: elaboração da pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa18.
A literatura apresenta publicações recentes sobre a versatilidade e uso do ácido tranexâmico, principalmente em cenários de trauma, buscando analisar fontes bibliográficas sobre o seu uso em contexto clínico. A pergunta norteadora foi elaborada utilizando a estratégia PICO (Patient, Intervention, Control and Outcome) e consiste em: Quais os benefícios do uso do ácido tranexâmico na hemorragia subaracnóidea aneurismática?
Para tanto, a busca dos artigos científicos utilizou-se das seguintes bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrievel Sistem Online), via Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Os descritores utilizados estão presentes no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e são os seguintes: tranexamic acid (ácido tranexámico ou ácido tranexâmico), antifibrinolytic agents (antifibrinolíticos ou antifibrinolíticos), subarachnoid hemorrhage (hemorragia subaracnóidea ou hemorragia subaracnoidea) e intracranial aneurysm (aneurisma cerebral ou aneurisma intracraneal). A busca com descritores apresentou as combinações: "Tranexamic Acid" AND "Antifibrinolytic Agents" AND "Subarachnoid Hemorrhage" e “Tranexamic Acid” AND “Intracranial Aneurysm”.
Os critérios de inclusão foram baseados no intuito de responder à pergunta norteadora e revisão da literatura atual. Incluiu-se textos na íntegra com acesso gratuito, artigos científicos nas bases de dados mencionadas, conteúdos em inglês, português e/ou espanhol e publicações no intervalo de 10 anos.
Excluiu-se os textos que não foram disponibilizados na íntegra, duplicados, em idiomas não estabelecidos como critério de inclusão, período maior de 10 anos e que fogem ao tema por não responder à pergunta elaborada ao tema de estudo.
A categorização dos estudos apresentou uma etapa inicial de leitura de título e seus respectivos resumos afim de prepor os artigos que cabem à pesquisa. Após a seleção dos artigos promissores, realizou-se a leitura do texto completo com a extração dos dados de interesse, tais como, base de dados, autor, ano de publicação, tipo de estudo, periódico, objetivo, região, problema/população, fenômeno de interesse, resultados, limitações e conclusão.
O rigor metodológico pressupõe à Prática Baseada em Evidência. Portanto, o exercício de ferramentas preconizadas e estabelecidas para a avaliação do estudo é uma etapa importante na revisão de literatura. O sistema de classificação dos estudos abordados observa a hierarquia das evidências de acordo com o delineamento de pesquisa, como proposto pelo Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford19.
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Quadro 2 – Nível de evidência e tipos de estudos para avaliação da qualidade metodológica.
Nível de evidencia | Tipos de estudos |
1A | Revisões sistemáticas e metanálises de ensaios clínicos. Estudos controlados randomizados bem delineados com desfecho clínico relevante. |
1B | Estudos controlados randomizados com estreito intervalo de confiança. |
1C | Resultados do tipo “tudo ou nada”. Estudo de série de casos controlados. |
2A | Revisão sistemática homogênea de estudos de coorte (com grupos de comparação e controle de variáveis). |
2B | Estudo de coorte com pobre qualidade de randomização, controle ou sem acompanhamento longo, estudo de coorte transversal. |
2C | Resultados de pesquisas (observação de resultados terapêuticos ou evolução clínica). |
3ª | Revisão sistemática homogênea de estudos de caso com grupo-controle. |
3B | Estudos de caso com grupo-controle. |
4 | Relatos de caso e série sem definição de caso-controle. |
5 | Opinião de autoridades respeitadas ou especialistas. Revisão da literatura não-sistemática. |
Fonte: Adaptado de Centre for Evidence-Based Medicine (CEBM), 2023.
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3. Resultados e discussão
Utilizando as principais bases de dados e ferramentas de busca, realizou-se o cruzamento dos descritores para a amostragem. Implementou-se a estratégia PRISMA para identificação, triagem e eligibilidade dos componentes da amostra. O total foi 156 artigos científicos que correspondiam ao tema, todavia, 7 foram duplicados. Para a fase de triagem, 144 (92%) trabalhos apresentavam aspectos gerais à temática e, portanto, aplicou-se o filtro de pesquisa com os critérios de inclusão desta revisão, assim, reduzida para quantia de 38 (24,3%) artigos potencialmente elegíveis. Após leitura de título e resumo, 8 artigos foram selecionados para revisão completa e 1 trabalho foi excluído, resultando na amostra final desta revisão em 7 (4,4%) artigos.
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Os aspectos aferidos nas publicações foram: autor, ano, objetivos, tipo de estudo, periódico, problema, fenômeno de interesse ou intervenção, resultados e limitações (Quadro 3).
O delineamento de pesquisa foi analisado e também se incluiu como critério para qualificação metodológica. A partir da amostra total, quatro são revisões sistemáticas, uma revisão narrativa e duas pesquisas são ensaios clínicos randomizados.
A respeito da localidade dos estudos, a maioria foi realizada na Europa, incluindo um ensaio clínico randomizado multicêntrico. Há um estudo realizado na China e um no Brasil (Quadro 3).
Quadro 3 – Distribuição das publicações sobre base de dados, título, autor, ano, tipo de estudo e região.
Base de dados | Título | Autor/ano | Tipo de estudo | Periódico | Região |
MEDLINE | Efficacy and safety of tranexamic acid in intracranial haemorrhage: A meta-analysis. | XIONG, et al., 2023. | Revisão sistemática | PLoS One ; 18(3): e0282726, 2023. | China |
MEDLINE | Antifibrinolytic therapy for aneurysmal subarachnoid haemorrhage.
| GERMANS, et al., 2022. | Revisão sistemática | Cochrane Database Syst Rev ; 11: CD001245, 2022 11 09. | Suíça |
MEDLINE | Clinical use of tranexamic acid: evidences and controversies. | COLOMINA, 2022. | Revisão narrativa | Braz J Anesthesiol ; 72(6): 795-812, 2022. | Brasil |
MEDLINE | Tranexamic acid in non-traumatic intracranial bleeding: a systematic review and meta-analysis. | BOUILLON-MINOIS, et al. 2021. | Revisão sistemática | Sci Rep ; 11(1): 15275, 2021 07 27. | França |
MEDLINE | Ultra-early tranexamic acid after subarachnoid haemorrhage (ULTRA): a randomised controlled trial. | POST, et al., 2021. | Ensaio clínico randomizado | Lancet ; 397(10269): 112-118, 2021 01 09. | Europa |
MEDLINE | Short-term tranexamic acid treatment reduces in-hospital mortality in aneurysmal sub-arachnoid hemorrhage: A multicenter comparison study. | POST, et al., 2019. | Ensaio clínico randomizado | PLoS One ; 14(2): e0211868, 2019. | Holanda |
MEDLINE | Antifibrinolytic therapy for aneurysmal subarachnoid haemorrhage. | BAHAROGLU, et al., 2013. | Revisão sistemática | Cochrane Database Syst Rev ; (8): CD001245, 2013 Aug 30. | Holanda |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.
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De acordo com o Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford19, define-se o nível de evidência com o delineamento da pesquisa. Dessa forma, quatro pesquisas apresentam nível de evidência 1A, um artigo qualificado com nível 3A e dois ensaios clínicos com desfechos relevantes são avaliados como 1B (Quadro 4).
Quadro 4 – Qualidade metodológica dos artigos científicos.
Autor/ano | Tipo de estudo | Nível de evidencia |
XIONG, et al., 2023. | Revisão sistemática | 1A |
GERMANS, et al., 2022. | Metanálise | 1A |
COLOMINA, et al., 2022. | Revisão narrativa | 3A |
BOUILLON-MINOIS, et al., 2021. | Revisão sistemática | 1A |
POST, et al., 2021. | Ensaio clínico randomizado | 1B |
POST, et al., 2019. | Ensaio clínico randomizado | 1B |
BAHAROGLU, et al., 2013. | Revisão sistemática | 1A |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.
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Uma revisão sistemática conduzida na China por Xiong e seus colaboradores20, buscou avaliar os efeitos hemostáticos do ácido tranexâmico e performance da função neurológica em pacientes com hemorragia subaracnóidea. A amostra total de estudos registrou em um quantitativo de 25, e dentre estes, apenas 10 publicações incluíam pacientes com hemorragia subaracnóidea aneurismática, totalizando 20.146 pacientes. A avaliação neurológica conduzida pelas publicações teve por base a Escala de Coma de Glasgow e não denotou diferença significativa entre o grupo que recebeu o ATX com o grupo controle (Odds Ratio - OR 1.13, IC 95% 0.91 a 1.41, I2 = 0%, P = 0.26). De tal forma, não houve impacto na incidência de mortalidade entre os grupos estudados (OR 0.84, IC 95% 0.54 a 1.31, I2 = 57%, P = 0.83). Trombose venosa profunda também foi uma complicação citada no manejo dos pacientes com acidente vascular encefálico hemorrágico e que, mesmo com uso de antifibrinolítico, não reportou diferença estatística com grupo controle (OR 1.08, IC 95% 0.51 a 2.30, I2 = 0%, P = 0.84). Em relação ao desenvolvimento de novo quadro de acidente vascular encefálico, tanto do tipo isquêmico e transitório, também não houveram impactos em número de desfechos (OR 1.20, IC 95% 0.83 a 1.72, I 2 = 56%, P = 0.33). Contudo, a revisão aponta 13 estudos que denotam benefício e redução de complicações em pacientes que fazem uso do ATX. Os indivíduos que utilizaram a medicação, ao final do acompanhamento, apresentaram redução da taxa de ressangramento em comparação ao grupo controle (OR 0.52, IC 95% 0.35 a 0.79; I2 = 56%, P = 0.002), bem como, 4 estudos reportaram menor incidência de casos de hidrocefalia no grupo que utilizou o antifibrinólitico em comparação ao controle (OR 1.23, IC 95% 1.01 a 1.50; I 2 = 0%, P = 0.04).
A principal limitação do estudo foi o início do uso do ATX com o transcurso do evento, estimando uma janela de tempo de 2 horas até 7 dias do quadro hemorrágico. Sendo assim, poderá haver discrepância entre resultados e desfechos em outros intervalos de tempo.
O ressangramento é elencado como uma das principais complicações no contexto da hemorragia subaracnoideia aneurismática, principalmente no intervalo das primeiras 3 a 6 horas do evento. Um estudo brasileiro conduzido por Colomina e colaboradores21, tratou de revisar as principais evidências no uso do antifibrinolítico de forma rotineira em diversos contextos clínicos e cirúrgicos, incluindo os pacientes com HSA aneurismática. Sabe-se que o tratamento intervencionista neurocirúrgico se torna pedra angular no manejo destes pacientes. Entretanto, o tempo transcorrido do evento até o início das complicações podem elevar a morbimortalidade dos pacientes acometidos. De acordo com o último Consenso da Neurocritical Care Society22, o uso de antifibrinolítico apresentou divergências entre estudos, principalmente no quesito ressangramento, não mostrando impacto na morbimortalidade a longo prazo. Desse modo, não recomendam o seu uso de forma rotineira (recomendação forte). Assim, as principais limitações dessa revisão narrativa é a amostra heterogênea das publicações e posologia da medicação.
Já em uma revisão sistemática conduzida por Bouillon-Minois e colaboradores23, decidiu-se avaliar o impacto na mortalidade e benefícios na população que recebeu o ácido tranexâmico no cenário de hemorragia intraparenquimatosa e HSA. A amostra contemplou 15 publicações com 4.883 pacientes maiores de 18 anos. O grupo intervenção apresentou redução na mortalidade em 22% comparando com o grupo controle (RR = 0.78, IC 95% 0.58 a 0.98, p<0.001). Os pacientes com quadro de HSA apresentaram maior redução na taxa de mortalidade (RR = 0.72, IC 95% 0.49 a 0.96, p<0.001) em comparação com os pacientes com hemorragia intraparenquimatosa. Contudo, a publicação reporta heterogeneidade das amostras (I2 = 59.6%) e também não apresentou estudos com melhor estimativa de tempo de tratamento, impacto na idade ou sexo.
Um ensaio clínico randomizado multicêntrico conduzido por Post e colaboradores24, realizado na Holanda, planteou descrever os desfechos advindos do uso do ácido tranexâmico em pacientes com HSA aneurismática com tempo menor a 72 horas. Os pacientes que apresentavam o quadro clínico eram referidos a dois hospitais terciários de referência com evento até 24 horas, no total 509 adultos foram incluídos na amostra. Segundo a American Heart Association/American Stroke Association25 o uso precoce do antifibrinolítico (<72h) é sensato no intuito de prevenir ressangramento (nível B de evidência, classe IIa).
O ácido tranexâmico teve sua posologia de 1 grama para dose de ataque e dose de manutenção de 1 grama por 8 horas em infusão contínua. Os resultados das intervenções permitiram mensurar a mortalidade intra-hospitalar, função neurológica, ressangramento e eventos tromboembólicos. Embora, estudos prévios reportam resultados positivos para a prevenção do ressangramento, este ensaio não obteve tal semelhança. Os autores denotam como principal limitação para esse resultado, o estudo ser realizado em hospitais de referência e não como primeiro atendimento. Contudo, o desfecho mortalidade apresentou descenso com significância estatística em comparação ao grupo que não recebeu o antifibrinolítico (taxa de mortalidade no grupo intervenção: 16%; grupo controle: 25%; OR 0.57; IC 95%: 0.33–0.98). A Escala de Rankin Modificada (mRS) foi o instrumento utilizado para aferir a função neurológica dos pacientes. O acompanhamento sucedeu 6 meses desde o início do evento hemorrágico, sem impactos na pontuação entre grupos que receberam a medicação em comparação ao controle.
Apesar de relatos na literatura descreverem casos de acidente vascular encefálico isquêmico, transitório ou eventos de trombose venosa profunda, neste ensaio não houve aumento na incidência na amostra que recebeu o antifibrinolítico.
Baharoglu e colaboradores26 publicaram uma revisão sistemática a partir de 10 estudos, incluindo 1.904 pacientes, dos quais 959 receberam a droga antifibrinolítica, 597 foram manejados com placebo e 348 receberam tratamento controle. Um estudo apenas, de Hillman et al.27, tratou de utilizar o ácido tranexâmico de maneira precoce (< 72 horas). Os demais obtiveram início entre 3 dias a 10 dias do quadro de HSA aneurismática.
Os desfechos obtidos dos artigos foram agrupados em primários e secundários. Os resultados desfavoráveis tais como morte, estado vegetativo ou perda de funcionalidade severa foram denominados primários e obtiveram acompanhamento até 3 meses do quadro da HSA aneurismática. Em contrapartida, houve a mensuração e acompanhamento dos efeitos do antifibrinolítico, utilizando tomografia computadorizada de crânio ou autópsia, com intuito de avaliar os desfechos secundários (ressangramento, acidente vascular encefálico isquêmico e hidrocefalia).
A taxa de ressangramento no grupo intervenção foi menor em comparação ao grupo controle (RR 0.65, IC 95% 0.44 a 0.97). Contudo, 6 publicações desta revisão reportaram aumento da taxa de eventos isquêmicos cerebrais (RR 1.41, IC 95% 1.04 a 1.91). A hidrocefalia, por sua vez, foi relatada em 5 ensaios e não obteve aumento em incidência com o uso da terapia antifibrinolítica. Hillman et al.27 e Roos et al.28 realizaram ensaios clínicos com uso conjugado do antifibrinolítico e tratamento preventivo para eventos isquêmicos. Assim, seus resultados não sofreram impacto no aumento da incidência de acidente vascular encefálico isquêmico.
Ademais, evidenciaram que o uso do antifibrinolítico reduz aproximadamente 35% a taxa de ressangramento, porém, não garante outros benefícios em desfechos primários e os demais secundários. Frisa-se também o tempo estimado para o uso do ácido tranexâmico a um tempo menor que 72 horas do evento hemorrágico, tendo em vista melhores resultados a longo prazo. Apontam também, limitações como estudos heterogêneos, estimativa de tempo do início do quadro até a primeira dose do antifibrinolítico e risco de viés por dados incompletos em algumas publicações.
Post e colaboradores29, inqueriram sobre os desfechos do uso do ácido tranexâmico em fase ultra precoce (< 24 horas), principalmente, para estimar benefícios nos 6 meses seguintes ao evento. Sendo assim, arrolaram pacientes maiores de 18 anos (idade mediana de 58 anos) em 16 hospitais de referência da Holanda. Os candidatos que apresentavam quadro clínico e tomografia de crânio demonstrando HSA aneurismática foram incluídos, e para critérios de exclusão, aplicou-se à pacientes vítimas de traumatismo craniano, transtornos de hipercoagulabilidade e pacientes com TVP (trombose venosa profunda) e/ou TEP (tromboembolismo pulmonar).
O ácido tranexâmico foi utilizado na dose de 1 g (em bolus) referindo à dose de ataque, e posteriormente, 1 g a cada 8 horas até a resolução do quadro com tratamento cirúrgico ou até completar 1 dia de uso, não ultrapassando a margem de 4 g/dia. O grupo intervenção teve predominância do sexo feminino (69%), escala de Fisher IV em 66% dos pacientes, 69% dos pacientes negaram uso de medicações para comorbidades prévias e em 70% a região acometida foi o território da circulação anterior.
Para o acompanhamento dos casos, aplicou-se a Escala de Rankin modificada durante um período de 6 meses. Pacientes que obtiveram pontuações até 2 foram categorizados com bom prognóstico neurológico.
Quadro 5 – Distribuição das publicações sobre autor, ano, objetivo e intervenção.
Autor/ano | Objetivo | Intervenção/fenômeno de interesse |
XIONG, et al., 2023. | Avaliar os efeitos hemostáticos do ácido tranexâmico e performance neurológica em pacientes com hemorragia subaracnóidea. | Administração do ácido tranexâmico em pacientes com HSA aneurismática. |
GERMANS, et al., 2022. | Avaliar efeitos da terapia antifibrinólitica nos pacientes com hemorragia subaracnóidea aneurismática. | Uso de antifibrinolítico em pacientes com HSA aneurismática. |
COLOMINA, et al., 2022. | Revisar evidências sobre a eficácia e segurança no uso de ácido tranexâmico em pacientes com diversas condições clínicas. | Administração do ácido tranexâmico em pacientes com hemorragia subaracnóidea. |
BOUILLON-MINOIS, et al., 2021. | Avaliar o impacto na mortalidade de pacientes com hemorragia intracerebral que receberam o ATX. | Uso de ATX em pacientes com HSA aneurismática e hemorragia intraparenquimatosa. |
POST, et al., 2021. | Investigar os desfechos clínicos em pacientes com HSA, em uso de ATX, em períodos precoces e realizar acompanhamento até 6 meses da intervenção. | Uso de ATX precoce (< 24 horas) em pacientes com HSA aneurismática. |
POST, et al., 2019. | Descrever desfechos do uso do ATX em pacientes com quadro de HSA em período menor que 72 h | Uso de ATX precoce (< 72 horas) em pacientes com HSA aneurismática. |
BAHAROGLU, et al., 2013. | Avaliar os efeitos do uso de antifibrinolíticos em pacientes com HSA. | Uso de antifibrinolítico em pacientes com HSA aneurismática em período de até 6 semanas. |
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2024.
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O acompanhamento e randomização do estudo totalizou 955 participantes com idade média de 58 anos e mediana de tempo de 93 minutos até a intervenção com o antifibrinolítico. Apesar do uso precoce do ácido tranexâmico, o grupo intervenção apresentou menor benefício em se tratando de desfecho neurológico ao longo dos 6 meses (OR 0.87; IC 95% 0.67-1.13). A taxa de ressangramento foi menor no grupo intervenção, sem significância estatística comparado ao controle. E, apesar de não demonstrar benefício, tampouco aumentou ou implicou em efeitos adversos graves como AVE isquêmico ou complicações tromboembólicas durante o tratamento endovascular. Ressaltam, ainda, a limitação do estudo devido ao não mascaramento dos participantes e dos avaliadores.
Já na metanálise conduzida por Germans e colaboradores30, envolveram 11 estudos com 2717 participantes no intuito de reunir bases de pesquisa clínica para demonstrar benefícios quanto ao uso do ácido tranexâmico em pacientes com HSA aneurismática. Assim como os estudos anteriores, a análise dos desfechos foi listada em: desfavoráveis (morte, estado vegetativo ou outra limitação funcional), ressangramento, hidrocefalia e acidente vascular encefálico isquêmico. Tratando dos desfechos desfavoráveis, a avaliação diferiu entre estudos com a utilização tanto da escala de Coma de Glasgow quanto a escala de Rankin modificada, bem como, o período de follow-up foi de aproximadamente até 3 meses. A medida associativa à redução desse evento foi inconclusiva, logo, não demonstrou benefício para efeitos desfavoráveis (RR 1.03; IC 95% 0.94 – 1.13; P = 0.53).
Os autores da pesquisa reportaram dados conflitantes em relação a ocorrência de acidente vascular encefálico isquêmico. Sete ensaios com 2484 participantes reportaram aumento da incidência do desfecho após o uso do antifibrinolítico. Todavia, 2 ensaios demonstraram que quando administrado em um tempo menor de 72 horas e logo instituído o tratamento definitivo, houve descenso de casos.
Sabe-se que o ressangramento é uma complicação esperada nas primeiras horas do evento hemorrágico e, portanto, a metanálise rebuscou o dado em relação ao benefício do ácido tranexâmico. Os 11 ensaios levantados demonstraram redução do risco absoluto em 7% (IC 95% 0.3 – 1.2) dos 2717 pacientes. Conquanto, Germans e colaboradores30 reforçam que apesar da redução da taxa de ressangramento apontada nos ensaios, o uso de rotina do ácido tranexâmico, independente da janela de tempo, não trouxe benefícios ou mudanças de prognóstico a longo prazo.
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Quadro 6 – Distribuição das publicações sobre autor, ano e resultados.
Autor/ano | Resultados |
XIONG, et al., 2023. |
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GERMANS, et al., 2022. |
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COLOMINA, et al., 2022. |
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BOUILLON-MINOIS, et al., 2021. |
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POST, et al., 2021. |
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POST, et al., 2019. |
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BAHAROGLU, et al., 2013. |
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Fonte: Elaborado pelos Autores, 2024.
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Descritos os principais resultados apontados dos artigos, entende-se como categorização de benefícios do uso do ácido tranexâmico: a diminuição da mortalidade, diminuição de complicações ou efeitos indesejados da droga, trazendo melhoria da qualidade de vida ao paciente tanto ao curto quanto a longo prazo. Discorreu-se sobre tempo de início da administração do antifibrinolítico em períodos precoces até semanas do evento e posologia mais recorrente (1 g dose de ataque seguido de 1 g a cada 8 horas). O rigor metodológico, em sua maioria, permeou em alto nível de qualidade (1A) notado nos estudos componentes desta revisão, logo, reflete e reforça a prática clínica baseada em evidências.
Sabe-se que o principal desfecho de interesse é a mortalidade. Dentre a amostra aventada, apenas 2 estudos denotaram redução da taxa, mostrando resultados positivos aos pacientes submetidos à intervenção com antifibrinolítico. Bouillon-Minois e colaboradores23 reportaram descenso em taxa de mortalidade. Entretanto, o estudo conduzido apresentou grande heterogeneidade da amostra tanto quanto não estimou tempo adequado de tratamento ou quaisquer variáveis qualitativas para presunções prognósticas (sexo, idade etc.). Já em revisão sistemática conduzida por Post et al.24, em 2019, concluíram que houve redução na mortalidade em comparação com o grupo controle, porém, não modificou a taxa de ressangramento. Em 2021, Post e colaboradores29 apresentaram novo ensaio clínico denominado “Ultra-early tranexamic acid after subarachnoid haemorrhage (ULTRA)”, com o intuito de estimar benefício no uso precoce, tempo inferior a 24 horas, e impacto clínico ao longo de 6 meses. O ensaio clínico não demonstrou melhores desfechos neurológicos ou em mortalidade, apenas com discreto descenso em taxa de ressangramento e não aumento de eventos tromboembólicos. Contudo, autores reportam que o uso de rotina mesmo precoce ao evento não apresentou benefício ao longo prazo.
Evidenciando a principal complicação da HSA aneurismática - o ressangramento, 4 estudos arrolaram diminuição dessa complicação. Xiong et al.20, não só demostrou menor incidência como relatou menor taxa de casos de hidrocefalia secundários ao evento hemorrágico. Já Baharoglu et al.26 evidenciaram redução em 35% de casos de ressangramento em comparação ao controle, mas não mostraram outros benefícios no estudo. Assim, os demais artigos, como Colomina et al.21 e Germans et al.30 não observaram mudanças no desfecho dos pacientes, indicando o uso individualizado do ácido tranexâmico.
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4. Considerações finais
Os estudos aventados nesta revisão trazem à tona características quanto ao manuseio do ácido tranexâmico no contexto clínico, especificamente, na hemorragia subaracnóidea aneurismática. Perpassado a discussão dos artigos, percebe-se a heterogeneidade de resultados em relação a mortalidade e prognóstico neurológico ao longo de 6 meses. Contudo, a taxa de ressangramento foi notadamente menor nos pacientes que utilizaram o ácido tranexâmico, principalmente, quando o uso foi realizado em tempo menor a 72 horas. Enfatiza-se, porém, que o tratamento neurocirúrgico é o padrão-ouro para HSA aneurismática e seu manejo deve ser precoce. Nessa perspectiva, apesar de tais resultados, é necessário o incentivo ao desenvolvimento de mais estudos que permitam a robustez de recomendações quanto ao uso ou não do ácido tranexâmico.
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5. Biografia
Bruna de Sousa Frazão de Almeida
Residente em Medicina de Emergência pelo Hospital UDI – Rede D’Or
Médica intervencionista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) – São Luís/MA,
Médica do Departamento de Emergência do Hospital Dr. Odorico Amaral de Matos.
https://orcid.org/0009-0002-7259-5894
Daniel Souza Lima
Doutor em Ciências Médico - Cirúrgicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Médico do Departamento de Emergência do Hospital Instituto Dr. José Frota (IJF)
Professor do Curso de Medicina da Unichristus e Diretor Educacional da Tuttoria Saúde.
https://orcid.org/0000-0003-1779-6984
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6. Declaração de direitos
Os autores declaram ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declaram que as imagens e textos publicados são de responsabilidade dos autores, e não possuem direitos autorais reservados a terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declaram respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declaram não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.
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7. Referências
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