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Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL
Curso de LIBRAS para acadêmicos de medicina: Contribuindo na formação integral do profissional de saúde
Anna Julia Manaia Clemente1; Daphynne Moreira Campos Freitas2; Juliana Campos Lopes3; Sandra Regina Mota Ortiz4
Como Citar:
CLEMENTE, Anna Julia Manaia; FREITAS, Daphynne Moreira Campos; LOPES, Juliana Campos et al. Curso de LIBRAS para acadêmicos de medicina: contribuindo na formação integral do profissional de saúde. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.2726-2734, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202434817
Área do conhecimento: Ciências da Saúde.
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Palavras-chaves: LIBRAS. Educação Médica. Integralidade em saúde. Acesso aos serviços de saúde.
Publicado: 18 de junho de 2024
Resumo
De acordo com o CENSO 2010, 10 milhões de brasileiros são surdos. Embora a regulamentação da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) preveja garantia de atendimento à saúde e tratamento adequado às pessoas surdas, a ausência de profissionais da saúde falantes de LIBRAS dificulta o acesso desta população a um atendimento de qualidade. Este relato descreve a vivência de acadêmicos de Medicina da Universidade Nove de Julho no projeto “LIBRAS em saúde” promovido pela IFMSA Brasil UNINOVE. O projeto, cujo objetivo era capacitar alunos para o atendimento de surdos, ofereceu um curso básico de Libras remoto com duração de 8 horas. O conteúdo programático abordou vocabulários gerais e específicos em saúde. A geração de um ambiente acolhedor entre médico-paciente, pautado na confiança, compreensão e comunicação, promove melhores diagnósticos e maior adesão aos tratamentos. Assim, a formação em LIBRAS pelos profissionais de saúde ao favorecer a comunicação e vínculo, viabiliza o acesso e adesão desta população à saúde. A partir da aprendizagem em LIBRAS, o curso ampliou as capacidades comunicativas dos participantes, aumentando o nível de conhecimento e segurança para se comunicar, permitindo a eles promoverem um atendimento mais humanizado, tornando possível a inclusão dos deficientes auditivos no ambiente de saúde.
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LIBRAS course for medical students: Contributing to the comprehensive training of health professionals
Abstract
O According to the 2010 CENSUS, 10 million Brazilians are deaf. Although the regulations of the Brazilian Sign Language (LIBRAS) provide for a guarantee of health care and adequate treatment for deaf people, the absence of health professionals who speak LIBRAS makes it difficult for this population to access quality care. This report describes the experience of medical students at University Nove de Julho in the “LIBRAS em saúde” project promoted by IFMSA Brazil UNINOVE. The project, whose objective was to train students to care for deaf people, offered a basic, remote Libras course lasting 8 hours. The program content covered general and specific health vocabularies. Creating a welcoming environment between doctor and patient, based on trust, understanding and communication, promotes better diagnoses and greater adherence to treatments. Thus, training in LIBRAS by health professionals, by promoting communication and bonds, enables this population's access and adherence to health. Based on learning in LIBRAS, the course expanded the participants' communicative capabilities, increasing the level of knowledge and confidence to communicate, allowing them to promote more humanized care, making it possible to include the hearing impaired in the healthcare environment.
Keywords: LIBRAS; medical education; comprehensive health; access to health services.
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1. Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) atua e se fixa em princípios e diretrizes que têm o objetivo de guiar o manejo da saúde pública no Brasil, abrangendo as necessidades e especificidades da população. A Atenção Primária em Saúde é um conjunto de ações de promoção e proteção da saúde com intuito de desenvolver uma atenção integral que forneça saúde de qualidade para todas as coletividades, pautando-se nos princípios da universalidade, da acessibilidade, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização e da equidade [1]. Nesse sentido, é de fundamental importância a criação de estratégias que corroborem e consigam fortalecer esses princípios, colocando-os em prática e assim assegurar a saúde pública brasileira. Ademais, a formação do profissional de saúde é essencial para o desenvolvimento e manutenção do SUS [2], impactando diretamente no desenvolvimento dos seus pilares e na garantia de direitos da população. As fragilidades encontradas neste processo repercutem na qualidade da assistência à saúde oferecida.
De acordo com o CENSO 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), 5% da população brasileira é surda, representando mais de 10 milhões de pessoas, posicionando a surdez entre as deficiências mais prevalentes no país.
Os currículos regulares dos cursos de Medicina no Brasil, habitualmente não envolvem o aprendizado em LIBRAS, ou competências e habilidades específicas para o cuidado à saúde de deficientes auditivos, surdos e mudos, e desse modo, a comunicação prejudicada constitui uma barreira de acesso à saúde para essa população, visto que na maioria das vezes, os profissionais de saúde não são falantes de LIBRAS e não estão preparados para se comunicar com esses pacientes [3], podendo resultar em constrangimento ao paciente, dificuldade na elaboração de prontuários médicos e diagnósticos, e até mesmo em tratamentos e condutas errôneas.
A comunicação de qualidade constitui a base para a construção vínculo médico-paciente, e representa um ponto-chave para a prática do cuidado e promoção da saúde, e adesão na atenção primária [3]. A geração de um ambiente acolhedor entre médico e paciente, pautado na confiança, respeito, compreensão e comunicação efetiva, promove melhores diagnósticos, condutas e adesão aos tratamentos, favorecendo uma melhora na qualidade de vida do paciente. Assim, a formação em LIBRAS pelos profissionais de saúde, permite uma melhor comunicação e o estabelecimento de vínculo, viabilizando o acesso e adesão dessa população aos serviços de saúde.
A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), língua de modalidade gestual-visual, em que a comunicação ocorre através de gestos, expressões faciais e corporais, constitui uma importante ferramenta de comunicação na comunidade surda e de inclusão social dessa população. Através da Lei nº 10.436, sancionada em 24 de abril de 2002 [4], LIBRAS foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão, sendo validada como o segundo idioma oficial do país. A regulamentação da língua inclui a determinação da garantia de atendimento e tratamento adequado às pessoas com surdez por instituições públicas e as empresas de serviços de assistência à saúde, em consonância com os princípios de integralidade, universalidade e equidade que doutrinam os serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Dentro desse contexto, visando atuar sobre tal fragilidade na capacitação dos futuros médicos do país, foi realizado o curso de formação “LIBRAS em saúde”, projeto concebido e organizado por estudantes de Medicina em parceria com a International Federation of Medical Students Association- Brazil UNINOVE (IFMSA Brazil), projeto que é objetivo de estudo e explanação deste presente trabalho.
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2. Relato de experiência
O projeto Libras em Saúde ofereceu um curso básico de Libras, a Língua Brasileira de Sinais, utilizada pelos surdos, aos acadêmicos de Medicina da Universidade Nove de Julho a fim de facilitar a comunicação com o paciente surdo, preparando os alunos para atender este paciente da melhor forma possível. O curso teve duração de 8 horas e foi dividido em 5 aulas online de 1 hora e 30 minutos, realizadas a cada 2 semanas e uma aula de finalização de 30 minutos, totalizando 8 horas de curso. O projeto foi ministrado por uma professora com amplo conhecimento na linguagem de sinais, utilizando como material de apoio durante as aulas três apostilas disponibilizadas em arquivo digital aos alunos (“Livro ilustrado de língua brasileira de sinais”, “Saúde/Medicina” e “Especialidades médicas”) para ministrar conteúdo sobre alfabeto, números, conceitos e palavras do cotidiano, calendário, formas de tratamento, comidas, lugares, partes do corpo humano e sinais da área de saúde.
Dado o contexto e desafios da pandemia de COVID-19, adotou-se uma metodologia de ensino remoto que trouxe a oportunidade de realizar aulas síncronas através de webconferências. Ademais, foram aplicados formulários de avaliação de impacto pré e pós evento, abordando, em uma classificação de 0 a 10, o nível de conhecimento em Libras, o nível de segurança em compreender Libras, o nível de segurança para se comunicar por Libras, o quão apto o participante se sente para se comunicar com uma pessoa surda, o nível de compreensão de sinais de Libras voltados à saúde, o quão apto o participante se sente para realizar um atendimento médico a uma pessoa surda, o quanto o curso de Libras IFMSA - 2021 auxiliou na comunicação com o indivíduo surdo, o nível de importância do conhecimento em Libras para profissionais da área da saúde e o quanto os pacientes surdos teriam mais autonomia e inclusão ao serem atendidos por médicos com conhecimento em Libras.
Este relato trata-se, portanto, da descrição da vivência de acadêmicos de medicina no projeto “Libras em saúde” promovido pela IFMSA Brasil UNINOVE. De acordo com a experiência, quatro participantes relataram que o curso de Língua Brasileira de Sinais ofertado aos acadêmicos de Medicina foi de extrema importância para a formação e capacitação como futuros profissionais da saúde, principalmente por visar um atendimento humanizado e qualificado, pautado na inclusão de todos, na igualdade e nos direitos das pessoas surdas.
O curso trouxe uma ampla gama de temas de sinais dentro de Libras, desde princípios e comunicação básica até sinais específicos de saúde, e de dados sobre a população surda e sobre como a Libras foi criada. A professora foi um componente essencial para o resultado da experiência, apresentando uma ótima didática e qualidade no ensino. Nesse sentido, o curso agregou tanto para formação acadêmica ao capacitar o profissional para o atendimento humanizado da população surda quanto para a vida pessoal de nós participantes ao promover crescimento e entendimento sobre a vida do surdo e suas dificuldades diárias não somente no âmbito da saúde, como também no âmbito de vida pessoal.
Como poucos profissionais de saúde compreendem e sabem se comunicar em Libras, foi possível perceber o quão fundamental a Libras é para área de saúde e para a integração dos surdos na sociedade, sendo que o curso nos trouxe uma noção muito boa da Língua de sinais, o que aumentou nossa autoconfiança para atender esta população e trouxe a garantia de que possamos ajudar alguém que tanto precisa e muitas vezes não encontra nenhum profissional que saiba o mínimo para se comunicar.
O curso ocorreu de forma online, por uma plataforma em que podíamos ver a professora e os outros alunos em tempo real, com a câmera ligada, o que dinamizou o processo de aprendizado dos sinais, porém, acreditamos que esse curso presencialmente poderia ser ainda mais proveitoso, visto que a comunicação não-verbal (linguagem corporal, as expressões faciais, entre outros) é um ponto chave fundamental para comunicação por sinais e infelizmente é afetada na forma remota.
Por fim, como em qualquer língua, a prática pode ser perdida ao longo do tempo, então acreditamos que seria interessante um reforço do curso com abordagem mais avançada de tempos em tempos, para que pudéssemos cada vez mais aprender e ficar mais fluentes em Libras. Além disso, consideramos importante ampliar o conhecimento de Libras para todos os profissionais e acadêmicos da saúde através da continuidade do curso, visando alcançar outras pessoas. É importante também conduzir espaço de vivência com pacientes surdos-mudos a fim de aplicar e desenvolver mais os conhecimentos como visitas em ONGs ou grupos de pacientes surdos-mudos.
Ao analisar os relatos dos quatro participantes autores deste projeto, foram identificados alguns pontos em comum na experiência deles: Os participantes estudantes de Medicina conseguiram expandir seu repertório sociocultural e sua visão sobre o contexto e as principais características da população surda no Brasil. A partir da aprendizagem na prática da Língua Brasileira de Sinais, o curso ampliou significativamente as capacidades comunicativas dos participantes, aumentando seu nível de conhecimento e a segurança ao se comunicar e compreender a língua, tornando possível um atendimento médico inclusivo aos deficientes auditivos, surdos e mudos praticando uma medicina com perspectiva humanizada.
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3. Desenvolvimento e discussão
O curso Libras em saúde possibilitou aos participantes o contato com a realidade da população surda-muda e seus obstáculos no contexto de saúde, considerando o relato anterior. Conforme previsto pela lei de inclusão [4], “Assim, como qualquer outra pessoa, o paciente surdo necessita e tem o direito de receber atendimento, com o mínimo de dignidade e respeito” (SÁ et al., 2017), conforme os princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade previstos pelo Ministério da Saúde [5]. Deste modo, a realização do curso de Libras em saúde permitiu aos alunos reconhecerem a importância da Libras para o atendimento médico integral, permitindo o cumprimento dos princípios do SUS com efetividade e garantindo um atendimento humanizado, digno e mais qualificado para a população surda.
Ademais, na literatura, artigos como “Fragilidade na formação dos profissionais de saúde quanto à língua brasileira de sinais: uma reflexão na atenção à saúde” [6], Thiago et al., publicado na plataforma Scielo, retratam a desvalorização do ensino de Libras no Ensino Superior da área de saúde. Esta desvalorização é percebida ao se analisar a quantidade de cursos e quantos deles oferecem Libras: “De 5317 cursos apenas 2293 (43,1%) oferecem a disciplina, sendo 16,7% como disciplina obrigatória e a maioria (83,3%) como optativa” [6]. A oferta do curso para a área da saúde, portanto, se mostrou fundamental para reduzir esta fragilidade, pois, apesar de ser um curso básico de curta duração, este atraiu os alunos na busca por mais conhecimento por esta língua.
Por fim, com relação a necessidade da comunicação efetiva para um atendimento qualificado e humanizado, alguns artigos, como “Comunicação do surdo com profissionais de saúde na busca da integralidade” [3], Karsten RML et al., discutem sobre as barreiras enfrentadas pela população surda-muda para comunicação com os profissionais de saúde, visto o reduzido conhecimento sobre a língua. Sendo assim, o curso ofertado pela IFMSA permitiu aos seus participantes compreenderem melhor essas dificuldades e através desta capacitação proporcionar um atendimento mais qualificado e inclusivo.
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4. Considerações finais
O projeto “Libras em saúde” ofertado pela instituição IFMSA Brazil UNINOVE a alunos de medicina foi essencial para reduzir as fragilidades destes estudantes no atendimento aos pacientes surdos. Deste modo, com o conhecimento adquirido durante o curso e o reconhecimento da realidade difícil de pessoas surdas durante consultas da área de saúde, estes estudantes poderão realizar um atendimento mais especializado e humanizado, sendo o objetivo do projeto alcançado com sucesso.
Ademais, o presente artigo reitera esta necessidade em se conhecer Libras para que a consulta em saúde desta população seja cada vez mais inclusiva e de maior qualidade de modo que as desigualdades sociais sejam realmente superadas.
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5. Declaração de direitos
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6. Referências
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Bergamaschi, Rosi;...; Martins, Ricardo. Discursos atuais sobre a surdez . La Salle, 1999.
Albres, Neiva ;...; Neves, Sylvia .De sinal em sinal : Comunicação em LIBRAS para aperfeiçoamento do ensino dos componentes curriculares. FENEIS , v. 1, p.184, 2009.
Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Planalto. 1988.
Brasil. Lei nº10.436, de24 de abril de 2002. Dispõe sobre a língua brasileira de sinais e de outras providências. Diário oficial da união, 2002.
PNAB: Nacional de atenção Básica (Série E. Legislação em saúde). Ministério da saúde. ISBN 978-85-334-1939-1, 2012.
Campos , Francisco;...; Belisário, Soraya. Políticas e sistema de saúde no Brasil: A formação superior dos profissionais de saúde. Fiocruz , ISBN 9788575411575, 2end ed. 2012.
Karsten, Raphaela;...; Silva, Eliete. Comunicação do surdo com profissionais de saúde na busca da integralidade. Revista saúde e pesquisa, ISSN 2176-9206, v.10 , n. 2. Maio/agosto 2017.
Nascimento, Thiago;...; Porto, Celmo. Fragilidade na formação dos profissionais de saúde quanto à língua brasileira de sinais: reflexo na atenção à saúde dos surdos. Audiology- comunication research, ISSN 2317-6431, 25/07/2020.
Dias, Andrezza;...; Mamede, Marcelo. Libras na formação médica: possibilidade de quebra da barreira comunicativa e melhora na relação médico-paciente surdo. Revista de medicina, v.96 , n. 4 p. 209-214, 22/12/2017.
Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil.
Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil.
Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano do Sul, Brasil.