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Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL
Implicações de uma maternidade atípica: estado psicossocial das mães de crianças autistas
Carolina Reis Teixeira1; André Demian Dos Santos2; Esley Ruas Alkimim3; Evandro Barbosa Dos Anjos4
Como Citar:
TEIXEIRA, Carolina Reis; DOS SANTOS, André Demian; ALKIMIM,Esley Ruas; DOS ANJOS, Evandro Barbosa. Implicações de uma maternidade atípica: estado psicossocial das mães de crianças autistas. Revista Sociedade Científica, vol.7, n.1, p.1965-1980, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202427917
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Área do conhecimento: Ciências da Saúde.
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Sub-área: Medicina.
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Palavras-chaves: Transtorno do Espectro do Autismo, Mães, Saúde mental.
Publicado: 16 de abril de 2024.
Resumo
O desenvolvimento atípico de uma criança portadora de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) gera quebra de expectativa e mudanças no ritmo de vida da família, em especial de sua principal cuidadora, geralmente a mãe. Esse artigo tem por objetivo avaliar o estado psicossocial das mães de crianças diagnosticadas com TEA. Trata-se de um estudo quantitativo de amostra não probabilística com aplicação de questionários a mães de filhos com TEA, acompanhados pela Associação Norte-Mineira de Apoio ao Autista (ANDA) da cidade de Montes Claros (MG). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob Parecer 5.676.08. Analisando os resultados foi possível identificar os fatores estressores e que diminuem a qualidade da saúde mental e qualidade de vida das mães de crianças diagnosticadas com TEA: baixa condição financeira, incapacidades adaptativas dos filhos, restrições de sociabilização e de trabalho dessas mães, cansaço físico, sobrecarga emocional, diminuição da autoestima e limitada rede de apoio. A condição do TEA do filho não foi um fator estressor para as mães entrevistadas, mas, sim, as consequências dos encargos e preocupações em lidar com os estímulos, cuidados e gastos demandados pela criança.
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1. Introdução
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) configura um transtorno de desenvolvimento neurológico que se caracteriza pela limitação e dificuldade de interação social e de comunicação, que possui gravidade e apresentação clínica variável, por isso, se trata de um espectro.(1) Organizações internacionais sugerem que as causas do autismo ainda não estão totalmente elucidadas, mas que perpassam por fatores genéticos e físicos que interferem na formação cerebral, sendo, portanto, multifatorial.(2)
O TEA acomete todos os grupos socioeconômicos e raciais, sendo mais prevalente no sexo masculino, atingindo 4 meninos para cada menina. Em 2014 foi diagnosticada 1 a cada 58 crianças de 8 anos com TEA.(1) O TEA tem sido mais diagnosticado a partir da ampliação de instrumentos de rastreamento e difusão do conhecimento entre pais, profissionais de saúde e professores, possibilitando reconhecimento precoce dessa afecção e estabelecimento de medidas mais eficazes de manejo e melhor adaptação da criança em seu meio social.(3)
O tratamento padrão-ouro para o TEA se baseia em medidas interdisciplinares precoces que trabalhem com o paciente seu potencial de desenvolvimento social e comunicativo, estimulando seu funcionamento intelectual, cognitivo, motor e emocional, ajudando-o a criar habilidades e adquirir autonomia. Essa assistência varia conforme o grau de severidade do autismo e irá exigir avaliação personalizada para cada caso e família.(4,5)
De modo geral, o papel de cuidador é intrínseco à mulher, que pode chegar a abster-se de sua vida economicamente e socialmente ativa para se dedicar ao filho. Cria-se, além disso, uma preocupação que volta todas as atenções para a criança e acaba deixando em segundo plano os sentimentos e dilemas internos da genitora. Por esses motivos é que as mães de crianças com TEA correm o maior risco de apresentarem maior sofrimento, menor bem-estar psicológico, mais ansiedade e sintomas depressivos quando comparadas com outros membros da família. (6, 7)
A maternidade aqui é tida como atípica justamente porque essas mães enfrentam desafios únicos não enfrentados por outros pais.(8, 9) De fato, defender, proteger e estimular um filho autista exige muito empenho, energia e é um trabalho de tempo integral que mudam as perspectivas, e que, por conseguinte, merece um olhar atento dos profissionais da saúde e sociedade como um todo.(3, 5, 10,11) É necessário e benéfico que os profissionais estejam capacitados a reconhecer as fragilidades emocionais das mães, a fim de melhor acolhê-las e orientá-las na difícil missão de vida que é criar um filho autista.(12) Portanto, fica evidente a importância de se avaliar o estado psicossocial das mães de crianças diagnosticadas com TEA.
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2. Metodologia
Trata-se de um estudo transversal de natureza quantitativa com amostra não probabilística. A pesquisa foi feita na Associação Norte Mineira de Apoio ao Autista (ANDA), entidade de assistência multidisciplinar gratuita para crianças e jovens portadores de TEA, até os 18 anos, situada na cidade de Montes Claros, MG, Brasil. O público-alvo foram as 100 (cem) mães de filhos com diagnóstico do TEA atendidos de forma ativa por essa associação no período do estudo.
O projeto deste trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, das Faculdades Unidas do Norte de Minas, com parecer de aprovação de número: 5.676.08.
Para o levantamento dos dados foram utilizados os questionários validados “Questionário de Estresse para Pais de Crianças com Transtornos do Desenvolvimento (QE-PTD)”, “Instrumento de avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL)” versão em português e um questionário desenvolvido pelos autores para levantar dados referentes à abordagem da saúde mental das mães por parte dos profissionais de saúde.
O QE-PTD apresenta 32 itens divididos em 4 fatores (I: incapacidade da criança, II: problemas familiares, III: restrições comportamentais e IV: sobrecarga emocional), no qual o participante deve pensar no filho com atraso de desenvolvimento durante o preenchimento com as opções Verdadeiro (V) ou Falso (F) em cada item.
O WHOQOL versão em português trata-se de um questionário com 24 perguntas separadas por 6 domínios (físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, ambiente e aspectos espirituais) e mais 2 perguntas introdutórias sobre qualidade de vida geral. Deve ser respondido marcando uma das cinco opções de resposta apresentadas para cada pergunta, ou seja, é utilizado uma escala de Likert.
Os dados foram obtidos por meio de aplicação online dos questionários, via Google Forms. As mulheres foram abordadas e convidadas a participarem pessoalmente na ANDA ou de forma virtual no grupo do WhatsApp em que participam com a fundadora da associação. A coleta dos dados aconteceu nos meses de janeiro e fevereiro de 2023.
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3. Desenvolvimento e discussão
As implicações psicossociais de uma maternidade atípica, quando se tem um ou mais filhos com diagnóstico de TEA, puderam ser observadas pelas respostas aos questionários que abordaram desde os fatores estressores ao se ter um filho com TEA até a interrogação sobre fatos cotidianos que mensuram a qualidade de vida atual de cada participante. Foram obtidas 34 respostas aos questionários. A idade das participantes variou de 24 a 54 anos e a idade média foi de 35 anos. O número de filhos variou de 1 a 6 e o número de filhos com autismo variou de 1 a 2.
A renda familiar é um fator de grande repercussão. Nesse estudo, 74,4% das mulheres entrevistadas declararam renda familiar de até um salário-mínimo e nenhuma afirmou renda superior a três salários. Esse achado condiz com o esperado, uma vez que a pesquisa ocorreu entre assistidas por uma associação beneficente que presta atendimento gratuito às famílias com incapacidades financeiras para arcar com o tratamento multiprofissional para seus filhos autistas.
O domínio de análise do ambiente mostrou que 61,8% das entrevistadas disseram ter insuficiência financeira para as necessidades, incluindo “nada” ou “muito pouca” oportunidade de lazer. Estudos prévios mostram que os gastos de famílias com filhos com diagnóstico do TEA são ainda maiores que os convencionais, devido ao alto custo do tratamento com equipe multidisciplinar capacitada.(6,13,14,) Outro estudo ainda traz a importante influência da condição financeira, mostrando que ela é inversamente proporcional ao nível de ansiedade e depressão das mães, ou seja, quanto menor a renda, maior o acometimento emocional.(11)
As incapacidades adaptativas das crianças foram fatores de estresse importantes. As genitoras demonstraram preocupação com quem irá cuidar de seus filhos no futuro, mais da metade (55,9%) julgam limitados os tipos de trabalhos que eles poderão exercer e todas elas (100%) se preocupam com o que irá acontecer com o filho à medida que ele ficar mais velho, mostrando-se uma angústia embasada nas limitações desses indivíduos de auto provimento financeiro.(15) Tal preocupação está proporcionalmente associada ao nível de suporte necessário à criança e à gravidade dos sintomas do TEA, sendo demonstrado por pesquisas que indicam menor estresse materno tanto quando o filho possui um fenótipo sintomatológico mais tênue, tanto quando ele consegue frequentar escola regular em detrimento de escola especial. Ou seja, o estresse aumenta quando as habilidades sociais são reduzidas e os problemas comportamentais do filho são maiores.(8, 16, 17, 18, 19) Ademais, a maioria das entrevistadas (61,8%) diz ser difícil se comunicar com o filho e 58,8% que eles são superprotegidos. Essas preocupações maternas parecem justificadas por um estudo desenvolvido na Itália e publicado em 2020 que avaliou de forma retrospectiva 110 pessoas autistas por meio de entrevista aos seus familiares e concluiu que, de fato, persistem ao longo de toda a vida desses pacientes algumas incapacidades significativas nos âmbitos profissional, de amizades, de relacionamentos e escolaridade (20). Em contrapartida, ficou evidente que houve grande avanço nos parâmetros de linguagem, sendo que a maioria dos participantes atingiram linguagem expressiva bem estruturada. Já sobre a autonomia, foi discutido que quando a postura é de superproteção por parte dos pais, poucos avanços os filhos atingem.(20) Aqui se inclui a necessidade de orientação materna quanto ao manejo com as crianças autistas, para que elas adquiram as habilidades sociais e intelectuais necessárias ao desenvolvimento pessoal, minimizando a superproteção e evitando uma dinâmica mãe-filho disfuncional que afete negativamente a saúde mental da mãe e/ou agrave o distúrbio da criança devido à falta de estímulo à sua independência.(13)
Outro fator relevante é a coexistência entre o diagnóstico de TEA e de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), sendo nesse estudo a incidência de 52,9% de coexistência. Quando um filho possui um transtorno comórbido, o estresse parental aumenta devido a uma clínica mais grave e à necessidade de maior suporte, especialmente quando há predomínio de sintomas hiperativos e impulsivos, demandando dos pais estratégias específicas para o acompanhamento dessa criança ou quando existe o componente da agitação, levando o filho a expor-se a situações de riscos ou a ficar suscetível a julgamentos externos. (16, 21) Tais fatores tendem a cursar com isolamento social dessa família e sobrecarga para os cuidadores, em especial para a mãe pois pesquisas mostram que também diante do diagnóstico de TDAH as mães cursam com maior senso de impotência em relação aos pais, às custas de sentirem-se responsabilizadas pela possível má criação da criança, somado ao cansaço físico, tensão emocional e preocupação com o prognóstico e futuro do filho. Mas independente do diagnóstico ser único ou comórbido, quando há apoio social importante, a adaptação familiar é melhor e a sobrecarga é reduzida.(21, 22)
Possíveis problemas familiares em se ter um membro autista não pareceram evidentes ou significativos nas respostas coletadas, já que 88,2% das mães responderam que a família concorda entre si com as “coisas importantes” e 50% que o núcleo familiar continua interagindo junto mesmo após o diagnóstico de TEA de uma das crianças. Porém, 52,9% afirmam restrições de locais para a família se divertir quando o autista está presente. Reflexão importante está no fato de que a falta de atividades de lazer disponível e adaptada para o autista sobrecarrega a família, pois essa se torna a principal e talvez única provedora de relações sociais do paciente.(15)
Além disso, há pesquisas que mostram que essa diminuição das oportunidades de diversão como viajar nas férias e jantar fora tem um impacto familiar considerável devido ao comportamento imprevisível do autista em público.(18, 19, 23) Situação semelhante ocorre com a educação desses indivíduos, que na dificuldade para encontrar escolas regulares totalmente aptas a recebê-los e escolarizá-los, a tarefa de complementar a educação regular recai com maior intensidade sobre as mães.(15, 20)
Outro olhar sobre possíveis impactos familiares, mas que não foi possível ser averiguado nesse estudo por não ser abordado nos questionários, é a perda da preocupação com as individualidades de cada membro familiar. Um estudo de 2012 diz que a família abandona sonhos anteriores e expectativas para o futuro quando um dos filhos recebe o diagnóstico de TEA, e comprova que isso gera falha de comunicação entre os membros e que eles se tornam menos receptivos às necessidades particulares uns dos outros, priorizando somente as necessidades da criança autista, criando, pois, uma tensão familiar que afeta sobretudo a matriarca.(23) Por outro lado, membro com TEA, apesar dos estressores, pode levar a resultados positivos como uma benéfica reestruturação familiar devido ao senso de coerência e união desse lar que surge em prol de ajudar aquela criança, fazendo com que essas famílias incorporem o gerenciamento da condição atual, adaptando essa nova rotina ao cotidiano.(6, 19)
Quando abordadas as restrições comportamentais das mães fica perceptível que elas possuem, de fato, limitações quanto à socialização e realizações pessoais, reportando ser difícil relaxar e o fato de estarem sempre cansadas, mesmo que a maioria negue que tomar conta do filho seja fonte de estresse. Além disso, 88,2% constantemente se sentem tristes, somente 32,9% conseguem visitar os amigos com frequência e 82,4% afirmaram desistir de coisas que almejavam realizar para cuidar do filho. Nenhuma informou a alternativa “muito satisfeita” acerca da capacidade de trabalho, inferindo concordância com as 82,4% que desistiram de realizações pessoais para cuidar do filho. Um dado interessante foi o obtido em um estudo de 2017 que demonstrou que as mães que não trabalham fora de casa ou aquelas com baixa renda se sentem mais eficazes e possuem mais expectativas sobre o filho com TEA, pois elas passam maior tempo se dedicando ao filho, se cobram menos e estimulam mais a criança.(20) Mas, em contraponto, se encerram suas atividades trabalhistas, diminuem a condição financeira do lar e consequentemente as condições de melhores terapias para o filho, o que lhes geram angústia. Por outro lado, se ela opta ainda assim por trabalhar fora, precisa aumentar suas horas de atuação para atender às maiores exigências financeiras ou precisam contar com o entendimento do empregador sobre as necessidades de flexibilização de horários que muitas vezes um filho com TEA exige.(14, 15)
Somado a isso, outro quesito que afeta essas mães é a remuneração que chega a ser 35% menor em comparação às mães de pacientes com outras limitações de saúde e 56% menor que a de mães de filhos típicos.(15) Em resumo, na maioria das vezes, as mulheres se desvinculam de suas carreiras e perdem o poder aquisitivo ou, em outro cenário, são elas que aumentam as horas de trabalho associado aos deveres do lar, o que resulta em maior comprometimento psicossocial em comparação aos pais ou a outros familiares.(23)
Ao se abordar a sobrecarga emocional, a condição de desenvolvimento atípico do filho não se mostrou um fator de influência unânime, uma vez que mais da metade (67,6%) assinalaram não se sentir incomodadas com a condição de TEA da criança e 70,6% admiram a confiança da prole, ou seja, sentem orgulho dos próprios filhos. Esse dado, somado aos demais colhidos nesse estudo e aos encontrados em literatura, traduz que não é a criança em si que gera um peso emocional para as mães, mas sim as preocupações com o seu desenvolvimento e adaptação.(13, 15, 19) O filho em questão é visto como um ponto positivo para as mães devido ao singular afeto que resulta dessa relação. O que gera a sobrecarga são as demandas atípicas e inesperadas que essa criança apresenta e as demandas adicionais externas a ela, levando a problemas cumulativos que “pesam” no dia a dia.(18) Ou seja, são os desafios da maternidade atípica que impactam negativamente na saúde mental dessas mães, muito em função da falta de estrutura familiar, financeira e autoconfiança em lidar com a condição do filho.(19)
A investigação do domínio psicológico elucidou comprometimento às custas de diminuição da autoestima e da presença de sentimentos negativos, pois somente uma minoria considerou a autoestima muito boa (5,9%) e a maioria (73,5%) alegou nada, muito pouco ou média aceitação da aparência física. Um estudo brasileiro de 2009 sugeriu que a baixa autoestima tem relação com os conflitos conjugais decorrentes das incongruências quanto à percepção das limitações do filho autista, ou seja, que esses desentendimentos conjugais levam a mulher a deturpar a visão da própria imagem(22). Somado a isso tem-se que 70,5% das participantes possuem sentimentos negativos (como mau humor, desespero, ansiedade, depressão) com frequência, muita frequência ou sempre. E que 73,5% não fazem acompanhamento com psicólogo ou psiquiatra, mas quase a totalidade (94,1%) manifestou desejo de que sua saúde mental fosse abordada. Esses pensamentos negativos podem ser secundários às responsabilidades e preocupações com a assistência necessária ao filho.
Ao serem indagadas sobre como se encontra a qualidade de vida geral, a prevalência fica dividida entre as 47,1% que declararam boa e as 38,2% que declararam mediana. Já as respostas em relação à satisfação com a saúde foram bem heterogêneas, apresentando-se 35,3% insatisfeitas, 23,5% nem satisfeitas nem insatisfeitas, 23,5% satisfeitas e 14,4% muito insatisfeitas. Esse baixo índice de satisfação pode condizer com a baixa renda das participantes que resulta em menor acesso à saúde, bem como com o desejo das 94,1% de terem maior abordagem de sua saúde mental. E a dificuldade de acesso aos serviços de saúde tanto para elas, quanto para os filhos é, comprovadamente, um preditivo que diminui a qualidade de vida e aumenta a ansiedade.(15) Em associação, a abordagem do domínio nível de independência mostrou que 41,2% julgaram que precisam bastante de algum tratamento médico para “levar a vida”, apesar de não ter sido mensurado quantas realmente fazem esse acompanhamento médico.
A respeito do domínio físico, evidenciou-se que a saúde das genitoras está prejudicada, sendo a dor física um fator que atrapalha as atividades diárias “bastante” (29,4%) ou “maio ou menos” (38,2%) para a maioria, corroborado com o dado de que 73,6% das mulheres alegam, “média” ou “muito pouca” energia suficiente ao longo do dia. Em complemento, nenhuma anunciou que o sono é muito satisfatório. Além disso, 23,5% estão insatisfeitas com a própria capacidade de desempenhar atividades no dia a dia. Essa insatisfação é explicada por um estudo que discutiu que essas mães gastam significativamente mais horas do dia cuidando do filho autista e menos tempo com outras atividades, especialmente as de autocuidado, com a casa ou com atividades rentáveis em comparação com outras mães de filhos sem nenhum comprometimento.(14)
No tocante às relações sociais, 38,2% anunciaram-se satisfeitas, seguido por 26,5% nem satisfeitas nem insatisfeitas. Não se trata da maioria, mas é perceptível que uma parcela considerável (32,3%) não está satisfeita com o apoio que recebe dos amigos. Isso porque a forma como a sociedade olha para a criança autista é dolorosa para os pais, sendo esse núcleo familiar excluído de certas socializações pelos estereótipos autistas pouco aceitos e compreendidos mesmo pelas pessoas mais próximas.(7, 13, 18) Os pais desejam passar mais tempo com amigos e família, mas a estigmatização do desenvolvimento atípico do filho resulta em poucos laços sociais remanescentes, o que intensifica a validação de tentar explanar a divulgação do TEA para que a sociedade seja também uma rede de apoio e tratamento para as cuidadoras.(7, 13, 23) Inclusive, mães que sentem que suas famílias as apoiam, possuem percepções mais positivas da própria maternidade.(8, 16, 17) Como o autismo se conceitua pelo prejuízo na comunicação e nas interações sociais, essas restrições acabam por refletir na família.(14) É nesse contexto que o grupo de amigos muda e passa a ser também pais atípicos que acabam se unindo pelos pensamentos, perspectivas e ritmo de vida em comum.(23)
Quanto à vida sexual, as respostas encontram-se divididas. Chamou a atenção apenas uma das 34 participantes apresentar-se satisfeita com a vida sexual. Observou-se escassez na literatura quanto à qualidade da vida sexual dessas mães, apesar de ser um fator de muita relevância para se analisar a qualidade de vida desse grupo. As publicações abordam que esses relacionamentos conjugais estão expostos a mais estressores diários, e que diante do fato de recair sobre a mulher as maiores responsabilidades do lar, cresce nela uma insatisfação com o cônjuge que acaba por desgastar o casamento inclusive nas relações íntimas.(23) Um estudo apresenta que tanto os pais quanto as mães de autistas relatam uma deterioração na satisfação conjugal.(8)
Em relação à crença, observou-se que 32,4% das participantes são espiritualmente satisfeitas e 29,4% muito satisfeitas com a espiritualidade. Foi percebido, então, que apesar de uma espiritualidade “forte”, os pensamentos negativos não deixam de acontecer, muito às custas, segundo a literatura, da desesperança sentida por muitas mulheres em decorrência das expectativas pessimistas sobre o futuro delas e do filho autista.(8, 18) Fato comprovado por um trabalho que mostrou menos solidão e maior satisfação com a vida quando o pensamento esperançoso está presente no cotidiano dessas mães.(7) Em contraponto, outro artigo iraniano afirma que as práticas religiosas corroboram no ganho de resiliência em lidar melhor com a condição da criança, sendo aliadas nesse enfrentamento.(6) Esse é um domínio a ser abordado junto a essas mulheres como um ponto de melhora para as perspectivas psicossociais.
Por fim, ao se indagar sobre a abordagem dos profissionais quanto à saúde mental das mães, 38,2% das participantes acham que os profissionais que atendem seus filhos não se importam com sua saúde mental, somando a 94,1% que gostariam que sua saúde mental fosse abordada, evidenciando o anseio das mulheres em receberem maior apoio do profissional de saúde. Nesse contexto, há estudos que trazem o conceito de competência parental e explicam que se trata do julgamento que os pais fazem acerca do modo como lidam com as responsabilidades em relação ao filho, e comprovam que pais que se percebem mais eficazes relatam menos estresse. E essa maior eficácia é denotada quando há apoio familiar e quando o profissional da saúde reforça que os pais estão fazendo o certo e o melhor pelos próprios filhos, confirmando a singular importância de se abordar e apoiar as preocupações e angústias das cuidadoras.(16, 17, 22) E as limitações financeiras e de tempo para o autocuidado fazem com que as mães não procurem ajuda para si. Por isso, a equipe assistente da criança precisa reconhecer e intervir nas emoções negativas das mães e direcioná-las para um tratamento, pois esses profissionais possuem uma oportunidade estratégica de abordar a saúde mental e ajudar a minimizar a exaustão, por meio de acolhimento, escuta, apoio, informação e orientação em relação às questões que envolvem a maternidade atípica.(13, 18, 23)
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4. Considerações finais
Fica perceptível nesse estudo que não é o filho autista que gera diretamente o estresse, mas sim as preocupações com o cuidado, o desenvolvimento saudável, as incapacidades adaptativas, a sobrecarga de afazeres e a falta de apoio, os principais fatores de esgotamento físico e mental.
Receber o diagnóstico de TEA, por si só, já é uma sobrecarga emocional, porém se torna mais reconfortante para as cuidadoras quando o diagnóstico é seguido de um plano terapêutico esclarecedor, orientações profissionais, auxílio familiar e uma comunidade preparada para receber a criança com TEA com dignidade, inclusão e sensibilidade.
É cabível, pois, aos profissionais de saúde e sociedade conhecer para então amparar e apoiar, sempre que possível, as necessidades dessas mães. A permanente conscientização e capacitação é um meio de preparar os diversos profissionais a abordarem, em toda oportunidade viável, as questões psicossociais dessas mulheres como forma de identificar fragilidades emocionais e fortalecer as orientações necessárias a fim de criar habilidades adequadas de enfrentamento. Quanto à sociedade, vale a divulgação acerca da quebra de estereótipos sobre os autistas, mostrando que o desenvolvimento atípico não é passível de preconceito, e que as mães necessitam de apoio e auxílio em detrimento de julgamentos.
Há espaço para se ampliar a explanação da saúde mental e qualidade de vida desse grupo por meio de pesquisas científicas. Poucos são os estudos que se dedicam a aprofundar nas consequências do TEA sobre a vida pessoal das mães. Ainda mais limitadas são as investigações e propostas de intervenção que abordam questões como vida sexual, autoestima, religiosidade e capacidade de socialização dessas mulheres. Afinal, um tratamento mais efetivo do indivíduo com TEA deve perpassar por amparar também a sua principal cuidadora, já que a saúde mental dela impacta diretamente na criança.
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5. Declaração de direitos
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Centro Universitário Funorte, Montes Claros, Brasil
Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros, Brasil
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