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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

O ensino dos conceitos iniciais de geometria analítica por meio do jogo batalha naval

Franciele Machado Lopes Netto1

 

Como Citar:

NETTO; Franciele Machado Lopes. O ensino dos conceitos iniciais de geometria analítica por meio do jogo batalha naval. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.1559-1576, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202410917

 

DOI: 10.61411/rsc202410917

 

Área do conhecimento: Ciências Naturais

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Sub-área: Matemática.

 

Palavras-chaves: Ensino da matemática; Geometria analítica; Ludicidade; Jogos; Batalha naval.

 

Publicado: 20 de março de 2024

Resumo

O artigo apresenta discussões sobre a aplicação do Jogo Batalha Naval como recurso didático para a introdução ao conteúdo de geometria analítica numa turma de terceiro ano regular do Ensino Médio da rede estadual, no município de Serra/ ES. As atividades propostas envolveram a ludicidade, priorizando a participação do aluno, a aprendizagem em grupo e seu protagonismo na construção do conhecimento. Para facilitar o entendimento dos alunos, tendo em vista as dificuldades encontradas pelos estudantes na assimilação de geometria analítica, foi estruturado um plano de aula direcionado a introdução dos conceitos iniciais com o uso do jogo Batalha Naval e atividade com questões associadas à ocorrência da prática executada em sala de caráter qualitativo. O plano foi desenvolvido em cinco aulas, os discentes participaram do desenvolvimento de forma relevante e as dificuldades encontradas durante às aulas foram sanadas com o auxílio de colegas e a mediação do professor. ​​ Ao final da aplicação constatamos a satisfação dos alunos à compreensão do assunto, criação de estratégias e raciocínio lógico. Ressaltando a importância da inserção de recurso didático para o ensino de geometria analítica, processo indutor de interesse e motivação, possibilitando aos discentes a autonomia na construção do seu conhecimento.

 

 

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1. Introdução

São muitas as dificuldades no ensino e aprendizagem da álgebra e geometria, principalmente na introdução de ambas que ocorre no Ensino Fundamental, estendendo-se ao Ensino Médio. O entendimento algébrico e geométrico torna-se insignificante para os sujeitos inseridos no processo de ensino provavelmente devido à forma abstrata com que os professores costumam construir tais conteúdos [6].

A álgebra passou a fazer parte do currículo do Brasil, a partir de 1799, e até o início de 1960 seu ensino era feito de forma mecanizada, reprodutiva e tinha função de resolver equações e problemas por meio de números e letras, nesse cenário, a matemática escolar era dividida, ou seja, a álgebra era dissociada da aritmética e da geometria [6].

Existe uma dicotomia histórica entre o ensino de álgebra e geometria, o Movimento da Matemática Moderna na década de sessenta, evidenciou como um de seus propósitos, unificação dos três campos fundamentais da matemática, aritmética, Álgebra e Geometria [6].

A união entre os eixos pretendia finalizar com a fragmentação e mecanização ao lecionar os conteúdos, porém com o movimento da matemática, deixou de constituir o propósito, deslocando-se para a álgebra um lugar de destaque, processo justificado pelos avanços da matemática devido ao processo algébrico [6].

Conforme os autores, o trabalho do professor quando planejado de forma que venha desafiar os educandos, com utilização de jogos e brincadeiras, conduz-se para motivação da aprendizagem, facilitando o processo de ensinar, sendo o material concreto um estímulo e este está presente no desenvolvimento da criança e do adulto.

Para minimizar as dificuldades encontradas a inserção de assuntos algébricos e geométricos devido à fragmentação dos temas, abstração, compreensão das figuras e letras, decorreu a apresentação ao ensino introdutório de Geometria Analítica mediante o auxílio de recurso didático.

Utilizamos nesse artigo o jogo como recurso didático, sendo a conceituação de Recurso Didático todo material utilizado como auxilio no ensino e aprendizagem do conteúdo proposto para ser aplicado pelo professor a seus alunos [9].

Nesta compreensão, dependendo da metodologia utilizada no processo de ensinar matemática, a disciplina pode se tornar para o educando uma disciplina importante e merecedora de atenção ou apenas uma disciplina curricular, sem aplicabilidade no cotidiano. Por isso se faz tão importante à adesão de diferentes recursos de aprendizagem, de acordo com cada tema abordado, visando o enriquecimento das aulas e maior engajamento dos educandos.

Propositalmente foram utilizados no contexto de aplicação dois conteúdos que se apresentam na educação básica de modo fracionado, a álgebra e a geometria, a fim de apresenta-los aos alunos de maneira associada, sequencial e contínua.

O objetivo desse artigo é discutir o resultado após a aplicação do jogo Batalha Naval como recurso didático para o conteúdo de Geometria Analítica, e verificar se o uso de jogos no ensino e aprendizagem da matemática traz contribuições significativas no ensino, além de podermos constatar o contentamento dos educandos ao dispor dessa experiência.

É importante destacar que, as discussões desse artigo fazem parte do trabalho de conclusão de curso de especialização Ensino de Matemática para o Ensino Médio – Matemática na Prática, oferecido pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB).

 

2. Referencial teórico

Em análise histórica podemos discorrer como sendo o século XIX o início da introdução do estudo algébrico na educação secundária. A álgebra adveio para compor um conjunto de componentes curriculares no formato de aulas avulsas conforme os demais eixos de Aritmética, Geometria e Trigonometria [6].

No entanto em 1932 ocorreu à reorganização dos eixos, sucedendo a denominação do termo “Matemática”, consequência da unificação dos componentes curriculares. Conforme [6]:

[...] o início do século XIX quando, pela primeira vez, é introduzido o estudo da Álgebra no ensino secundário brasileiro. Juntando-se às tradicionais cadeiras de Aritmética, Geometria e Trigonometria, formaria com elas um conjunto de componentes curriculares cujos conteúdos, somente, em 1931, com a reforma Francisco Campos, receberiam a denominação comum “Matemática” (MIGUEL; FIORENTINI; MIORIM, 1992, p. 39).

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Analisamos que no período citado já ocorria à fragmentação dos conteúdos e mesmo com a junção das áreas, ainda persiste em alguns cenários da educação tal situação no ensino da matemática sendo os assuntos ministrados de maneira dissociada. Após a reforma a divisão entre os eixos permaneceu, acontecia um descaso dos pesquisadores pela Álgebra, como ressalta [6]:

[...] voltarmos a nossa atenção para os aspectos quantitativos desta produção, e mais particularmente para os trabalhos ditos de pesquisa, veremos que dentre as mais de 150 teses e dissertações de mestrado ou doutorado produzidos no Brasil entre 1972 e 1990, tendo como objetivo de pesquisa a educação matemática, 9 têm como preocupação básica o ensino da Aritmética, 8 o ensino da Geometria e nenhuma o ensino da Álgebra Elementar (MIGUEL; FIORENTINI; MIORIM, 1992, p. 39).

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O ensino da Geometria ao final da década de 70 suscitou preocupações dos professores de matemática nas etapas de primeiro e segundo graus, devido a denominação de “o abandono da geometria” para alguns profissionais da área, contudo a preocupação com o ensino geométrico retoma a outro “abandono”, algébrico, e segundo [6]:

​​ A partir do final da década de 70, a comunidade de educadores matemáticos brasileiros passou a preocupar-se mais efetivamente com o ensino da geometria em nível de 1º e 2º graus. Essa atitude pode, talvez, ser compreendida como uma resposta ou reação à notória constatação daquilo que tem sido chamado por alguns professores e pesquisadores de “o abandono do ensino da Geometria”. Inúmeras razões têm acompanhado a denúncia desse abandono e não temos aqui a intenção de retomá-las, mas sim de, num primeiro momento, detectar com base nos dados acima, um segundo “abandono”: o do ensino da álgebra (MIGUEL; FIORENTINI; MIORIM, 1992, p. 40).

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Destacamos que o abandono citado pelos autores não está referido sob a ausência de conteúdo, mas está relacionada à maneira mecanizada e automatizada do qual os assuntos são abordados, sem ocorrência de reflexões críticas e dissociado de qualquer significação.

Dentre as diversas tentativas de organização dos eixos curriculares do ensino secundário de modo seriado na fase imperial, ainda se destacava a ordenação: Aritmética, Álgebra e Geometria [6].

Constatamos nesse estudo que a fragmentação dos componentes curriculares esteve nos processos educacionais, ora para um eixo ser relevante outro precisaria deixar de ser significativo. A geometria já estava incluída ao eixo curricular quando a álgebra foi inserida, no entanto com o episódio do movimento modernista foi substituída pela álgebra, sustentando a dicotomia do período, persistindo a dissociação entre os conteúdos matemáticos, ressalta [6]:

Portanto, com o movimento modernista, os conteúdos geométricos deixam de ser vistos como potencialmente ricos quer pelo seu valor cultural, quer pela sua capacidade intrínseca de possibilitar a percepção, organização e sistematização da experiência espacial dos estudantes [...] (MIGUEL; FIORENTINI; MIORIM, 1992, p. 48).

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Posteriormente ao diagnóstico histórico da fragmentação dos conteúdos matemáticos em destaque o algébrico e geométrico, salientamos nesse contexto o motivo das dificuldades existentes de alunos e alguns professores na união dos conteúdos matemáticos, conforme descreve [6]:

As dificuldades encontradas por alunos e professores no processo ensino-aprendizagem da matemática são muitas e conhecidas. Por um lado, o aluno não consegue entender a matemática que a escola lhe ensina, muitas vezes é reprovado nesta disciplina, ou então, mesmo que aprovado, sente dificuldades em utilizar o conhecimento "adquirido", em síntese, não consegue efetivamente ter acesso a esse saber de fundamental importância.

O professor, por outro lado, consciente de que não consegue alcançar resultados satisfatórios junto a seus alunos e tendo dificuldades de, por si só, repensar satisfatoriamente seu fazer pedagógico procura novos elementos - muitas vezes, meras receitas de como ensinar determinados conteúdos - que, acredita, possam melhorar este quadro (FIORENTINI; MIORIM, 1990, p.1).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática para o Ensino Médio (2000), descreve na redação do seu texto sobre a fragmentação e sua responsabilidade ao fracasso escolar do estudante, destacando a falta de significados no processo de ensino quando ocorre a dissociação entre as conceituações dos conteúdos e o déficit no processo de ensino e aprendizagem ocasionando transtornos adversos ao seguimento educacional. Fato sustentado por acreditar que o aluno seja autônomo na capacidade de junção das áreas desconectadas, porém as análises demonstram a invalidade dessa proposição.

Pois, se os conceitos são apresentados de forma fragmentada, mesmo que de forma completa e aprofundada, nada garante que o aluno estabeleça alguma significação para as ideias isoladas e desconectadas umas das outras. Acredita-se que o aluno sozinho seja capaz de construir as múltiplas relações entre os conceitos e formas de raciocínio envolvidas nos diversos conteúdos; no entanto, o fracasso escolar e as dificuldades dos alunos frente à Matemática mostram claramente que isso não é verdade (BRASIL, 2000, p. 43).

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O estudo da geometria analítica proporciona aos alunos conhecimentos algébricos e geométricos, apresentando aos discentes as relações dos eixos matemáticos e melhor compreensão ao assunto estudado, destacam [5]:

Para os alunos hoje em dia não basta apenas ter acesso à matemática, é necessário mostrar a eles a sua real aplicabilidade. Para que os discentes se apropriem dos conceitos básicos dessa ciência, é preciso desenvolver o raciocínio lógico, a dedicação e, acima de tudo o interesse de quem ensina e de quem é ensinado (GUIMARÃES et al., 2014, p.2).

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O jogo inserido nas aulas, metodologicamente planejado como recurso didático facilita o processo de ensino e aprendizagem, pois o aluno assimila a teoria do conteúdo de maneira simples e descontraída. Nesse cenário o discente está preparado para a recepção de questões complexas pois adquiriu os saberes necessários para progressão do estudo através de significações e participação na construção de seu conhecimento, segundo [5]:

O uso do material concreto, recurso didático, pois facilita a aprendizagem, possibilita ao aluno a visualização e maior compreensão dos conteúdos, assim relacionando ao seu cotidiano os conceitos matemáticos. Deve-se confiar na capacidade em construir conjuntamente meios significativos que despertem acima de tudo a sua participação (GUIMARÃES et al., 2014, p.4, grifos nossos).

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O jogo auxilia o processo de aprendizagem em diversas áreas da educação, no entanto na matemática desempenha um papel importante na significação de seus conteúdos e possibilita o desenvolvimento social dos educandos, conforme afirma [5]:

A proposta de um jogo em sala de aula é muito importante para o desenvolvimento social, cognitivo, intelectual e emocional, pois existem alunos que se “fecham”, tem vergonha de perguntar sobre determinados conteúdos e de expressar suas dúvidas, onde a matemática se torna um problema para eles (GUIMARÃES et al., 2014, p.5).

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A utilização dos jogos na prática educativa é um dos diversos recursos favoráveis ao processo educacional, ensino e aprendizagem, porém precisam ser planejados para não ocorrer o jogar sem a intenção pedagógica. Quando selecionarmos um recurso, precisamos refletir sobre o perfil do aluno ao qual pretendemos formar, o histórico da escola e a metodologia para o ensino da matemática significativa para esse educando. De acordo com [5]:

O professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. A simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não garante uma melhor aprendizagem desta disciplina (FIORENTINI; MIORIM, 1990, p. 2).

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Ressaltando a interação com o outro, como descrito no Currículo Estadual do Espírito Santo (2009), constituiremos indivíduos ativos no processo de construção do seu conhecimento, capazes de argumentar e fazer críticas diversas sobre as concepções desenvolvidas por intermédio das atividades propostas, onde evidenciamos a importância da apropriação de conhecimentos para concretizar a aprendizagem.

É necessário que o aluno se aproprie do conhecimento envolvido, desenvolvendo habilidades que lhe permitam pôr a prova os resultados, testar seus efeitos, comparar diversos caminhos para obter a solução, o que exige que saiba argumentar sobre os procedimentos desenvolvidos (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 112).

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A práxis inserida ao ensino da matemática é descrita como a finalidade da construção do Currículo estadual, as ações diversificadas ao ensinar conteúdos abstratos proporcionam aos inseridos no processo educacional, autonomia, criticidade e criatividade, evidenciamos o [3]:

Colocar os alunos frente a diversos tipos de experiências matemáticas, como resolver problemas, realizar atividades de investigação, desenvolver projetos e atividades que envolvam jogos e ainda resolver exercícios que proporcionem uma prática compreensiva de procedimentos, e a meta desta proposta (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 111).

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Em outros momentos, o mais importante não será o material, mas sim a discussão e resolução de uma situação-problema ligada ao contexto do aluno, ou ainda, a discussão e utilização de um raciocínio mais abstrato [4].

O jogo Batalha Naval utilizado como auxílio no processo de aprendizagem intenta reduzir dificuldades encontradas ao estudar o plano cartesiano e a formalidade contida nesse conteúdo, além de oportunizar o raciocínio matemático [8].

Conjuntamente o jogo Batalha Naval possibilita princípios algébricos e geométricos significativos, como as representações de quadrantes, pontos sobre o plano, distância entre pontos, coordenadas para representação dos pontos, dentre outros assuntos relevantes na abordagem do conteúdo.

Evidenciamos as contribuições através da atividade proposta, onde enfatizamos a concretização da aprendizagem e construção do conhecimento algébrico e geométrico, significação na utilização das letras associadas à figura na matemática dispondo do jogo Batalha Naval como recurso didático.

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3.Metodologia ​​ 

A atividade foi realizada numa turma de 3ª Série do Ensino Médio na Unidade de Ensino Estadual, “EEEFM Getúlio Pimentel Loureiro”, localizada em Serra/ES, de 03/10 a 24/10/2018, onde participaram todos os alunos do turno noturno, a aplicação do projeto perdurou cinco aulas, ou seja, 5 horas/ aula.

A turma apresenta dez alunos matriculados, porém a frequência escolar é mínima, a maioria dos alunos apresentam dificuldades nos conhecimentos básicos da educação matemática, nas operações de multiplicação e divisão, e também no entendimento do significado das letras.

Primeiramente, foi apresentado o jogo Batalha Naval em conjunto suas regras aos estudantes podendo adequar aquelas que são de interesse dos mesmos, como quantidade de jogadores, número de bombas a serem construídas no interior dos quadrados e demais alterações que poderão surgir durante a proposta da atividade.

Dialogamos sobre os objetivos de aplicação da atividade, como a turma é composta pelos mesmos alunos do ano anterior e estes acompanharam a aplicação de outras atividades da especialização, todos estavam cientes que a proposta consistia para um trabalho de conclusão de curso.

A turma foi separada em grupos de quatro alunos, divididos dois a dois, sendo uma dupla sentada de frente para outra. Após essa organização foi entregue a cada dupla uma cartela em branco para marcar seu jogo, o tabuleiro em branco para que os discentes preenchessem com as embarcações e um tutorial impresso com as regras do jogo a fim de que os alunos compreendessem o jogo informal, como disposto no plano de aula inicial.