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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

A profissionalização docente e as suas adversidades

Fernanda Arantes Moreira1; Juraci Lourenço Teixeira2; Tãnia Maria Costa de Souza3

 

Como Citar:

MOREIRA, Fernanda Arantes; TEIXEIRA, Juraci Lourenço; DE SOUZA, Tânia Maria Costa. A profissionalização docente e as suas adversidades. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.4031-4039, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202474017

 

DOI: 10.61411/rsc202474017

 

Área do conhecimento: Educação.

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Sub-área: Políticas educacionais.

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Palavras-chaves: Trabalho docente; Precarização; Políticas Educacionais.

 

Publicado: 02 de setembro de 2024.

Resumo

O presente artigo tem como objetivo destacar a questão da profissão docente, sua atuação, condições de trabalho e, demais aspectos que concernentes à sua profissionalização, tais como algumas das políticas públicas educacionais referendadas para os docentes. Abordaremos, também, um fator crucial do ofício docente: a sua formação acadêmico-profissional. Observamos, por meio de uma pesquisa bibliográfica que os professores passam por significativa fragilização do emprego que alude em um processo de precarização do trabalho dos docentes, que está relacionada em especial com a questão da intensificação do seu trabalho, e consequentemente, com o salário do professor. Apesar de obtermos alguns discretos avanços, estamos longe do sucesso escolar público. Assim, esperamos que nosso estudo possa colaborar para fomentar as análises e reflexões sobre a temática e, quiçá, contribuir com a avaliação dos sistemas educativos e as políticas educacionais executadas, com suas lacunas e dificuldades, para a implementação de uma educação pública socialmente referenciada.

 

 

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1.Introdução

Primeiramente, para entendermos o processo de (des)profissionalização docente faz-se necessário, pontuarmos os bastidores que regem a educação brasileira. Vejamos que, a grande operação estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação da esfera da política pública para a esfera do mercado, questionando assim, seu caráter de direito e reduzindo-a a sua condição de propriedade. É nesse cenário que se reconceitualiza a noção de cidadania, por meio de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário e indivíduo que luta por conquistar (comprar) propriedades-mercadorias de diversas índoles, sendo a educação uma delas. O modelo de homem neoliberal é o cidadão privado - o consumidor.

Sob as perspectivas neoliberais, onde os princípios empresariais de livre mercado, flexibilidade e competitividade vão acompanhar as mudanças ocorridas na educação, ela perde o seu status de bem-público, gratuito e de qualidade e assume a condição de um produto a ser comprado, tornando-se o estudante um consumidor/cliente. Este processo de quase-mercado em educação é gradativo e tem como uma das suas consequências, a presença em larga escala da iniciativa privada na educação superior, especificamente, a sua oferta dos cursos de licenciaturas. Em contrapartida, temos a regulamentação e a avaliação do Estado perante esses cursos, em alguns casos até o financiamento público, ou seja, as próprias políticas públicas educacionais incentivam esta lógica perversa de não considerar a educação como um direito de todo o cidadão brasileiro.

Diniz-Pereira (2) em suas análises sobre a formação profissional docente coloca que para uma democracia plena em nosso País é necessário o direito a uma educação de qualidade para todo o cidadão, seja ele ou ela de qualquer faixa etária. Para a garantia deste direito, um dos pilares é justamente o/a professor/a que trabalha na escola pública. Este profissional deve ser contemplado com as condições de trabalho adequadas e salários dignos. Além desses, uma das dimensões cerne na carreira profissional dos professores é o desenvolvimento acadêmico-profissional dessa/desse docente.

Dentro desta lógica neoliberal, visualizamos que a maioria dos cursos de licenciaturas são oferecidos por instituições privadas, tais como, as universidades-empresas, em cursos de Educação a Distância, ou ainda cursos noturnos. Tais cursos de formação de professores, não possuem uma formação sólida e consistente, de carga horária integral, de quatro anos no mínimo e, também não são em universidades que vivenciam o tripé universitário (o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão).

Diante de tal situação Dinniz-Pereira (2) contextualiza que:

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Essa diminuição da oferta de cursos de licenciatura e das matrículas em programas presenciais de formação de professores e o concomitante aumento de matrículas a distância, apesar de ainda pequenos (...), podem indicar uma preocupante tendência no campo: a gradual substituição dos programas presenciais de formação de professoras/es por cursos de Educação a Distância.

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A própria Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) já sinalizou em seu relatório esta situação controversa “a proliferação de cursos de licenciatura a distância no país” (2). É neste contexto, que a formação acadêmico-profissional do docente no Brasil se coloca em voga, com um número reduzido de docentes considerando a relação aluno/professor, que as Tecnologias de Informação e Comunicação proporcionam; com uma acentuada flexibilização curricular e em instituições não universitárias, mas sim em faculdades isoladas ou integradas. Esses docentes universitários, formadores dos futuros professores não possuem dedicação exclusiva e nem carreiras; seus contratos são muitas das vezes emergenciais e temporários, sendo professores horistas.

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2.Desenvolvimento e discussão

Em consonância com a lógica de mercado e do capital, averiguamos nas políticas atuais docentes do Brasil, que são formadas pelo conjunto de políticas públicas educacionais - uma Resolução do Conselho Nacional de Educação de nº 02 de 20/12/2019: a Base Nacional Curricular Comum para a formação inicial de professores da educação básica (BNCC – Formação). Este documento de visão acrítica, simplista e reducionista institui e direciona, atualmente, o currículo das licenciaturas em nosso País.

Observamos, que a “BNCC – Formação” alinha-se com as correntes de pensamento neoliberais e vai ao encontro da mercantilização da educação superior, quando flexibiliza (cursos de licenciatura com três anos de duração) e uniformiza os seus currículos. Essas diretrizes são realizadas sem conhecimento e autorização da sociedade civil organizada, melhor dizendo, sem uma discussão com os atores da educação, ela transforma a formação dos licenciados em meros cursos preparatórios para a sua implementação – uma formação pragmática e mecanicista – contrapondo a formação desses futuros professores de maneira sólida, crítica, emancipatória e em universidades renomadas.

A proposta da “BNCC - Formação” e das diretrizes curriculares que está em pauta responsabiliza o professor como o único e o maior responsável pelo sucesso ou fracasso escolar dos estudantes, ao contemplar apenas a formação inicial e continuada dos professores. Ela não almeja as condições de trabalho, salário e a carreira dos professores e, tampouco, a infraestrutura das escolas. Sendo que, todos esses fatores são essenciais para o fortalecimento do caráter da profissão do professor, para o êxito da profissionalização docente e, consequentemente, sua valorização profissional.

Em sua lógica de “formação de competências”, averiguamos na “BNCC- Formação” dimensões extremamente genéricas, comuns a qualquer profissão, e desarticuladas das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação - PNE (1). Este plano, mesmo vigente, apresenta mais intenções do que princípios, sem um compromisso concreto com sua implementação.

Embora, muita das vezes, temos a sensação de que os Planos Nacionais de Educação (PNEs) estão abandonados, averiguamos, em suas ambas versões, a retórica ​​ da valorização dos profissionais da educação. Nesta direção, o primeiro PNE (1) indicou: “Particular atenção deverá ser dada à formação inicial e continuada em especial dos professores” (1). O plano sinaliza, como um dos elementos prioritários da valorização dos profissionais da educação, a formação inicial e continuada dos professores. Outros documentos oficiais também mencionam sobre este quesito, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9.394/96.

Visualizamos em nosso País, discretos avanços quantitativos, no tocante a formação de professores:

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o percentual de docências ministradas por professores com formação superior adequada à área de conhecimento que lecionam aumentou no período, em relação ao ano que se iniciou a série histórica (2013), chegando em 2021 a 60,7% na educação infantil (antes era 42,2%), 71,2% nos anos iniciais do ensino fundamental (antes, 54%), 58,5% nos anos finais do ensino fundamental (antes, 48%) e 66,6% no ensino médio (antes, 57,8%)”. (6).

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  Sobre a formação continuada dos professores, especificamente, embora a meta de universalizar ainda não foi almejada, houve um aumento significativo: hoje temos 44,7% dos professores da educação básica formados na pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu); o que corresponde a um crescimento de 14,5 pontos percentuais. (6).

 Essa formação docente, com certeza, foi respaldada pela expansão das instituições de educação superior particulares, com fins lucrativos. Basta vermos o crescimento exponencial no Brasil, nos últimos anos da EaD. Giolo (2008 apud Dinniz-Pereira, 2023) cita que a iniciativa privada credenciou “de forma avassaladora” a oferta de cursos de EaD no Brasil.

 Além das questões de formação inicial e continuada dos professores, outros aspectos em suas metas são pontuados em ambas as versões dos PNEs, focados na valorização dos profissionais da educação, tais como: ​​ a garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e preparação das aulas, salários dignos, como piso salarial e carreira do magistério. Podemos analisar que tais metas, no decorrer dos anos estão sempre permeados por singelos avanços rumo ao processo de profissionalização docentes e, em alguns casos até retrocessos.

 Como sinaliza (6): “a profissionalização não é uma linha reta, é uma linha que avança e que recua. Ás vezes, ela transborda. Ela é caótica. Ela é irregular”. O autor referido continua em sua análise que nosso País, com uma vasta extensão territorial, identificamos fortes nuances entre os Estados mais pobres e os mais ricos, com professores em dupla ou até tripla jornada de trabalho, atuando em diferentes instituições escolares, com contratos de trabalho instáveis e desvantajosos (6).

Mensuramos que o processo de precarização do ofício docente, em especial a questão da intensificação do seu trabalho, que está relacionada com nível salarial do professor4. Infelizmente, pouco se tem feito para mudar a realidade da precarização do seu ofício. Em nível nacional, observamos a implantação de um piso salarial para categoria docente, com um valor irrelevante5. Em algumas situações os estados e municípios não pagam o piso salarial nacional dos professores ou o fazem de forma irregular.

Também não observamos uma participação diferenciada e politizada dos professores no cotidiano da escola, com uma carga de trabalho e obrigações que só tem aumentado nos últimos anos fica, difícil de esperar uma participação efetiva dos professores na gestão escolar, sendo recorrente a ausência deles na participação dos fóruns consultivos e deliberativos como o colegiado (4).

Sobre a sua atuação no interior das instituições escolares, umas das pautas no sentido da profissionalização docente é a autonomia em sua prática pedagógica. Não vislumbramos no desenvolvimento de seu ofício, os docentes conferirem um controle dos seus próprios trabalhos, referente aos aspectos concernentes ao seu objetivo e a organização de sua atividade. A administração determina os conteúdos curriculares que deverão ser dados em cada curso, as horas que serão dedicadas a cada matéria. Tais aspectos, não são enfatizados nos PNEs, no sentido de conferir ao docente a capacidade de decidir sobre o seu ofício, ou ainda, qual resultado ele quer almejar, pois já lhes chegam previamente estabelecido. Como por exemplo, o BNCC e as avaliações públicas (6;7).

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3.Considerações finais

Em decorrência dos salários arrochados dos docentes, perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriundas dos processos de reforma do Estado (4); da intensificação do seu trabalho, devido a dupla ou até triplas jornadas as que são submetidos. Juntamente a esses aspectos, averiguamos a diminuição da autonomia do docente para realizar o seu trabalho, pois participam cada vez menos da tomada de decisões educacionais e, também, da falta de valorização social. MAUBANT, ROGER, LEJEUNE (3) destacam os rumos da precariedade do emprego no magistério:

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Pudemos constatar que as políticas, dispositivos, processos e situações de desprofissionalização para que sejam postas em práticas, pressupõem a existências de certas realidades e condições: precariedade laboral, fragmentação e disseminação de tarefas, enfraquecimento das proteções sociais relacionadas ao emprego, redução da autonomia profissional, entre outras.

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Corroboramos com os autores e vislumbramos que para mudar o quadro precário da empregabilidade docente é necessário: investir nas condições de trabalho do professor. Dessa forma, Saviani (7) afirma sobre a importância de o professor atuar em um único estabelecimento, e ainda dividir sua carga horária, com 50% para ministrarem as aulas e, os outros 50% para atividades como: elaboração do projeto pedagógico, reuniões de colegiado, atendimento à comunidade e na orientação dos estudos do alunado em atividades de reforço para os que precisam. Entretanto, segundo o autor:

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No que se refere às condições de trabalho, a questão principal, que o PDE(6) não contempla, diz respeito à carreira profissional dos professores. Esta carreira teria de estabelecer a jornada integral em um único estabelecimento de ensino, de modo que pudesse fixar os professores nas escolas, tendo presença diária e se identificando com elas. (7).

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 Como se vê, no que tange especificamente ao trabalho docente, o impasse para a melhoria do processo de profissionalização docente perpassa, hoje, um longo e árduo caminho, mas possível de ser transformado. Destacamos a relevância de políticas públicas, a fim de enfrentarem com seriedade e também como investimento, os problemas da precarização docente que podem comprometer a qualidade do trabalho realizado pelo professor e, consequentemente, a profissionalização docente.

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4. Declaração de direitos

O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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5.Referências

  • BRASIL. Lei nº 10.172 de 09/01/2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2021.

  • DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Formação de professoras/es para a escola pública brasileira: uma agenda de luta e pesquisa. In: LONGAREZI, Andréa Maturo; MELO, Geovana Ferreira; XIMENES, Priscilla de Andrade Silva (orgs). Didática, Formação de professores e políticas públicas. Jundiaí (SP): Paco, 2023. P.123-149.

  • MAUBANT, P; ROGER, L; LEJEUNE, M. Desprofissionalização. In: BUENO, Belmira Oliveira (org.). Formação, profissionalização e desprofissionalização docente. São Paulo: FEUSP, 2023. P.58-86.

  • OLIVEIRA, Dalila Andrade. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola. In: OLIVEIRA, Dalila A.; ROSAR, Maria de Fátima F. (Orgs.). Política e gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p.125-144.

  • OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação e sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, set./dez. 2004, p.1127-1144.

  • SARTI, Flavia Medeiros & NETO, Samuel De Souza. Profissionalização docente à brasileira: entre a retórica da valorização dos professores e a desprofissionalização em sua relação com a docência In: BUENO, Belmira Oliveira (org.). Formação, profissionalização e desprofissionalização docente. São Paulo: FEUSP, 2023. P.58-86.

  • SAVIANI, Dermeval. PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação: análise crítica da política do MEC. Campinas, SP: Autores Associados, 2009, 100p. (Coleção polêmicas do nosso tempo)

 

     

1

Intituto Federal do Triângulo Mineiro, Uberlândia, Brasil.

2

Instituito Federal do Triângulo Mineiro, Uberlândia, Brasil.

3

Secretaria de Educação de Minas Gerais – Escola Estadual Guiomar de Freitas Costa, Uberlândia, Brasil.

4

Lembrando que o professor precisa atuar em dois ou três cargos, para complementar a sua renda salarial.

5

Em 2023, o valor do piso salarial nacional do magistério foi reajustado para R$ 4.420,55, para uma jornada de 40 horas semanais. Esse valor é aplicável a professores com formação de nível médio, na modalidade normal. Professores com maior qualificação, como licenciatura ou pós-graduação, geralmente têm pisos salariais superiores, definidos pelos planos de carreira estaduais e municipais.


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