Compartilhar:

Artigo - PDF

 

Scientific Society Journal  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
.

 

 

ARTIGO ORIGINAL

Intervalos de confiança nas análises com dados de inquérito populacional: gráfico Equiplot

Bruno Luciano Carneiro Alves de Oliveira1; Fabiana Alves Soares2; Emanualla Pereira de lacerda3; Francisca Maria da Silva Freitas4; Bruno Feres de Sousa5; Alcione Miranda dos Santos6

 

Como Citar:

OLIVEIRA,Bruno Luciano Alves; SOARES, Fabiana Alves; LACERDA, Emanuelle Pereira; FREITAS, Francisca Maria da Silva; SOUSA, Bruno Feres; SANTOS, Alcione Miranda. Intervalos de confiança nas análises com dados de inquérito populacional: gráfico Equiplot. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.3569-3587, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202464017

 

DOI: 10.61411/rsc202464017

 

Área do conhecimento: Saúde Coletiva.

.

Sub-área: Epidemiologia.

.

Palavras-chaves: Inquéritos de saúde; Amostragem complexa; Comportamentos de risco à saúde; Gráfico; Equidade.

 

Publicado: 19 de agosto de 2024.

Resumo

Este artigo propôs uma rotina para o software R-Studio que torne adequada a compreensão das iniquidades em saúde ao produzir o Equiplot com Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) com dados de inquéritos populacionais com amostragem complexa. Analisaram-se comportamentos de saúde de adultos (18 a 64 anos) no Brasil incluídos na Pesquisa Nacional Saúde 2013 (n=52.490) e 2019 (n=72.605). Estudo transversal comparou em gráficos Equiplot as prevalências com e sem seus respectivos IC95% do tabagismo atual; uso abusivo de álcool; atividade física no lazer; consumo de frutas e vegetais ou legumes segundo o tipo de cidade no país (Capital, Região Metropolitana excluindo capital e Interior). Diferenças foram consideradas estatisticamente significantes ao nível de 5% na ausência de sobreposição dos IC95%. As capitais apresentaram prevalências mais elevadas dos comportamentos saudáveis e consumo excessivo de álcool, e menor de tabagismo atual. A análise do Equiplot só com prevalências indicou diferenças estatisticamente significantes na prática de atividade física no lazer e no uso excessivo de álcool em 2013, e no tabagismo atual e o consumo adequado de verduras nos dois anos. Porém, ao se adicionar IC95%, observou-se sobreposição de alguns deles, modificando a compreensão dos achados antes interpretados sem IC95%. A rotina proposta para o R-Studio é uma alternativa para a confecção do gráfico Equiplot com dados amostrais de inquéritos populacionais, permitindo adequada e simultânea comparação e interpretação das prevalências e IC95% que revelem a presença e a dinâmica das iniquidades.

 

 

.

1. Introdução

Estudos de prevalência são importante fonte de informações para estimar a carga de doenças, lesões e fatores de risco à saúde[1]. A comparação de prevalências é frequentemente empregada em estudos epidemiológicos como estratégia de comunicação e interpretação de padrões de desigualdades individuais e contextuais[1-3].

Em geral, gráficos são os recursos visuais mais utilizados nas análises para se avaliar e monitorar diferenças substanciais nas prevalências entre grupos (pessoa, lugar e tempo) e no progresso dos níveis sociais e saúde entre eles[2,4]. Gráficos são representações pictóricas dos dados e há uma diversidade de tipos[2,5] que são cada vez mais empregados na visualização das observações de forma rápida e concisa sobre o padrão ou a dinâmica de um fenômeno em estudo[2,4].

Com isso, gráficos são úteis na identificação de comportamentos ou na variabilidade da distribuição dos resultados[4-5], expondo diferenças e defasagens individuais, contextuais e temporais nas estimativas avaliadas. Logo, ajudam cientistas e público em geral aumentarem a compreensão deles sobre as iniquidades, e apontam os desafios na busca por níveis mais elevados e homogêneos de saúde[2,5-7]. 

Nos últimos anos, uma proposta de ilustração e avaliação gráfica das iniquidades foi concebida e desenvolvida pelo grupo de pesquisadores associados ao Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (ICEH) (www.equidade.org). Este grupo apresentou em 2012 o gráfico denominado de Equiplot[6]. Este gráfico foi proposto como alternativa visual para representar e comunicar dados de equidade a profissionais de saúde, gestores, formuladores de políticas, pesquisadores e público em geral. Uma das suas vantagens seria permitir a visualização simultânea da situação de cada grupo em relação ao mesmo indicador em estudo e a distância entre eles, tornando mais evidente a dimensão das iniquidades e as defasagens entre os grupos em comparação[2,6-7].

Inicialmente, o Equiplot foi empregado em estudos ecológicos populacionais que comparavam prevalências de agregados de dados entre contextos locais, nacionais, regionais no mesmo período ou períodos diferentes[2,6-8]. Paulatinamente, um público cada vez maior passou a se interessar por apresentar dados na estrutura do Equiplot. Com isso, o ICEH disponibilizou um programa on-line gratuito que permitiu criá-lo (Equiplot Creator Tool – http://www.equidade.org). Também passaram a disponibilizar um tutorial para elaboração do gráfico junto ao software Stata®[9]. Todavia, ainda não estão disponíveis rotinas (pacotes) em softwares livres que possam produzir o gráfico Equiplot por meio de linguagem de programação.

A maior facilidade na elaboração do Equiplot por meio do Equiplot Creator Tool estimulou vários pesquisadores no uso desse gráfico em seus artigos. Assim, recentemente pesquisadores passaram a usar o gráfico Equiplot em estudos em que a unidade de análise é o indivíduo, em que foram empregados dados de inquéritos epidemiológicos nacionais e selecionados por plano amostral complexo[3,10-17].

Contudo, por se tratarem de dados coletados de modo aleatório e amostral, a apresentação de intervalos de confiança (IC) é imprescindível(18). O IC (90%, 95% e 99%) é uma estimativa intervalar para um parâmetro populacional, e representa a incerteza da amostra em estimar o parâmetro da população como resultado de um erro amostral[19]. Logo, IC permite a compreensão da variabilidade das estimativas, das incertezas e imprecisões associadas a elas, e ajuda identificar diferenças estatisticamente significantes nas estimativas em estudo entre os grupos em comparação[18-19]. Os IC95% são os mais utilizados em análises estatísticas.

A Figura 1 descreve o método de estimação do IC para uma prevalência. Mas, para dados decorrentes de inquéritos populacionais com amostragem complexa, há uma diversidade de métodos de estimação do IC para proporções, que podem ser observados em detalhes em referência específica[20].

 O intervalo de confiança para a ​​ proporção populacional:


Dessa forma, os artigos que vêm apresentando o Equiplot para ilustrar resultados

obtidos a partir de bases de dados amostrais complexos estão comparando somente as estimativas pontuais dos indicadores sociais e de saúde, sem apresentar as estimativas de IC95%[3,10-17]. Quando apresentam os IC95%, o fazem na redação da seção dos resultados, completando a informação existente no Equiplot, e não simultaneamente na estrutura gráfica e visual dele. Com efeito, a interpretação gráfica das iniquidades a partir dessas estimativas e diferenças pode ficar comprometida, pois não é possível garantir que tais diferenças realmente existam, já que a extensão da amplitude do IC95% não é apresentada.

Portanto, este artigo analisa os mesmos dados de inquéritos populacionais que autores vêm usando (Pesquisa Nacional de Saúde 2013 e 2019), para propor o emprego de uma rotina de análise no R-Studio (R Foundation for Statistical Computing, Boston, United States of America) como alternativa ao Equiplot Creator Tool e Stata® para produzir o gráfico Equiplot com estimativas pontuais e intervalares (IC95%). Para isso, os dados da PNS foram usados em um exemplo de aplicação que permitisse a comparação mais adequada das iniquidades e defasagens em saúde.

Este estudo objetivou propor uma rotina de programação para um relevante software livre, que permita a confecção do gráfico Equiplot com a mesma autonomia do Equiplot Creator Tool, mas com maior liberdade de escolhas visuais e segurança analítica ao incluir os IC95% que Equiplot Creator Tool e Stata® ainda não permitem

.

2.Metodologia

2.1 Tipo de estudo

Trata-se de um estudo transversal baseado nos dados secundários da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada nos anos de 2013 e 2019. Esses dados foram utilizados para se analisar as mudanças nos indicadores de saúde com e sem apresentação de Intervalos de Confiança de 95% (IC95%).

.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)

A PNS foi realizada em 2013 e 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)[21,-22]. Trata-se de um inquérito domiciliar de base populacional, de abrangência nacional, realizado com o objetivo de obter informações válidas e representativas da população brasileira sobre a situação de vida e saúde. Em 2013, a população-alvo da PNS foram os indivíduos com ≥18 anos de idade e em 2019, os de ≥15 anos de idade, residentes em domicílios particulares permanentes no país. Além de questões sobre os domicílios e todos os seus moradores, uma parte das questões foi destinada ao registro de informações de saúde relacionadas a um morador ≥18 anos de idade em 2013 e ≥15 anos de idade em 2019 selecionado aleatoriamente entre todos os moradores do domicílio[21-23].

A PNS utiliza amostra probabilística complexa de um conjunto de unidades de áreas selecionadas (setores censitários ou um conjunto de setores definidos como Unidades Primárias de Amostragem (UPA)) de todas as Unidades Federadas (UF) do Brasil. A amostragem utilizada foi probabilística por conglomerados em três estágios de seleção, com estratificação das UPA. Os domicílios representam as unidades secundárias e a terciária o morador selecionado de cada domicílio[21-23]. Maiores detalhes metodológicos podem ser obtidos em publicações da PNS[21-23].

.

Variáveis do estudo

Foi considerada a população adulta de 18 a 64 anos de idade em 2013 (n= 52.490) e 2019 (n= 72.605). Para as comparações, foi utilizada a variável localização do tipo de cidade de residência (Capital, Região metropolitana excluindo capital (RM), Interior). Foi também utilizado um conjunto de cinco comportamentos de saúde: Tabagismo atual (sim, não); Consumo abusivo de álcool (sim, não) (considerado o consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião, em pelo menos uma vez nos últimos 30 dias); Atividade física no lazer: ativos (indivíduos que praticaram pelo menos 150 minutos por semana de atividade leve a moderada ou 75 minutos de atividade vigorosa por semana); Dieta: consumo adequado de vegetais ou legumes (cru ou cozido) e de frutas em pelos menos cinco dias por semana (sim, não). Esses comportamentos de saúde foram selecionados por serem considerados os mais associados ao adoecimento por Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), mas que podem ser modificados pela mudança de comportamento e por ações governamentais[24].

.

Análise

Para ambos os anos da PNS, foram estimadas as prevalências e seus respectivos IC95% para cada um dos cinco comportamentos de saúde avaliados. Em seguida, foram elaborados dois gráficos Equiplot: um somente com as prevalências pontuais e outro com as prevalências e seus IC95% dos comportamentos de saúde.

Adicionalmente foi elaborado um gráfico para se verificar a mudança da prevalência e respectivos IC95% dos comportamentos de saúde entre 2013 e 2019. A mudança foi apresentada por meio da diferença absoluta que estimou a magnitude e a variação no período. Foi computada com Modelos Linear Generalizados (GLM), usando a distribuição Gaussiana. Foi modelada a influência do ano sobre cada comportamento de saúde segundo o tipo de cidade. A mudança percentual relatada foi calculada como o exponencial do coeficiente menos um e multiplicado por 100.

Todas as análises e gráficos foram feitos no software RStudio versão 2023.6.1.524 (R Foundation for Statistical Computing, Boston, United States of America) e incorporam todas as características do plano amostral complexo da PNS 2013 e 2019. Essas rotinas estão disponíveis no Repositório Equiplot na plataforma Github[25].

.

Aspectos éticos

Os dados da PNS 2013 e 2019 são de domínio público e podem ser utilizados de acordo com as pesquisas de interesse. Em ambos os anos, a PNS tem parecer de aprovação (em 2013: parecer nº 328.159 e CAAE: 10853812.7.0000.0008, de 26/06/2013; e 2019: parecer nº 3.529.376 e CAAE: 11713319.7.0000.0008, em 23/08/2019), e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido[21-22].

..

3.Resultados

Neste estudo, foram analisados dados de adultos 18 a 64 anos de idade entrevistados nas PNS 2013 (n= 52.490) e 2019 (n= 72.605). Verificou-se que nas capitais foram mais elevadas as estimativas dos comportamentos saudáveis e consumo excessivo de álcool, e menor o do tabagismo atual. No gráfico Equiplot, pode-se interpretar que a distância das estimativas das capitais em relação aos dos dois outros tipos de localidade (RM excluído capital e Interior) ou do interior para o indicador de tabagismo atual, seria indicativo de diferenças estatisticamente significantes em cada ano e de defasagem entre eles. Assim, haveria diferença estatisticamente significante na prática de atividade física no lazer em 2013, no consumo adequado de verduras e de tabagismo atual em 2013 e 2019, no consumo excessivo de álcool em 2013 (Figura 1).

Contudo, ao se analisar a Figura 2, que apresentou o gráfico Equiplot usual com as mesmas estimativas de prevalência dos cinco comportamentos de saúde, mas agora acompanhadas dos seus respectivos IC95%, a compreensão sobre as iniquidades em saúde e da defasagem entre elas foi modificada. Na figura, observou-se a sobreposição das estimativas dos IC95% para alguns comportamentos de saúde, indicando que não haveria diferença estatisticamente significante na prática de atividade física no lazer em 2013, no consumo adequado de verduras e de tabagismo atual nos dois anos, e no consumo excessivo de álcool em 2013 (Figura 2).

Adicionalmente, a Figura 3 apresentou as diferenças absolutas das prevalências dos comportamentos de saúde entre os anos (2019 vs 2013) para cada tipo de cidade. Verificou-se ganhos temporais nos comportamentos positivos (atividade física, consumo adequado de frutas e verduras, e redução do tabagismo) e maior consumo abusivo de álcool, mas com diferenças nesses ganhos entre os contextos, indicando defasagem contexto-temporal (Figura 3). Porém, ao se analisar essas mudanças com a inclusão dos IC95%, permaneceram as defasagens entre os anos em todos os comportamentos, mas não entre os lugares, pois apenas para o consumo adequado de vegetais entre cidades do interior se mantiveram diferenças estatisticamente significantes (Figura 4).

.

4.Discussão

Os resultados apontaram que o intervalo de confiança é uma ferramenta inferencial muito importante e útil para se interpretar e comunicar iniquidades. Verificou-se que compreensão das iniquidades em saúde e da defasagem contexto-temporal foram modificadas ao se adicionar IC95% às estimativas de prevalência em um Equiplot usual. Essa inclusão foi essencial para indicar a sobreposição das estimativas intervalares que revelaram a ausência de diferenças estaticamente significantes para alguns dos comportamentos de saúde nos anos em estudo. Deve-se considerar que a inclusão dos IC95% não alterou as características analíticas do Equiplot, mantendo sua capacidade de inspeção da distância entre grupos e compreensão dos padrões de desigualdade identificados por meio da comparação deles.

Figura 1. Gráfico Equiplot com as estimativas pontuais (prevalências), mas sem Intervalos de Confiança de 95% (IC95%), dos comportamentos de saúde em adultos brasileiros (18 a 64 anos) entrevistados na Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (n= 52.490) e 2019 (n= 72.605), Brasil.

.

Figura 2. Gráfico Equiplot com as estimativas pontuais (prevalências) e Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) dos comportamentos de saúde em adultos brasileiros (18 a 64 anos) entrevistados na Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (n= 52.490) e 2019 (n= 72.605), Brasil.