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Scientific Society Journal
ISSN: 2595-8402
Journal DOI: 10.61411/rsc31879
REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL
Humor e discurso de ódio. Da aplicação da disciplina legal e constitucional dos limites à liberdade de expressão ao discurso humorístico
Louise Vilela Leite Filgueiras1; Maria Cristina Angelim Barboza2
Como Citar:
FILGUEIRAS, Louise Vilela Leite; BARBOZA, Maria Cristina Angelim. Humor e discurso de ódio. Da aplicação da disciplina legal e constitucional dos limites à liberdade de expressão ao discurso humorístico. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.3029-3064, 2024.
https://doi.org/10.61411/rsc202451517
Área do conhecimento: Ciências Jurídicas.
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Palavras-chaves: discurso de ódio; liberdade de expressão, discurso humorístico.
Publicado: 08 de julho de 2024
Resumo
O presente artigo pretende trazer elementos para a discussão sobre o direito à liberdade de expressão e seus limites, especialmente no que concerne o discurso humorístico. Através da análise dos os principais fundamentos da jurisprudência norte-americana, alemã e brasileira, trataremos a possibilidade de se aplicar limitações ao discurso humorístico em face da proibição do discurso de ódio, sustentando ao final as razões pelas quais, que em tese, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, o discurso humorístico também deve respeitar as balizas legais e constitucionais.
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Humor and hate speech. From the application of legal and constitutional law about the limits of freedom of expression to humorous speech
Abstract
This article intends to bring elements to the discussion about the freedom of speech and its limits, especially with regard to humorous discourse. Through the analysis of the main legal grounds used in North American, German and Brazilian jurisprudence, we will deal with the possibility of applying limitations to humorous speech in the face of the prohibition of hate speech or prejudice, sustaining at the end the reasons why, in theory, according to the Brazilian legal system, humorous speech must also respect legal and constitutional guidelines.
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1. Introdução
O estabelecimento de limites ao conteúdo dos discursos humorísticos é uma questão controvertida, pois se encontram em choque dois valores caros em um Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana e a liberdade de expressão, especialmente nos casos de minorias vulneráveis.
Como exemplo desta controvérsia temos a decisão cautelar da Justiça Estadual de São Paulo que, em 2023, atendendo à um pedido do Ministério Público de São Paulo (MP/SP), determinou a retirada do canal YouTube de um especial de comédia por conta da divulgação de piadas envolvendo minorias, proibindo o responsável de “manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir, encaminhar ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante a qualquer categoria considerada minoria ou vulnerável” (Justiça [...], 2023). As limitações se estendem às apresentações de stand-up do autor, que reagiu contra a decisão: em sua opinião, este tipo de decisão inviabilizaria quase que a totalidade das apresentações do gênero no Brasil, além de haver uma desproporcional e equivocada equiparação das suas falas (que seriam a concretização da liberdade de expressão) à atos criminosos3.
Outra situação ilustrativa foram as agressões desferidas por atores que participaram do Oscar 2022, em razão do apresentador do evento ter realizado piada sobre a esposa do outro, que sofre de alopecia, ato que imediatamente gerou revolta por seu caráter discriminatório e depreciativo da suposta piada. Essas situações nos fazem refletir sobre o poder destrutivo4 da manifestação humorística com teor discriminatório e depreciativo para determinados grupos de pessoas, e a viabilidade de enquadrarmos este tipo de enunciado como discurso de ódio. Portanto, a reflexão proposta neste estudo está centrada na possibilidade de considerarmos discursos humorísticos com teor discriminatório e depreciativo como discursos de ódio.
Para fins deste estudo, discurso discriminatório é aquele que incentiva o tratamento desigual de pessoas com base em características como raça, gênero, religião, idade, orientação sexual, entre outros. Discurso depreciativo, por sua vez, visa a desvalorização ou a falta de respeito acerca de alguém ou a algum grupo de pessoas, gerando uma ofensa prejudicial. Por fim, temos o discurso de ódio, que incita a exclusão, segregação, hostilidade, extermínio ou violência contra indivíduos ou grupos com base em características. Tem como principal objetivo promover a intolerância, o preconceito e a exclusão social.
Um discurso pode ser simultaneamente discriminatório, depreciativo e de ódio, sendo aquele que conjuga os três tipos de discursos aquele com maior potencial destrutivo. Em um discurso de ódio sempre estará contido um (ou dois) dos tipos de discurso: discriminatório ou depreciativo, sendo que o inverso não é verdadeiro: há discursos depreciativos que não necessariamente são de ódio5.
Os discursos discriminatórios, depreciativos e de ódio sempre foram um problema para a sociedade, especialmente os raciais, pois motivaram, ao longo da história, perseguições, segregações, massacres e genocídios, como destaca Wade (2016, p. 31),
Ideias sobre raça, a maioria delas criada por biólogos, foram exploradas para justificar a escravidão, para esterilizar pessoas consideradas inaptas e, na Alemanha de Hitler, para realizar campanhas assassinas contra segmentos inocentes e indefesos da sociedade, como os ciganos, os homossexuais e as crianças com doenças mentais. O mais assustador foi a fusão de ideias eugenistas com noções de pureza racial que levaram os nazistas a assassinar cerca de 6 milhões de judeus nos territórios que controlavam.
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Em tempos de virtualização das relações sociais, a multiplicação nas redes desses discursos e a consequente magnitude dos seus efeitos destrutivos se torna causa de preocupação e nos faz refletir cada vez mais sobre o estabelecimento de limites para a liberdade de expressão. Ademais, com a crescente popularização de audiovisuais na internet, de fácil e rápida produção e disseminação, temos percebido um novo fenômeno se expandindo: vídeos discriminatórios e ou depreciativos de teor humorístico.
O problema desta tendência reside na seguinte questão: o humor é utilizado como máscara para a disseminação e naturalização de discursos de ódio?
Entendemos que quando esses discursos são realizados em um ambiente privado, o potencial de causar efeitos destrutivos pode ser até considerado restrito. No entanto, quando disseminados nas redes sociais para desenvolvimento de uma atividade comercial, para obtenção de publicidade e notoriedade, ou para difundir determinada ideologia, o potencial destrutivo destas manifestações humorísticos pode tornar-se relevante, pois implicam, muitas vezes, na perpetuação de uma cultura discriminatória e depreciativa, que pode levar à reprodução, justificação, naturalização e banalização da segregação, intolerância, exclusão social e hostilidade contra deliberados grupos sociais.
Diante desse contexto, o Judiciário vem se colocando como um ator institucional importante na busca de soluções que equilibrem forças e garantam o respeito às liberdades constitucionais. No entanto, essa busca não é tarefa fácil, considerando o choque de valores tão caros ao nosso Estado Democrático de Direito: liberdade de expressão e proteção à dignidade humana. No âmbito de casos concretos surgem diversos questionamentos quanto aos limites das restrições impostas à liberdade de expressão, além dos limites da intervenção jurisdicional para o estabelecimento de tais restrições.
A partir do exposto, no presente estudo objetivamos analisar a jurisprudência brasileira a respeito do estabelecimento de limites à liberdade de expressão quando da ocorrência de discursos discriminatórios e depreciativos, visando a proteção de minorias, e situá-la no contexto internacional, comparativamente aos exemplos da jurisprudência americana e alemã, e verificar, ao final, como se inserem as manifestações humorísticas na regulamentação sobre liberdade de expressão no Brasil.
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2. O DEBATE SOBRE LIMITES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Neste item serão apresentadas nossas considerações sobre as jurisprudências americana, comunitarista e brasileira, e como elas atuam diante do conflito entre liberdade de expressão e discursos discriminatório, depreciativo e de ódio.
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2.1 A jurisprudência americana
Há muito se debate sobre o assunto. Trata-se certamente de um daqueles temas difíceis, para os quais não há respostas prontas ou regras que resolvam todos os casos.
Existem posições mais liberais, segundo as quais a liberdade de expressão deve prevalecer como fundamento do regime democrático. Para os defensores dessa vertente (livre mercado de ideias), cabe à sociedade selecionar os conceitos aos quais vai aderir (as melhores ideias), não havendo razão que justifique a repressão de ideias de antemão. Para essa corrente, é ilegítimo, ou até mesmo inconstitucional, proibir a propagação do discurso discriminatório, depreciativo ou de ódio, tanto quanto seria inconstitucional proibir a propagação de qualquer ideia6. Segundo Joao Trindade Cavalcante Filho (2018, p. 61-62),
Especificamente em relação ao discurso de ódio, o liberalismo tende a admiti-lo, exceto quando há um perigo real e concreto de violência (física) ou porque a liberdade, em geral, e a liberdade de expressão em particular, representam uma especial manifestação do eu, que não pode ser tolhida pelo Estado (na linha do liberalismo deontológico); ou então porque a restrição do conteúdo representaria um policiamento (ilegítimo) do Estado sobre a concepção de via boa sufragada pelo emissor da mensagem (ainda na linha do liberalismo deontológico); ou porque o direito de expressar os mais esdrúxulos conteúdos representa uma contribuição para o avanço da sociedade, na medida em que alimenta o “livre mercado de ideias” (argumento alinhado ao liberalismo “utilitarista”) ou ainda porque ao indivíduo, que é proprietário de si mesmo, não se podem impor amarras quanto àquilo que pensa, ou que afirma pensar (uma linha mais aproximada ao libertarianismo) (Cavalcante Filho, 2018, p. 61-62).
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Esse pensamento mais liberalista é predominante na jurisprudência dos EUA, e fundamenta-se na interpretação da Primeira Emenda da Constituição Norte-Americana. É marcante a decisão do caso Beandemburg vs. Ohio, de 1969, na qual a Suprema Corte Americana reverteu a condenação de um líder da Ku Klux Klan, assegurando o direito à exposição manifestação pública de um discurso manifestamente discriminatório e depreciativo, pois este não era capaz de causar ato ilícito ou dano iminente (imminent lawless action).
Note-se que os fatos que deram ensejo ao caso Brandenburg v. Ohio consistiram em um discurso, proferido em um evento promovido por um líder da Ku Klux Klan, no Estado de Ohio, contra negros e judeus, e contendo ameaças aos poderes instituídos, conforme pode ser observado no trecho abaixo. O evento e o discurso foram filmados, a convite do próprio autor, Brandenburg, e veiculado em uma emissora de televisão local. Pela leitura podemos perceber que, seguindo a conceituação apresentada, relaciona-se a um discurso de ódio.
[...] nós não somos uma organização vingativa, mas se nosso Presidente, nosso Congresso, continuar a subjugar os brancos, raça Caucasiana, é possível que seja necessária alguma vingança [...]. Pessoalmente, eu acredito que os negros devem ser devolvidos à África e os Judeus à Israel (Brandenburg, 1969, trad. nossa)7.
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Brandenburg foi condenado pela Justiça do Estado de Ohio e apelou à Suprema Corte Americana com fundamento nas 1ª e 14ª Emendas, que tratam, respectivamente, da liberdade de opinião e da igualdade perante a lei. A Suprema Corte reverteu a sentença condenatória, considerando que o seu discurso não ocasionou uma iminente ação ilícita (iminent lawless action), razão pela qual a intervenção do Estado não se justificaria, com base na premissa de que o Estado deve permanecer neutro e não deve interferir na manifestação do pensamento, ao menos que essa manifestação seja capaz de gerar imediatos efeitos consubstanciados em atos ilícitos.
Esse requisito para a intervenção estatal na liberdade de expressão difere do claro e presente perigo de dano (clear and present danger), sustentado por Oliver Holmes em Schenck vs. United States8. O claro e presente perigo de dano traz a ideia de um perigo de dano potencial, ao passo que a iminente ação ilícita remete à uma concretude maior em termos de prova, não se restringindo à ideia de um dano material que estaria para acontecer. Os conceitos são próximos, mas diferem em questão de grau de potencialidade lesiva da ação ou discurso. Na hipótese da iminência da ação ilícita, a efetiva capacidade de desencadear atos no sentido da produção de um resultado ilícito, proveniente da incitação àquela ação ilegal no discurso (nexo de causalidade), terá que ser provada, o que torna mais ampla a proteção ao direito de liberdade da expressão9.
Analisando esses precedentes, é intuitivo fazer uma comparação entre os crimes de perigo abstrato e concreto, previstos na legislação brasileira, nos quais é levado em consideração o grau de risco que o ato oferece ao bem jurídico protegido pela norma penal. Crimes de perigo concreto exigem a demonstração de que o bem jurídico efetivamente foi posto em perigo, enquanto nos de perigo abstrato esse risco é presumido pela prática da ação.
Seguindo essa lógica, podemos concluir que em Schenck vs.United States o delito foi considerado de perigo abstrato, pois a ação seria punível por representar risco potencial ao bem jurídico, ou seja, à dignidade ou à incolumidade física das vítimas. Em Brandemburg vs. Ohio, por sua vez, foi exigido um perigo real e iminente, concreto ao bem jurídico, e sua ausência ensejou a absolvição do acusado. Percebe-se que o caso Brandemburg vs. Ohio superou o precedente anterior, que era mais restritivo à liberdade de expressão.
Em resumo, no período entre 1919 e 1969, produziu-se uma jurisprudência americana mais restritiva ao direito à livre expressão, pois se entendia que o Estado poderia interferir na liberdade de expressão em casos em que o discurso fosse capaz de causar perigo de dano claro e iminente (clear and present danger)10, requisito ao qual foi acrescido posteriormente o da má intenção (bad intention), que seria o dolo de causar o perigo claro e iminente. Mais tarde, à análise do clear and present danger acresceu-se a exigência de que o discurso fosse constituído de palavras de luta (fighting words), para que fosse passível de limitações. Já em 1969, com o já citado caso Brandemburg vs. Ohio, a fundamentação utilizada passa a ser a da iminent lawless action, requisito ainda mais protetivo da liberdade de expressão que o clear and presente danger, por acrescer a esse perigo de dano iminente e claro a exigência de que seja fruto de uma ação ilegal, para que possa sofrer limitações (Brandão; Marques; Muniz, 2013, p. 115 apud Cavalcante Filho, 2018, p. 95).
A evolução da jurisprudência estadunidense foi, assim, de uma ideia de proteção social contra o discurso que causasse um perigo abstrato de dano (concepção utilitarista), acrescidos requisitos finalísticos (dolo) e do reforço da utilização de expressões agressivas (palavras de luta), à uma maior proteção à liberdade de expressão, limitando a intervenção estatal pela exigência de que o discurso resultasse de um ato ilícito que estivesse ao menos muito próximo de causar o dano concreto.
Em vista disso, faz sentido afirmar que as ideias predominantes no tratamento dado à questão nos EUA decorrem de uma visão mais liberalista do direito à expressão, baseada no livre mercado de ideias, neutralidade do Estado, autonomia individual, prioridade do indivíduo sobre o Estado e da sociedade sobre o governo (Cavalcante Filho, 2018, p. 68). E a Suprema Corte vem mantendo essa posição mais liberal. Em artigo recente, publicado em dezembro de 2022, Lamson, Lehfeld e Perez Filho concluem que,
Embora essas categorias limitadas de discurso possam proteger os indivíduos contra o discurso de ódio, o Tribunal tem hesitado em limitar a liberdade de expressão, mesmo quando o conteúdo é odioso, porque isso “atingiria o cerne da Primeira Emenda”. Mais recentemente, em Matal v. Tam, a Corte afirmou: “O discurso que humilha com base em raça, etnia, gênero, religião, idade, deficiência ou qualquer outro motivo semelhante é odioso; mas o orgulho de nossa jurisprudência sobre liberdade de expressão é que protegemos a liberdade de expressar 'o pensamento que odiamos (EUA, 2017, p. 25)'. A garantia da capacidade de expressar livremente seus pensamentos, independentemente de quão impopular, é a base da liberdade de expressão da Primeira Emenda. Alguns argumentam que a única maneira de garantir e proteger as minorias é proteger vigorosamente esse valor. Qualquer erosão da liberdade de expressão pode levar à erosão de outros direitos e até à censura por parte de uma maioria de pontos de vista menos populares apenas porque são diferentes. Mesmo alguns dos setores mais liberais da população temem a ideia de limitar o discurso (Lamson; Lehfeld; Perez Filho, 2022).
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2.2 A jurisprudência comunitarista
Contudo, essa linha difere da adotada em muitos outros países, nos quais o discurso discriminatório, depreciativo e de ódio é proibido, independentemente de causar dano iminente. Nestes países predomina uma ideia mais utilitarista de bem comum, e admite-se limitações e sacrifícios de direitos individuais fundamentais em prol da coletividade. Ao que se infere, a posição da jurisprudência norte-americana é isolada do resto do mundo (Dadico, 2020, p. 106-107). Países como Canadá, Dinamarca, Alemanha, Nova Zelândia e também o Reino Unido parecem considerar que o potencial lesivo do discurso em certas situações é presumido, e não precisa ser demonstrado por uma concreta ou iminente ação ilegal.
Jeremy Waldron discorre sobre essa regulamentação normativa existente nesses países, da seguinte forma:
Por regulamentação do discurso de ódio eu quero dizer regulamentação do tipo que pode ser encontrada no Canadá, Dinamarca, Alemanha, Nova Zelândia e Reino Unido, proibindo manifestações públicas que incitem “ódio contra qualquer grupo identificável de pessoas onde tal incitação é capaz de levar a uma violação da paz” (Canada); ou manifestações “através das quais um grupo de pessoas é ameaçado, menosprezado ou degradado por causa de sua raça, cor da pele, ou origem nacional ou étnica” (Dinamarca); ou ataques sobre “a dignidade humana de outros através de insultos, maliciosa maledicência ou difamação de segmentos da população” (Alemanha) ou “ameaçadoras, abusivas ou insultuosas [...] palavras capazes de envidar hostilidade contra ou promover o conflito entre quaisquer grupos de pessoas [...] em razão da cor, raça, origem étnica ou nacional daquele grupo de pessoas” (Nova Zelândia) ou o uso de “ameaçadoras, abusivas ou insultuosas palavras ou comportamentos” quando esses são intencionalmente dirigidos a “incitar ódio racial”, ou quando “se tenha consciência de todas as circunstâncias que sejam capazes de incitar o ódio racial naquele contexto”(Reino Unido).11 [...] Todas elas [as citadas regulamentações] estão preocupadas com o uso de palavras que sejam deliberadamente abusivas e /ou insultantes e/ou ameaçadoras e/ou humilhantes dirigidas a membros de minorias vulneráveis, calculadas para incitar ódio contra eles” (Waldron, 2012).12
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Na Alemanha a jurisprudência se inclina à uma ideologia comunitarista ao proteger minorias contra hate speeches. Partindo da ideia de bem comum, dá-se prevalência à proteção da dignidade humana em detrimento da plena liberdade de expressão. Se contrastado com a concepção de justiça liberal, o pensamento comunitarista opõe a importância dos valores histórico-culturais da comunidade ao individualismo liberal, que artificialmente desconectaria o indivíduo de seu contexto social, o que na visão dos comunitaristas é uma abstração que não encontra respaldo na realidade (Souza, 2013).
Como exemplo do posicionamento comunitarista podemos citar o caso Auschwitz Lie, no qual o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidiu pela constitucionalidade da proibição administrativa de palestra com conteúdo revisionista do Holocausto. Interessa notar que o fundamento principal foi de que havia uma distinção entre opiniões e afirmações sobre fatos: “[...] as opiniões propriamente ditas devem ser livres, uma vez que não se pode afirmar sua veracidade ou falsidade [...] negar ou minimizar o Holocausto é uma afirmação sobre fatos – afirmação essa já cabalmente refutada” (BverfGE 4,7, apud Cavalcante Filho, 2018, p. 131-132). Cavalcante Filho, sobre o julgamento deste caso, opina que,
[...] o argumento central dessa exposição é integralmente colhido do comunitarismo: a identificação entre insulto contra o grupo e o insulto contra o indivíduo. Assim, aquele que nega a perseguição aos Judeus durante o Terceiro Reich não só estimula o ressurgimento dessa conduta, como insulta o grupo e a cada um de seus membros, por desrespeitar a ideia de pertencimento à comunidade.13
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Prosseguindo na análise da jurisprudência alemã, o autor aponta outra característica importante para a discussão sobre os limites dos discursos discriminatórios, depreciativos e de ódio: a vulnerabilidade do grupo atacado.
No caso conhecido por Tcholski II ou Soldaten sind Mörden (Soldados são assassinos) (BVerfGE 93, 266 apud Martins, 2018, p. 111), a natureza do grupo atacado pelo insulto é levada em consideração para a análise da criminalização da conduta. Naquele caso, o Tribunal Constitucional Alemão analisou a condenação de quatro réus que teriam utilizado a célebre expressão do escritor pacifista Kurt Tocholsky “Soldados são assassinos”, em situações diferentes e decidiu que não havia crime, sendo tais manifestações tuteladas pela liberdade de expressão.
A contradição aparente entre os dois casos se resolve considerando-se que o interesse protegido nos dois casos são os valores da comunidade, que no primeiro caso restam ofendidos, e no segundo, dos radicais pacifistas, não, pois o Direito Alemão inclina-se à proteção de grupos historicamente vulnerabilizados, e assim reconhecidos pela coletividade, dispondo-se a sacrificar o direito à liberdade de expressão se necessário para propiciar essa proteção.
Como se nota, para o comunitarismo, a proteção dos valores coletivos, assim como da proteção do corpo social são superiores à garantia das liberdades individuais, que devem ceder quando em contraste com o bem comum. Portanto, ideia de bem comum não pode ser aquela que resulta naturalmente do embate no mercado livre de ideias e/ou comportamentos, mas sim a que resulta de um processo histórico-social de aprendizagem de convivência comunitária, e nessa medida, cabe ao Estado intervir para reprimir comportamentos que a história mostrou representarem ameaça ao bem comum.
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2.3 A jurisprudência nacional
O Supremo Tribunal Federal (STF), tem construído sólida jurisprudência sobre o exercício da liberdade de expressão, assegurando sua plenitude, vedando qualquer censura prévia de conteúdo, e traçando limites em hipóteses de abuso desse direito. Traremos, a seguir, alguns importantes momentos da história mais recente da nossa Corte Constitucional sobre a matéria14
O julgamento da ADPF n. 130, em 2009, foi um marco na discussão da liberdade de expressão, pois garantiu o seu exercício como decorrência da realização da dignidade da pessoa humana e de outras liberdades constitucionais. Nesta ação se discutiu a recepção, pela Constituição Federal, da Lei de Imprensa, considerando a expressão liberdade de informação jornalística como sinônima de liberdade de imprensa, e a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia (Brasil , 2009).
Importa destacar, contudo, a ressalva feita pelo Ministro Celso Mello, que entende que a liberdade de informação jornalística não pode ser considerada como um direito absoluto:
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[...] a Constituição da República, embora garantindo o exercício da liberdade de informação jornalística, legitima a intervenção normativa do Poder Legislativo, permitindo-lhe — observados determinados parâmetros referidos no § 1º do art. 220 da Lei Fundamental — a emanação de regras concernentes à proteção dos direitos à integridade moral e à preservação da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas. Se assim não fosse, os atos de caluniar, de difamar, de injuriar e de fazer apologia de fatos criminosos, por exemplo, não seriam suscetíveis de qualquer reação ou punição, porque supostamente protegidos pela cláusula da liberdade de expressão. [...] É por tal razão que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão.
A ADPF n. 187, sobre a Marcha da Maconha, também relatada pelo Ministro Celso de Mello, vinculou a liberdade de expressão à democracia, com menção do aporte conceitual do mercado livre de ideias, como elemento inerente ao regime democrático. No voto, o relator defendeu “a liberdade de expressão como um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república fundada em bases democráticas” (Brasil , 2011-2014)15. A seguir, excertos da Ementa:
Marcha da Maconha. [...] A proteção constitucional à liberdade de pensamento como salvaguarda não apenas das ideias e propostas prevalecentes no âmbito social, mas, sobretudo, como amparo eficiente às posições que divergem, ainda que radicalmente, das concepções predominantes em dado momento histórico-cultural, no âmbito das formações sociais. [...] A função contramajoritária da jurisdição constitucional no Estado Democrático de Direito. Inadmissibilidade da "proibição estatal do dissenso". Necessário respeito ao discurso antagônico no contexto da sociedade civil compreendida como espaço privilegiado que deve valorizar o conceito de "livre mercado de ideias". O sentido da existência do free marketplace of ideas como elemento fundamental e inerente ao regime democrático (AC 2.695 MC/RS, rel. min. Celso de Mello). A livre circulação de ideias como signo identificador das sociedades abertas, cuja natureza não se revela compatível com a repressão ao dissenso e que estimula a construção de espaços de liberdade em obséquio ao sentido democrático que anima as instituições da República (Brasil, 2011-2014).
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Ainda nesse sentido, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 414.426, em 2011, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, no qual o Plenário entendeu pela não obrigatoriedade da inscrição dos músicos em conselho profissional como pressuposto de exercício deste ofício, o Ministro Celso de Mello destacou o risco da interferência do Estado no exercício de profissões ligadas às artes, as quais têm como pressuposto a liberdade de expressão artística. No voto, foi consignado que:
[...] a excessiva intervenção do Estado no âmbito das atividades profissionais, notadamente daquelas de natureza intelectual e artística, além do perigo que essa intrusão governamental significa para as liberdades do pensamento, também pode constituir indício revelador de preocupante tendência autocrática em curso no interior do próprio aparelho estatal.
Outro momento importante no trato da questão foi o julgamento da ADI n. 4.815, das biografias, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Naquela oportunidade o STF afastou, mais uma vez, a possibilidade de qualquer censura prévia às manifestações do pensamento, no caso literárias e artísticas. Consignou-se na Ementa:
Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei.
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Na ADI n. 4.815, os julgadores foram influenciados pelos precedentes da Corte, como se pode constatar da leitura do trecho do voto do Ministro Celso de Mello, na ADPF n. 130, sobre o direito de resposta:
Vê-se, daí, que a proteção jurídica ao direito de resposta permite, nele, identificar uma dupla vocação constitucional, pois visa a preservar tanto os direitos da personalidade quanto assegurar, a todos, o exercício do direito à informação exata e precisa. Cabe referir, nesse sentido, quanto a essa ambivalência do direito constitucional de resposta, o valioso entendimento doutrinário exposto por Gustavo Binenbojm, que ressalta o caráter transindividual dessa prerrogativa jurídica, na medida em que o exercício do direito de resposta propicia, em favor de um número indeterminado de pessoas (mesmo daquelas não diretamente atingidas pela publicação inverídica ou incorreta), a concretização do próprio direito à informação correta, precisa e exata.
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Como se vê, a garantia de liberdade de expressão sem censura prévia não implica em uma liberdade absoluta da manifestação pública do pensamento, como pode parecer em uma análise perfunctória. Para o STF há que ser reparado eventual dano e coartadas condutas abusivas, o que não se concebe é a censura prévia.
Outro caso de memorável repercussão, e de importância para a construção da jurisprudência acerca da liberdade de expressão, foi a discussão levada à efeito na ADI n. 4.451, julgada em 21/06/2018, sobre a proibição legal de programas de humor envolvendo candidatos, partidos políticos e coligações, como forma de evitar que sejam ridicularizados ou satirizados. No julgamento, foram declarados inconstitucionais os dispositivos de Lei que vedavam:
[...] usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito e veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes.
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Foi relator do feito o Ministro Alexandre de Moraes, que reafirmou em seu voto a inconstitucionalidade da censura prévia no Brasil:
No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, – como pretendido nos dispositivos impugnados – no controle do juízo de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação de programas humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas.
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Por ocasião desse julgamento, também destacou o ministro Celso Mello o aspecto transformador e renovador do riso e do humor. Em seu voto, disse:
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[...] o riso e o humor são expressões de estímulo à prática consciente da cidadania e ao livre exercício da participação política, enquanto configuram, eles próprios, manifestações de criação artística. O riso e o humor, por isso mesmo, são transformadores, são renovadores, são saudavelmente subversivos, são esclarecedores, são reveladores. É por isso que são temidos pelos detentores do poder ou por aqueles que buscam ascender, por meios desonestos, na hierarquia governamental.
Em 2019 houve o polêmico caso da apreensão de obras com temática LGBTQI+ na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, cujo mote foi a revista Vingadores, a cruzada das crianças (Salvat), que exibiu um beijo na boca entre dois personagens masculinos. A decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ) foi de permitir que agentes da prefeitura recolhessem outras obras com temática LGBTQI+ que fossem voltadas ao público infanto-juvenil e não estivessem lacradas. Esse episódio trouxe à tona a indesejável e perigosa prática da censura.
Este tipo de conduta foi apreciada na jurisdição constitucional (ADPF n. 130), valendo mencionar a Reclamação n. 21.504, relatada pelo Ministro Celso de Mello, na qual é enfatizado na Ementa que:
[…] o exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura estatal.
A decisão do TJ/RJ, que permitiu o confisco da publicação por violação ao art. 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual as “publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família” foi revogada pelo STF, por decisões dos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Este último, então presidente do STF, manifestou-se em favor da desnecessidade de advertência e lacração da obra para oferta ao público, sob o seguinte fundamento, que dentre outros, se destaca:
Não há, portanto, como extrair do dispositivo legal voltado às publicações do público infanto-juvenil (art. 79 do ECA), correlação entre publicações cujo conteúdo envolva relacionamentos homoafetivos com a necessidade de “obrigação qualificada de advertência”. Referida obrigação que se localiza apenas para as publicações que, por si, são impróprias ou inadequadas para o público infanto-juvenil (art. 78 do ECA), não pode ser invocada para destacar conteúdo que não seja, em essência, dotado daquelas características, sob pena de violação imediata ao princípio da legalidade. No caso, a decisão cuja suspensão se pretende, ao estabelecer que o conteúdo homoafetivo em publicações infanto-juvenis exigiria a prévia indicação de seu teor, findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princípio da igualdade, uma vez que somente àquela específica forma de relação impôs a necessidade de advertência, em disposição que – sob pretensa proteção da criança e do adolescente – se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito.
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Da decisão acima, mais uma vez, se infere que a liberdade de expressão é a regra, os limites devem ser a exceção, em situações plenamente justificadas. A censura prévia é sempre injustificada, mas há conteúdos sobre os quais ainda pairam proibições, como no caso dos conteúdos proscritos para menores pelo ECA, acima citados, nos quais, porém, não se incluem a alusão a relações homoafetivas, segundo a jurisprudência do STF.
Em matéria de limites, e antes mesmo desses importantes precedentes, no ano de 2004 o STF já havia se debruçado sobre esse assunto, no famoso julgamento do caso Ellwanger. Tratava-se de Habeas Corpus (HC) impetrado por este, que era autor e editor de um livro cujo conteúdo negava o Holocausto: Holocausto Judeu ou Alemão? – Nos bastidores da Mentira do Século. O autor tinha restado condenado nos termos da Lei n. 7.716, de 05/01/198916, com a redação dada pela Lei n. 8.081, de 21/09/90, e pleiteava o reconhecimento da prescrição.
Ellwanger tinha sido absolvido em primeira instância, mas foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS). Impetrou HC perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que denegou a ordem. Impetrou novo HC perante o STF, pelo reconhecimento da prescrição, sob o argumento de que o antissemitismo não se enquadraria no conceito de racismo e, portanto, não seria imprescritível. A ordem restou denegada pelo STF e, portanto, mantida a condenação de Ellwanger. Constam da extensa Ementa os seguintes fundamentos17:
[...] 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. [...] 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.
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Os debates oriundos desse caso até hoje influenciam a jurisprudência nacional na matéria, eis que ali, de formas bastante diversas, os Ministros abordaram o tema da liberdade de expressão.
Note-se, porém, que segundo Cavalcante Filho, no caso Ellwanger: “A análise minuciosa dos votos – que somam justamente com o relatório 488 páginas – demonstra, contudo, que foram adotadas as mais diversas razões, tanto para indeferir o writ, quanto para votar pela concessão”, o que seria um indicativo de que não há uma jurisprudência da Corte sobre o tema, mas o somatório de vontades individuais (Cavalcante Filho, 2018, p. 153-154).
Em todo caso, sagrou-se vencedora a tese de limitação da liberdade de expressão, mesmo que a posteriori, não prévia, e também ali se sufragou a construção de um conceito alargado de raça, para fins de enquadramento típico, que congrega aspectos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, mas que, como expressamente consignado resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.
E é também nessa linha da imposição de limites ao direito à livre expressão em casos de discurso discriminatório, depreciativo ou de ódio18, a mais recente decisão na ADO n. 26, de 13/06/19, também de relatoria do então decano da Corte, Ministro Celso Mello. Considerando as disposições do art. 20 da Lei n. 7.716 (Brasil, 1989)19, o STF então acolheu a tese de que se incluem na proteção destinada à raça as discriminações em virtude da orientação sexual e identidade de gênero, mediante interpretação do sentido da palavra raça e do termo racismo, estabelecendo, na linha do pensamento vencedor no caso Ellwanger, que o conceito não se resume ou se explica por critérios estritamente biológicos ou fenotípicos, e alcança a negação da alteridade, dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis. Em seu voto, o Ministro Celso de Mello afirmou que:
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O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.
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O julgamento, cujo resultado foi a procedência da ação, implicou na adequação típica das manifestações de homofobia ao crime do art. 20 da Lei n. 7.716 de 08/01/1989, nos seguintes termos:
Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social , ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”).20
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Para finalizar essa breve análise das posições tomadas pelo STF sobre liberdade de expressão, precisamos abordar a polêmica levantada no inquérito n. 4.781/DF, de 2018, popularmente conhecido como inquérito das fake news, que visa investigar manifestações antidemocráticas e a proliferação de notícias falsas com o intuito de desestabilizar o Estado Democrático de Direito.
O inquérito foi instaurado de ofício pelo Ministro Dias Toffolli, então presidente da Corte, com manifestação ministerial apenas a posteriori, e direcionamento, sem distribuição à relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, com base no Regimento Interno do STF. O procedimento tem gerado ácidas críticas da doutrina, especialmente em virtude da violação do princípio acusatório e imparcialidade dos julgadores, e diz respeito à limitação do direito à liberdade de expressão quando da ofensa à valores relevantes para a sociedade. No despacho inicial, a citação do escólio do Ministro Celso de Mello se destaca:
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Ninguém tem o direito de atassalhar a honra alheia, nem de proferir doestos ou de vilipendiar o patrimônio moral de quem quer que seja! A liberdade de palavra, expressão relevante do direito à livre manifestação do pensamento, não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações que, fundadas no texto da própria Constituição da República (art. 5o., V e X, c/c o art. 220, § 1o., “in fine”) e em cláusulas inscritas em estatutos internacionais a que o Brasil aderiu (Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos), deslegitimam o discurso insultuoso, moralmente ofensivo ou impregnado de ódio! O abuso da liberdade de expressão constitui perversão moral e jurídica da própria ideia que, no regime democrático, consagra o direito do cidadão ao exercício das prerrogativas fundamentais de criticar, ainda que duramente, e de externar, mesmo que acerbamente e com contundência, suas convicções e sentimentos! Se é inegável que a liberdade constitui um valor essencial à condição humana, não é menos exato que não há virtude nem honra no comportamento daquele que, a pretexto de exercer a cidadania, degrada a prática da liberdade de expressão ao nível primário (e criminoso) do insulto, do abuso da palavra, da ofensa e dos agravos ao patrimônio moral de qualquer pessoa! (trecho do voto proferido no julgamento do Agr. Reg. no Inquérito 4435, Tribunal Pleno, sessão de 14/3/2019).
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Contra a instauração dessa investigação, foi proposta a ADPF n. 572 pelo partido Rede Sustentabilidade, distribuída à relatoria do Ministro Edson Fachin (Ministro [...], 2020). Levada a questão ao Plenário, a Corte decidiu pela constitucionalidade do Inquérito n. 4.781, por dez votos a um. Prevaleceu a posição do relator pela improcedência da ADPF n. 572, “diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros e de apregoada desobediência a decisões judiciais”. Restou vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgou procedente a ADPF (Plenário [...], 2020).
O Ministro Celso de Mello destacou, na ocasião, que a máquina de notícias fraudulentas se assemelha às organizações criminosas, mas com o propósito de coagir a instituição, deixando expresso que a incitação ao ódio público e a propagação de ofensas e ameaças não estão abrangidas pela cláusula constitucional que protege a liberdade de expressão e do pensamento.
Após esse giro, é concluímos que a jurisprudência brasileira, marcada pela decisão da ADC n. 26, revela o reconhecimento de que a jurisprudência nacional, nessa matéria, se formou com contornos nitidamente comunitaristas, para limitar o direito de expressão quando afete valores essenciais ao Estado Democrático de Direito, como a democracia, a sobrevivência do próprio Estado em sua conformação jurídica, assim como o faz ao proteger a dignidade da pessoa humana, especialmente das minorias vulneráveis ao incluir no conceito de discurso racista aquele que propague a homofobia.
Note-se que o tipo penal sob análise de constitucionalidade na ADC n. 26, qual seja o art. 20 Lei n. 7.716/89, teria sido declarado inconstitucional caso aplicado o raciocínio desenvolvido no mencionado caso R.A.V vs Saint Paul, julgado pela Corte Americana, pois a inconstitucionalidade apontada fora exatamente o fato de a Lei não prever todas as hipóteses possíveis de discriminação proscritas, privilegiando algumas em detrimento de outras.21
Contudo, o STF, diante do mesmo problema, optou pela técnica da interpretação conforme, preservando a Lei da declaração de inconstitucionalidade ao admitir a sua interpretação de modo consentâneo à norma Constitucional, que manda ao legislador que criminalize o racismo e outras formas de discriminação ao sistema constitucional como um todo, firmado sob os alicerces da igualdade, da dignidade humana e da eliminação de quaisquer formas de discriminação.
De fato, como já assinalado acima, o Estado Democrático de Direito brasileiro, nascido com a Constituição de 1988, tem em seu DNA esse dever de intervir em prol da igualdade, da construção de uma sociedade justa e solidária e da proteção da dignidade da pessoa humana, na fórmula evidente e expressa de combater todas as formas de discriminação.
Portanto, é reconhecemos que o ordenamento jurídico nacional não contempla a doutrina da neutralidade do Estado nessa matéria, pois o constituinte originário em 1988 optou por criar o Estado Democrático de Direito brasileiro de forma a que não pudesse restar neutro, inerte, diante da discriminação e do preconceito sem distinção entre ações concretas e discursos. Ao contrário, estabeleceu, ao lado das disposições programáticas dos art. 3º e 4º22, e os mandados de sanção e criminalização dos incisos XLI e XLII do art. 5º, segundo os quais: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”; “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” que dão supedâneo ao tipo penal do 20 da Lei n. 7.716/89, cuja redação atual é muito clara ao incriminar as condutas de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Como se infere do texto cristalino da Lei, o legislador positivo brasileiro já optou por reprimir tais condutas severamente, e não o fez por opção, mas em cumprimento ao mandado constitucional de criminalização, o que nos coloca dentre um rol de países que consideram que o Estado não é, nem pode ser, neutro diante do potencial deletério da propagação do hate speech.
A tipificação legal das condutas descritas no art. 20 da Lei n. 7.716/89, de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito [...]” são no sentido coibir, mediante a ameaça da pena privativa de liberdade, manifestações, expressões do pensamento, que se constituam em discursos e narrativas capazes de inculcar no ideário social conceitos deletérios sobre determinadas características possuídas por certos indivíduos, ou grupos de indivíduos e que tenham o potencial de lhes prejudicar direitos.
Portanto, o legislador pátrio partiu do pressuposto de que discursos que reforçam preconceitos de qualquer sorte, raça, cor, etnia, orientação sexual, gênero, deficiência, origem, religião ou qualquer outra característica, que seja dirigido a colocar o indivíduo em posição de inferioridade num dado contexto e lhe diminuir o valor perante outros indivíduos ou grupos têm, em tese, potencial de gerar ações que atentam contra os direitos desses cidadãos.
Adere-se, portanto, no Brasil, à ideia de que tais narrativas são capazes de ofender a dignidade da pessoa enquanto pertencente a determinado grupo e são capazes de abalar a segurança do indivíduo em relação ao pertencimento, como membro de uma comunidade.
Esse pensamento, estampado na Lei, parece encaixar-se nas ideias professadas pelo jurista americano Jeremy Waldron: segundo ele, o discurso depreciativo, discriminatório ou de ódio gera um dano aos seus alvos, necessariamente. E que por isso tais condutas não devem abrigar-se sob o manto da liberdade de expressão. Citando Rawls, Waldron afirma que tais discursos ferem a segurança de um compromisso geral, público, aos fundamentos de justiça e dignidade que uma sociedade bem-ordenada deve oferecer para seus cidadãos como parte da cultura pública de uma sociedade democrática (Waldron, 2012, p. 69).
É nesse contexto que a conduta incriminada pelo art. 20 da Lei 7.716/89 vem estipulada nas bases de crime de perigo abstrato, já que não se exige ali prova de exposição a perigo concreto do bem jurídico. Ao contrário, a norma o presume, basta a prática da ação incriminada, sem que se exija a prova do dano, ou do efetivo risco de dano concreto.
Assim, a discussão sobre a iminent lawless action do direito americano não cabe no Brasil, para efeitos práticos de subsunção. Basta para a configuração do crime, segundo nossa Lei, requisito mais próximo do clear and present danger,
o que se poderia traduzir pela conhecida fórmula da existência de abstrata potencialidade lesiva ao bem jurídico tutelado, no caso a dignidade da pessoa humana, nessas dimensões de segurança e pertencimento, ameaçada pela incitação de preconceito.
A propósito, vale notar que não só a Lei n. 7.716/89 traz disposições nesse sentido. Na legislação específica de regulamentação dos direitos da pessoa com deficiência está prevista conduta específica, no art. 20, estruturada também nas mesmas bases de perigo abstrato, em que se descreve a conduta de “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência” com figura qualificada no caso de tais condutas serem realizadas de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer forma. Essa Lei também prevê, como a Lei n. 13.146/15, expressamente, o uso de medidas constritivas como recolhimento de publicações mediante busca e apreensão e a interdição da divulgação midiática do material proscrito (Brasil, 2015).23
Concluímos, com Inês Virgínia Prado Soares:
Desde a Constituição de 1988, o STF julgou cerca de duas dezenas de casos emblemáticos sobre liberdade de expressão, alguns deles com foco na liberdade de expressão cultural e artística. Esses julgamentos foram permeados por ricos debates que contribuíram sobremaneira para a compreensão dos limites e das possibilidades de exercício da liberdade de expressão na democracia brasileira, rechaçando a censura prévia, apontando contornos no caso de colisão com outros direitos fundamentais e indicando mecanismos de reparação nos casos de responsabilização ulterior (Soares, 2023, p. 174).
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De todo modo, nos parece claro que que o Estado Democrático de Direito brasileiro, através da Constituição de 1988 e das Leis ordinárias que lhe dão concretude, abraça o ideário comunitarista alemão em termos de liberdade de expressão, ao invés das ideias liberais norte-americanas sobre o exercício desse direito.
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3. HUMOR E DISCURSO DE ÓDIO
Visto o alcance da regulamentação da matéria no Brasil e sua interpretação jurisprudencial mais recente, o que dizer do discurso humorístico, cujo objeto é o escárnio sobre características e situações envolvendo grupos historicamente vulneráveis? Estaria por sua especial ludicidade sob o manto da garantia da liberdade de expressão e imune à legislação restritiva?
Evidentemente, se regulamentar, proibir e criminalizar o discurso discriminatório, depreciativo e de ódio é no mundo questão bastante controvertida, acrescente-se a essa polêmica a proibição de veiculação humorística do preconceito e teremos nova e acrescida dificuldade. Porém, é necessário enfrentar a questão.
Assim, voltando ao quanto exposto na jurisprudência brasileira, especialmente ao voto proferido na ADI n. 4451, que tratou de proteger a sátira em tempos de eleição dirigida a candidatos, questionamos se essa decisão seria extensível ao discurso humorístico cujo objeto fosse a sátira a grupos vulneráveis, assim considerados aqueles que sofrem discriminações históricas, marcados pelo racismo, homofobia, antissemitismo e xenofobia, por exemplo. Seriam essas manifestações a causa de um riso saudavelmente subversivo, e assim objeto de proteção legal e constitucional, como sustentado naquela decisão?
A resposta aqui tende a ser negativa, dado que a intenção de fazer rir não retira do discurso a qualidade de preconceituoso, discriminatório, nem diminui o seu potencial lesivo ao objeto da sátira: ao contrário, pode aumentá-lo. Ao associar a desqualificação do outro no momento de riso ou prazer, o humor reforça a aceitação do preconceito e permite que ele insidiosamente tome lugar no ideário coletivo, sem sofrer resistências, disfarçado de ludicidade e alegria.
Sobre isso, vale conferir Heloisa Melino e Lúcia Freitas,
Um discurso de ódio, por exemplo, pode ser materializado nos mais diferentes gêneros discursivos dentro de práticas sociais específicas, como a propaganda partidária, a panfletagem, as passeatas públicas etc. Nesses casos, o próprio formato genérico já torna o discurso mais facilmente reconhecível. Na época das manifestações nazistas, o discurso de ódio era exteriorizado, por exemplo, no gênero “comício”, em que a população era abertamente incitada contra os judeus. Mas quando esse discurso vem circunscrito em um gênero como os shows de stand up, seus contornos ideológicos tendem a ser menos facilmente reconhecidos, pois o que é enunciado dentro desse formato se performa sob uma expectativa de mera descontração e não de incitação. Seguindo essa lógica, o que a linguagem dos stand up performa é uma convocação para que a plateia se alinhe pela manutenção do privilégio de se poder discriminar mulheres, LGBT, negros, pobres, pessoas idosas, com deficiência, etc. Como essa convocação não é feita abertamente, mas por uma linguagem de humor, que gera a expectativa de inocuidade, esse gênero discursivo acaba por se constituir efetivamente em uma violência simbólica, cujos efeitos são a naturalização de discriminações e preconceitos. Bourdieu (1999) evidencia que a violência simbólica é a dimensão mais profunda de toda dominação (Melino; Freitas, 2014, p. [15]).
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Melino e Freitas defendem, ainda, que o discurso de ódio, ocultado em forma de humor, dificulta seu enfrentamento e gera reflexos concretos, pois “retroalimenta a sociedade como formação e formador”. Para as autoras, o humor é “um gênero que o camufla, o discurso de ódio fica potencialmente mais perverso, pois tem a capacidade de conseguir a adesão e a cumplicidade daqueles que são justamente o alvo sobre o qual recairá a opressão dele resultante”.
Se é preciso respeitar direitos como a dignidade humana e a igualdade, se a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão”, nas palavras de Celso de Mello, a liberdade de expressão não é absoluta. E nessa senda, o humor, como gênero discursivo que é, também não pode tudo.
A qualidade de jocoso não anula o efeito deletério do discurso, ao contrário, o potencializa, pois gera um atrativo prazeroso na adesão ao ideário preconceituoso, na mesma proporção que oculta a perversidade da mensagem sob o manto do riso inocente, da inteligência do sarcasmo, e quebra resistências.
Portanto, a resposta para as questões colocadas acima passa pela ideia de que o discurso humorístico, como qualquer discurso, pode ter limitações em prol do respeito à dignidade humana e do objetivo principal da República de se construir uma sociedade livre, mas justa e solidária, banidas todas as formas de discriminação. A qualidade de jocoso não dá imunidade, proteção irrestrita, ao conteúdo proscrito do discurso.
De outra parte, na esfera criminal, é possível que se argumente que o discurso humorístico não pode ser comparado ao discurso de ódio tipificado na lei por que a intenção de fazer rir anula o dolo específico de causar dano ao objeto do discurso, tornando a conduta atípica.
Esse argumento nos parece falacioso, pois aquele que ofende através do humor e através do riso dissemina o preconceito age com dolo eventual, pois ainda que sua intenção não seja diretamente essa, sabe, ou deveria saber, do potencial lesivo de sua conduta e assume o risco de produzir o resultado quando age.
Contudo, note-se que aqui se está tratando de crime perigo abstrato e da potencialidade lesiva de um comportamento. Como é cediço, para a tipificação é sempre preciso analisar o contexto do caso concreto. Como se sabe o direito penal é subsidiário, é a última ratio dentre as sanções e não deve se ocupar de condutas que, apesar de formalmente típicas, não tem potencial de lesar os bens jurídicos que a norma penal protege.
Portanto, a piada preconceituosa, que discrimina e deprecia, pode ser uma espécie de discurso de ódio, disfarçado de humor, mas sem potencialidade lesiva com relação a dignidade do grupo atingido, caso proferida em âmbito privado e restrito, por exemplo. Seria desproporcional a incriminação desse comportamento, diante de sua diminuta potencialidade lesiva, sendo um caso de atipicidade material.
Nessas ocasiões, é comum que tais comportamentos sofram as sanções morais pertinentes, dada a evolução constante dos costumes, o que acaba por neutralizar os seus efeitos, no mercado livre de ideias da esfera privada, e não se justifica a ingerência estatal. Tal discurso, como tantas outras situações da vida privada, desde que veiculados em círculos restritos, não devem estar sob a ingerência do Estado, que deve respeito à intimidade e à vida privada das pessoas. Para esses, espera-se a sanção moral do grupo em que veiculados, porém dada a diminuta potencialidade de propagação e disseminação do discurso, a sanção penal seria nesses casos, desproporcional e contrária ao princípio da subsidiariedade.
Contrariamente, o teor preconceituoso de publicações humorísticas discriminatórias e/ou depreciativas, e principalmente a reiteração constante de narrativas ofensivas, humilhantes a estipulados grupos vulneráveis, disfarçadas de humor e dirigidas ao grande público, essas capazes de disseminar e reforçar estereótipos deletérios já existentes, pode vir a caracterizar fato penal relevante à luz das normas que reprimem os crimes de ódio e preconceito.
Nesses casos, não há que se falar na ausência de dolo de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”. A ação é deliberada e consciente do dano que pode causar, especialmente quando vem acompanhada de reiteração em contexto de atividade comercial ou exercício de profissão.
Considerando que a divulgação, propagação pública, ampla e tanto mais se reiterada, de uma ideia, conceito ou crença, incrementada, temperada de humor, tem alto potencial de resultar na normalização e internalização de um conceito que conforma ações de indivíduos em sociedade e causar dano a essas pessoas, é de se concluir que se há perigo abstrato no discurso de ódio adornado de humor: a ação pode configurar incitação à discriminação, elemento do tipo penal em comento.
Além disso, o dano à dignidade da pessoa humana identificada no objeto da blague, é evidente: a reiteração impune de uma conduta potencialmente lesiva um grupo de pessoas vulneráveis instiga a que o grupo continue sendo objeto dos mais torpes ataques à sua dignidade, do que podem decorrer e em geral decorrem, privações e exclusões materiais de toda a ordem.
É preciso também assinalar que no atual estágio de evolução dos costumes, não há que se falar em adequação social de condutas que propaguem uma cultura de violência moral e indignidade.
Ao que se conclui após essas linhas, para o direito brasileiro, o discurso humorístico, como forma de expressão do pensamento que é, também deve respeitar limites. Especialmente aquele direcionado ao grande público, através de forte divulgação comercial.
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4. Conclusões
A jurisprudência brasileira protege a liberdade de expressão, vedando qualquer censura prévia ao discurso, mas não proíbe que sejam atribuídas as devidas consequências aos ilícitos porventura praticados via da manifestação livre do pensamento.
Ao contrário do que se observa como tendência nos EUA, cuja jurisprudência formada com base na interpretação da Primeira Emenda à Constituição Norte Americana, de cunho mais liberal, o Brasil se inclina ao ideário comunitarista, a exemplo da Alemanha e outros países como Canadá, Dinamarca, Nova Zelândia do Reino Unido, que de formas diferentes estabelecem restrições aos discursos discriminatórios, depreciativos e de ódio.
A Constituição Brasileira garante a liberdade de expressão, mas também protege a dignidade humana e conforma o Estado nas bases do princípio da igualdade e da construção de uma sociedade justa e solidária.
No Brasil, o crime de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito, é de perigo abstrato, e o dolo exigido é o genérico, bastando para sua caracterização o eventual, é dizer, apenas aquele de realizar o núcleo do tipo, sem que se exija a intenção específica de produzir a incitação, indução ou de praticar ato preconceituoso, mas apenas assunção deste risco presumido, o que afasta a alegação de não-intencionalidade na conduta de lesar interesses pelo animus jocandi.
A potencialidade lesiva da conduta formalmente típica é de ser levada em consideração na análise do intérprete, para que seja aperfeiçoada a conduta também materialmente. Discursos humorísticos proferidos em grupos privados não devem ser objeto de tutela penal, eis que a potencialidade lesiva verificada em termos de normalização de preconceitos e justificação de atos de discriminação e depreciação, ainda que existente, é diminuta, e não justifica a gravidade da sanção penal, ainda que sanções morais sejam bem-vindas – e com a evolução dos costumes, cada vez mais frequentes e advindas dos próprios interlocutores.
Em conclusão, o discurso humorístico pode sim caracterizar um ilícito penal, a depender do grau de potencialidade lesiva que algumas circunstâncias específicas, como a publicidade e a reiteração, derem ao fato.
Não há mais espaço atualmente para a normalização do preconceito via atos de discriminação e depreciação em nossa sociedade. As pessoas estão hoje atentas aos danos causados historicamente por essas práticas. Não há como esconder o discurso depreciativo, discriminatório e de ódio sob o manto do humor, ainda que ele o torne mais atrativo e sedutor, e talvez, exatamente por isso não devamos permitir que se o faça.
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5. Referências
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LAMSON, A.; LEHFELD, L. de S.; PEREZ FILHO, A. M. Freedom of speech and hate speech: an american perspective. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 31–56, 2022. DOI: 10.18759/rdgf.v23i2.2029. Disponível em: https://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/view/2029. Acesso em: 20 maio. 2024.
MARTINS, Leonardo. Tribunal Constitucional Federal Alemão: decisões anotadas sobre direitos fundamentais. Volume 2: Liberdade de consciência e crença, liberdades de expressão e de comunicação social, liberdades artística e científica. São Paulo: Konrad-Adauner-Stiftung-Kas, 2018. Disponível em: https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=0e7ecfea-de6a-87b3-51c5-fc624f9ffe47&groupId=252038. Acesso em: 6 abr. 2022.
MELINO, Heloísa; FREITAS, Lúcia. Humor em Stand up: limites entre liberdade de expressão, discurso de ódio e violência simbólica. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 23., 2014, Florianópolis, SC. Anais [...]. Florianópolis: Conpedi, 2014. p. 393-410. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=5ff37811dd20fbf3. Acesso em: 6 abr. 2022.
MINISTRO Fachin vota pela continuidade de inquérito que investiga ameaças contra o STF. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 10 jun. 2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=445278&ori=1. Acesso em: 20 maio 2024.
PLENÁRIO conclui julgamento sobre validade do inquérito sobre fake news e ataques ao STF. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 18 jun. 2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=445860&ori=1. Acesso em: 20 maio 2024.
SOARES, Inês Virgínia Prado. Liberdade de expressão artística nos 35 anos da Constituição: a contribuição do Judiciário. Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, [s. l.], v. 34, n. 158, p. 155–178, 2023. Disponível em: https://revista.trf3.jus.br/index.php/rtrf3/article/view/107. Acesso em: 20 maio 2024.
SOUZA, Pedro Bastos de. O pensamento comunitarista e a sua visão crítica ao liberalismo político. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 22., 2013. Anais [...]. São Paulo: Uninove, 2013. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=fb6e7c396949fea1. Acesso em: 6 abr. 2022.
WADE, Nicholas. Uma herança incômoda: genes, raça e história humana. Tradução: Pedro Sette-Câmara. São Paulo: Três Estrelas, 2016.
WALDRON, Jeremy. The Harm in Hate Speech. Cambridge: Harvard University Press, 2012.
PUC/SP, São Paulo, Brasil
PUC/SP, São Paulo, Brasil
Este humorista tem sido alvo de vários processos por ofensas discriminatórias em virtude de suas apresentações e vídeos.
Para efeitos deste artigo, efeitos destrutivos são consequências negativas ou prejudiciais que resultam de certas ações, eventos ou situações, incluindo danos materiais, emocionais, sociais ou psicológicos que causam impacto adverso a pessoas, organizações ou comunidades.
Relevante também esclarecer que partimos da premissa de que o ódio é um fenômeno enraizado na história e na
estruturação das sociedades modernas, expressado como a vontade de contrapor, excluir, discriminar, hostilizar, segregar ou exterminar o outro. Ele vai sendo fomentado, entre aqueles que se julgam superiores, pelo sentimento de ressentimento (por terem perdido poder político, social e/ou econômico), de recalque, ou de humilhação, e por uma vontade de vingança frente às pessoas que lhe ameaçam de alguma maneira (ou por serem diferentes, ou por não serem submissos aos padrões pré-estabelecidos). Neste contexto, o ódio não se manifesta apenas como sentimentos individuais, mas como parte das estruturas de poder e dominação: ele é um fenômeno persistente, estrutural e sistêmico nas dinâmicas sociais e de organização do poder estatal nas sociedades contemporâneas. Para Dadico (2020, p. 233), o ódio foi “herdado de uma história de conflitos e hostilidades entre grupos, presente desde a fundação da modernidade e cristalizado em estruturas de poder, como elemento constitutivo do Estado-Nação Moderno”.
Com apoio em Liberalism and the limits of Justice de Sandel (1989 apud Cavalcante Filho, 2018) aponta Stuart Mill como maior representante do ideário liberalista- utilitarista baseado na autorregulação de um livre mercado de ideias, que promoveria naturalmente através do confronto de diferentes concepções sobre um mesmo tema, o bem comum como concebido por essa mesma sociedade; John Rawls e Ronald Dworkin como pensadores de uma linha liberalista deontológica (fundada em princípios morais) inspirada nas ideias de Kant. Aponta ainda a vertente “libertarianista” de Robert Nozick, que teria inspiração no ideário do John Locke e sua concepção do direito de propriedade como principal direito individual.
“We're not a revengent organization, but if our President, our Congress, our Supreme Court, continues to suppress the white, Caucasian race, it's possible that there might have to be some revengeance taken. [...]. Personally, I believe the nigger should be returned to Africa, the Jew returned to Israel” (Brandenburg, 1969).
“The question in every case is whether the words used are used in such circumstances and are of such a nature as to create a clear and present danger that they will bring about the substantive evils that Congress has a right to prevent. It is a question of proximity and degree”, Justice Oliver Holmes (Brandenburg, 1969).
Freedoms of speech and press do not permit a State to forbid advocacy of the use of force or of law violation except where such advocacy is directed to inciting or producing imminent lawless action and is likely to incite or produce such action = As liberdades de expressão e de imprensa não permitem a um Estado proibir a defesa do uso da força ou da violação da lei, exceto quando essa defesa for dirigida a incitar ou produzir ato ilícito iminente e for capaz de produzir tal ato (Brandenburg, 1969, trad. nossa).
(Cavalcante Filho, 2018, p. 93-94)
No original: “By hate speech regulation I mean regulation of the sort that can be found in Canada, Denmark, Germany, New Zeland, and the United Kingndom, prohibiting public statements that incite “hatred against any identifiable group where such incitement is likely to lead to a breach of the Peace” (Canada); or statements by wich a group of people are threatened, derided or degraded because of their race, colour of skin, national or ethnic background” (Denmark); or attacks on “the human dignity of others by insulting, maliciously maligning or defaming segments of the population” (Germany); or threatening, abusive or insulting... word against likely to exite hostility against os bring into contempt any group of persons ... on the ground of the colour, race, or ethnic or national or ethinic origins of that group of persons “ (New Zeland); or the use of threatening, abusive or insulting words or behaviour,”, when these are intended to stir up racial hatred,” or when “having regard to all the circunstances racial hatred is likely to be stirred up thereby” (United Kingdom).
No original “All of them are concerned with the use of words wich are deliberately abusive, and /or insulting
and/or threatening and/or demeaninig directed at members of vulnerable minorities, calculated to stir up hatred
against them.”
Sobre o Direito Alemão, o autor chama a atenção para outro julgado, conhecido por Caso Rudolf Hess, de 2009,(BvR 2150/08) em que se proibiu a homenagem ao deputado nazista homônimo, com base no § 130 do StGB que criminaliza especificamente a negação do Holocausto.
Sobre a jurisprudência do STF em matéria de liberdade de expressão artística vide: (Soares, 2023, p. 155–178).
BRASIL. ADPF 187, rel. min. Celso de Mello, j. 15-6-2011, P, DJE de 29-5-2014.
Brasil (1989): Art. 20. Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional. (Artigo incluído pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990). Atualmente, o dispositivo vige com a redação dada pela lei 9459, de 15/05/97.
Disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur96610/false, Acesso em: 29 maio 2023.
Discute-se na doutrina a correta nomenclatura desses crimes. Há quem discorde do termo discurso de ódio por tratar-se de uma subjetiva incursão na avaliação de sentimentos daqueles que o propagam, que a nomenclatura “crimes de preconceito” ou de viés “bias crimes” seria mais adequada, por denotar mais acuradamente o conteúdo da discriminatório do discurso proferido. Sobre isso, vide Dadico (2020, p. 117-123).
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
BRASIL. STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão nº 26/DF.
O conhecido julgamento do caso R.A.V vs. Saint Paul, a Suprema Corte americana reafirmou a prevalência do direito à liberdade de expressão sobre o que se considerou “vontade da maioria”, isto é, a repressão das expressões de ódio contra determinados grupos de pessoas. A Suprema Corte Americana declarou, naquele caso, inconstitucional uma lei do Estado de Minessota que criminalizava a utilização de símbolos que se saiba ou se tenha razão para saber que “despertem ódio, alarme ou ressentimento em outros com base na raça, cor, credo ou gênero”. Em primeira instância, o réu foi absolvido com base no fato de a lei criminalizar as condutas de forma excessivamente ampla e por ser ela baseada no conteúdo do discurso (content based). A sentença foi reformada pelo Tribunal Estadual porque continha palavras de luta (fighting words) não protegidas pela liberdade de expressão garantida na Primeira Emenda. A Suprema Corte dos Estados Unidos reverteu a decisão. O argumento para a declaração de inconstitucionalidade da lei foi o fato de que violava a Primeira Emenda Constitucional Americana, pois criminalizava determinados discursos com base no conteúdo, sem criminalizar outros.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos eguintes princípios: VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo.
Lei nº 13.146/15, art. 88 “Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório; II - interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet. § 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.