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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

Bens digitais: a transformação da propriedade e o risco de perda em sua guarda

Gabriel Rocha Furtado 1; Alexandre Bento Bernardes de Albuquerque2

 

Como Citar:

FURTADO, Gabriel Rocha; ALBUQUERQUE, Alexandre Bento Bernardes. Bens digitais: a transformação da propriedade e o risco de perda em sua guarda. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.3901-3926, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202467417

 

DOI: 10.61411/rsc202467417

 

Área do conhecimento: Ciências Jurídicas.

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Palavras-chaves: Bens; digitais; propriedade; nuvens; perda.

 

Publicado: 25 de agosto de 2024.

Resumo

Os bens digitais são uma realidade no trato dos itens dispostos na vida digital, o que possibilita diversas questões sobre este tema, inclusive sua titularidade através do Direito Civil e estatuto de propriedade. ​​ Diante disto este estudo de natureza aplicada com abordagem qualitativa, fins descritivos através de método indutivo utiliza instrumentos bibliográficos em fontes primárias e secundárias para mostrar a transformação social dos últimos 25 anos, ocorrida em razão dos avanços tecnológicos e das novas formas atingir os itens de satisfação pessoal. Os resultados demonstram que esta transformação impôs ao Direito uma nova forma de vislumbrar a sociedade, as relações e a própria existência dos bens. A vida material tornou-se imaterial e dependente da energia elétrica. A propriedade é disposta como incorpórea, podendo ser mais valorada que itens físicos, ao mesmo tempo que não possui proteção própria. Os bens surgidos e tidos como digitais podem ser protegidos pelos regulamentos já existentes, podendo o Direito Civil realizar as adequações necessárias neste sentido, inclusive sobre a situação da perda da propriedade dos bens digitais armazenados em nuvens.

 

 

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Digital goods: the transformation of property and the risk of loss in their Storage

Abstract:

Digital goods are a reality in managing items within digital life, raising various issues, including their ownership under Civil Law and property status. Consequently, this applied study with a qualitative approach and descriptive aims employs an inductive method using bibliographic instruments from primary and secondary sources to showcase the social transformation of the past 25 years due to technological advancements and new ways of achieving personal satisfaction. The results demonstrate that this transformation has compelled the Law to re-envision society, relationships, and the very existence of goods. Material life has become immaterial and dependent on electricity. Property is regarded as incorporeal, potentially more valuable than physical items, yet lacking inherent protection. The goods that have emerged and are considered digital can be protected by existing regulations, and Civil Law can make the necessary adjustments in this regard, including the situation concerning the loss of ownership of digital goods stored in the cloud.

Keywords: Goods; digital; property; clouds; loss.

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1.Introdução

Os avanços tecnológicos não apenas alteraram paradigmas nas relações pessoais, mas também na forma como as pessoas percebem e utilizam os bens ao seu redor. Este período de transformação tecnológica, apesar de parecer sem precedentes, é apenas mais um capítulo na história contínua da evolução humana. As últimas décadas do século XX marcaram o início dessas mudanças, que se aceleraram com o advento da era digital.

As crises têm frequentemente impulsionado inovações significativas. Historicamente, a guerra tem sido uma expressão dessas crises, impulsionando desenvolvimentos em diversas áreas como mecânica, eletrônica, física, química e biologia. Esses avanços resultaram em progressos notáveis na aviação, transporte, comunicação, e outros setores, simbolizando a explosão tecnológica pós-guerras mundiais.

A virtualização do mundo, possibilitada por essa mudança tecnológica, deu origem a um universo paralelo ao real. Este novo mundo, embora reflexo da realidade, carece de tangibilidade e materialidade. Caracterizado por relações e propriedades únicas, o mundo virtual apresenta desafios e oportunidades distintas para o Direito Civil. Embora o Direito tenha sido moldado pelas transformações econômicas do século XX, a resposta jurídica aos efeitos da era digital não tem sido uniforme.

A transformação tecnológica impõe ao Direito uma nova visão sobre a sociedade e suas relações. O Direito Civil, especialmente no que tange à proteção das relações e da propriedade, é particularmente afetado. A evolução da propriedade, de um conceito material para um digital e imaterial, demanda uma reavaliação dos institutos jurídicos tradicionais para acomodar essa nova realidade.

A pesquisa é do tipo qualitativa com enfoque na bibliografia. Foram consultadas obras sobre tecnologia digital, a fim de obter as informações sobre a forma de existência e utilização dos bens digitais, ao tempo em foram consultadas obras jurídicas na busca do suporte para a existência deste instituto e sua proteção, analisando suas interpretações e narrativas. Na busca pela conceituação e contextualização dos bens digitais a pesquisa foi desenvolvida em acervo digital e físico, sobretudo em autores que tratam de tecnologia.

O trabalho se divide da seguinte forma, na primeira parte a apresentação da mudança no mundo; na segunda trará os conceitos de mundo digital e bens digitais, sendo esta subdividia na situação dos bens digitais perante a sociedade; a propriedade com base nos bens digitais, a guarda dos bens; a possibilidade de perda; os armazenamentos digitais e os termos de uso; para no último item tratar da perda da propriedade digital. Ao final são expostas as conclusões sobre a aplicação de institutos seculares em itens surgidos na sociedade moderna, com a necessidade ou não de regulamentação, surgimento de novos institutos ou a mera adaptação dos já existentes.

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2. E o mundo mudou

Nos últimos anos a tecnologia ditou o ritmo de mudanças sociais, políticas e sanitárias. Os avanços tecnológicos proporcionaram alterações de paradigmas nas relações pessoais e na própria forma de sentir e utilizar os bens que cercam os indivíduos.

Despertos da impressão inicial, nota-se que este momento de transformação não é único. As mudanças, revolucionárias ou evolucionárias, são uma constante da civilização. Os anos finais do Século XX foram o início destas transformações. Nesse sentido:

O avanço tecnológico continua ocorrendo cada vez mais rapidamente. As crises têm sido consideradas motores das inovações, e a guerra representa a forma como se expressam as crises do século XX. O desenvolvimento de conhecimentos em mecânica, eletrônica, física, química, biologia e outros, trouxe progressos na aviação, transportes, comunicação, materiais, agricultura, criação de animais, construções, etc. testemunhando a explosão tecnológica que se deu após as duas grandes guerras. Tecnologia é a marca deste momento histórico. [1]

 

A mudança de paradigma é tecnológica, tendo possibilitado a virtualização do mundo, que provocou o surgimento de um mundo paralelo ao mundo real, em algumas situações um reflexo da realidade, mas sem seus odores, tato e materialidade. Este mundo virtual possui relações e propriedades com naturezas próprias e em descompasso com institutos clássicos.

O mundo descarnado e abstrato, inserido em uma rede de cabos e chips, alimentado por energia elétrica e representado por um código binário pré-definido com os números 0 e 1 pode ser visto como um novo paradigma para a sociedade e os institutos do Direito Civil.

Passados mais de vinte e cinco anos da citação disposta, observa-se que as mudanças estão mais intensas, globalizadas e efetivadas na sociedade. O direito não é imune a estas mudanças, as alterações sociais, decorrentes dos avanços tecnológicos, impactaram nos próprios institutos jurídicos, possibilitando, em alguns casos, a mitigação a direitos.

Embora o Direito tenha sido moldado pelas transformações econômicas do século XX, o movimento inverso, de interpretação dos efeitos da era neoliberal e da era digital, não ocorreu de modo uniforme, figurando o Direito Privado como uma das mais notáveis exceções. Longe de significar uma adesão aos valores econômicos que se tornaram predominantes a partir do final dos anos 1980 e que agora são reinterpretados pela economia digital dos últimos 15 anos, a recepção dessa nova realidade é indispensável para compreendê-la, criticá-la ou mesmo, aos que acreditam ser isso necessário, para se conceber mecanismos de proteção a amplos setores populacionais que assistem a uma escalada de supressão de direitos sociais. [2]

 

As alterações são evidentes e podem apresentar novos cenários ao Direito, mesmo no ramo tido como mais tradicional é de se observar que seus institutos sofrem as influências das novas tecnologias. O Direito Civil e sua proteção às relações e a propriedade são os primeiros a sofrerem os efeitos das mudanças.

Neste sentido Rodotà, em sua obra “O terrível direito”, chama atenção para duas importantes questões. A primeira o estudo dos institutos deve ser feito com base no tempo e nos anseios da sociedade em que é aplicado e o segundo que a visão clássica de propriedade está em constante evolução, bastando para isto comparar a forma da propriedade do início do século XIX e a que se apresentou no final do Século XX.[3]

Será verificada a mudança de paradigma no Direito Civil. Os avanços proporcionam o surgimento de um mundo virtual que dispõe os mais diversos itens capazes de satisfazer os interesses do indivíduo. Tais itens são abstratos, existentes apenas no mundo da tela de um computador, celular ou congênere e são apresentados como arquivos digitais ou dados.

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3. O mundo digital e bens digitais

Por décadas a imagem deste mundo virtual era a narrada em livros como Jogador número 1e 19843 ​​ ou em filmes como Tron e Matrix4. A evolução digital transformou o mundo real e a sua representação digital, o que possibilitou uma transformação econômica na qual, diversos arquivos digitais passaram a ser valorados economicamente.

Entre as diversas questões decorrentes do mundo digital, este artigo vai ater-se à possibilidade de alguns destes arquivos receberem tutela do Direito das Coisas. Muitos destes arquivos são retratados como cópias do mundo real, mas ao longo da evolução alguns deles passaram a existir apenas no mundo digital, tais como e-mails, e-books, músicas digitais, filmes digitais e moedas digitais.

A existência de tais itens transcende, em algumas situações, a doutrina e legislação atualmente existente sobre a proteção dos arquivos digitais. Estes itens existem em um mundo não tátil e dependente de energia elétrica. Eles são únicos, úteis e possuem valoração econômica. Por exemplo, um esboço de um romance guardado em HD ou pendrive, será 100% digital, com utilidade e com valoração econômica. Pode-se caracterizar este item como bem.

Necessário lembrar o debate no direito brasileiro sobre o uso do termo bem ou do termo coisa, para fins de padronização será utilizado o entendimento de Silvio Rodrigues, segundo o qual coisa é gênero, enquanto os bens são coisas, vez que contem valor econômico e suscetíveis de apropriação.[4]

Os bens são itens valorados, úteis e suscetíveis de apropriação, mas na maioria dos casos presos à ideia da materialidade, o que gera, algumas vezes, a dúvida se arquivos digitais podem ser tidos como bens ou apenas itens a serem utilizados em razão de uma aplicação de software. No mundo digital os itens com esta natureza passaram a ser chamados de bens digitais.

O termo “bens digitais” trata de uma tradução do termo digital assets (ou digital goods), já utilizado na literatura anglo americana e que representa todo este conjunto de ativos e itens disponíveis à esfera jurídica do indivíduo por meio digital. Este termo pode ser empregado com a finalidade de abranger intencionalmente várias situações e relações jurídicas, inclusive aquelas que ainda surgirão. [5]

Sobre os bens digitais chamam atenção as características compartilhadas entre a propriedade virtual e a do mundo real, ao se afirmar quea propriedade virtual compartilha três características juridicamente relevantes com a propriedade do mundo real: rivalidade, persistência e interconectividade5[6]

Os bens digitais, assim, seriam não rivais, persistente e interconectado. Tais características formam a natureza de um item que pode ser disponibilizado a diversas pessoas[7], é durável e com acesso em diversos locais ou terminais.

A doutrina brasileira analisa a figura dos bens digitais, sendo, neste momento, os mesmos mais centrados na figura dos bens digitais no Direito Sucessório, tendo proporcionado algumas ações judiciais e obtido respostas dos tribunais6, mas ainda não há estudos sobre a aplicação do Direito das Coisas e sobre a própria perda destes bens.

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4.Posicionando os bens digitais

Ao tratar do tema bens digitais não se pode equipará-los com dados conforme o disposto na Lei nº 13.709 de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD) e na Lei nº 12.965 de 2014 (Marco Civil da Internet). Estas legislações protegem os dados como o conjunto de informações sobre um indivíduo, enquanto os bens digitais têm natureza própria a ser tutelada pelo Direito Civil.

Apesar de não haver legislação definindo o que é o bem digital a Receita Federal do Brasil entendeu que as operações em que houver ganho de capital (diferença positiva entre o valor de alienação de um bem ou direitos e o custo de aquisição) gerarão tributos a pagar para a pessoa física, nas palavras da Receita:

Os ganhos obtidos com a alienação de criptoativos, cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00, são tributados, a título de ganho de capital, de acordo com alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro. O recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600. A isenção relativa às alienações de até R$ 35.000,00 mensais deve observar o conjunto de criptoativos alienados no Brasil ou no exterior, independentemente de seu tipo (Bitcoin, altcoins, stablecoins ou NFTs, entre outros). Caso o total alienado no mês ultrapasse esse valor, o ganho de capital das alienações estará sujeito à tributação. [8]

 

O Estado aceita a existência dos bens digitais como espécie, isto proporciona uma nova análise sobre os bens e a forma como a propriedade pode ser disposta no Século XXI. Eles serão ligados aos aspectos existenciais e pessoais, muito mais que a sua característica material, o Direito Civil Contemporâneo deve perceber as mudanças nos institutos e as necessidades sociais:

Foi esta a perspectiva adotada pelo STF ao examinar a extensão da imunidade tributária concedida pela Constituição a “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” (art. 150, VI, d), a livros eletrônicos (e-books) e os suportes dedicados exclusivamente a acessá-los. Concluiu o tribunal que “o art. 150, VI, d, da Constituição não se refere apenas ao método gutenberguiano de produção de livros, jornais e periódicos. O vocábulo ‘papel’ não é, do mesmo modo, essencial ao conceito desses bens finais. O suporte das publicações é apenas o continente (corpus mechanicum) que abrange o conteúdo (corpus misticum) das obras. O corpo mecânico não é o essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade, pois a variedade de tipos de suporte (tangível ou intangível) que um livro pode ter aponta para a direção de que ele só pode ser considerado como elemento acidental no conceito de livro. A imunidade de que trata o art. 150, VI, d, da Constituição, portanto, alcança o livro digital (e-book)”. [9]

 

A citação mostra o recebimento da espécie bens digitais. O livro adquirido na livraria é um bem de propriedade de quem o pagou. O comprador não tem direitos autorais sobre o escrito e sim o direito de propriedade sobre a sua cópia. O arquivo de um e-book guarda conformidade com esta ideia, caso seja feita uma cópia da obra estar-se-ia quebrando a mesma regra de direito autoral existente sobre o livro adquirido na livraria, por equiparação deve haver a proteção à existência da própria cópia disponibilizada em ambiente virtual.

Os bens digitais são exemplificados das mais diversas formas, o que pode gerar certa controvérsia em sua conceituação, observando que apesar do debate atingir novo patamar neste momento, não é novo e já ocupava parte da doutrina, veja a seguinte citação:

Os bens digitais, conceituados, constituem conjuntos organizados de instruções, na forma de linguagem de sobre nível, armazenados em forma digital, podendo ser interpretados por computadores e por outros dispositivos assemelhados que produzam funcionalidades predeterminadas. Possuem diferenças específicas tais como sua existência não-tangível de forma direta pelos sentidos humanos e seu trânsito, por ambientes de rede teleinformática, uma vez que não se encontram aderidos a suporte físico. [10].

 

Os bens digitais são arquivos digitais (dados) que proporcionam utilidade ao seu detentor e podem possuir ou não valoração econômica. Por serem incorpóreos podem gerar celeuma sobre sua tutela. Mas se deve observar que a propriedade sofreu alterações em decorrência das mudanças sociais a que o indivíduo foi submetido, Venosa retrata esta situação ao afirmar que o “conceito e a compreensão, até atingir a concepção moderna de propriedade privada, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários povos, desde a Antiguidade. A história da propriedade é decorrência direta da organização política.”.[11]

Neste mesmo sentido as palavras de RODOTÀ, dispondo sobre a apresentação da função social da propriedade na Constituição Italiana e seu exercício, parecem antever ao final do século XX a atual situação que o Direito Civil busca entender:

Nessas e em outras interpretações análogas, todas muito distantes de seus precedentes, parece destacar-se a busca por um modelo de disciplina das relações econômicas que, embora não ordene diretamente a realização de uma transformação social, pelo menos não a impede: as normas sobre propriedade e sobre a empresa não representariam substancialmente uma ruptura em um texto que, por outro lado, é percorrido por inspirações 'sociais' desiguais, mas perceptíveis.7[12]

 

Este é o momento de surgimento de um novo tipo de bem, no qual os anseios sociais e econômicos dirigirão os interesses à sua manutenção e proteção por meio do exercício do direito de propriedade.

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5.Como fica o direito de propriedade

O direito de proprietário, ou exercício do direito de propriedade é aquele que decorre da faculdade de um indivíduo de usar, gozar, dispor e o direito de reaver qualquer coisa daquele que injustamente a possua ou detenha (art. 1.228, Código Civil), podendo exercer seu direito contra qualquer pessoa, limitado às exigências da função social8. Este é um direito fundamental e protege a existência do bem.

O exercício do direito de propriedade acarreta poderes ao indivíduo que detém um bem, a doutrina aponta os seguintes poderes para exercê-lo:

a) Jus utendi: direito de tirar do bem todos os seus proveitos, sem que haja alteração em sua substância, ou seja, usar a propriedade de todas as formas previstas ou não vedadas em lei;

b) Jus fruendi: direito de perceber os frutos e de utilizar os produtos da coisa, ou seja, de fruir ou gozar todos os benefícios lícitos que a propriedade possa proporcionar;

c) Jus abutendi ou disponendi: direito de dispor da coisa. Por dispor, entenda-se a prerrogativa de transferir o bem, a qualquer título, o que também abarca a possibilidade de consumi-lo. Esclareça-se, de logo, que inexiste um “direito ao abuso”, como a expressão jus abutendi pode equivocadamente soar na primeira leitura (e consistiria em uma violação ao já explicado princípio da vedação ao abuso de direito), mas, sim, apenas o exercício de um direito de disposição da coisa;

d) Jus reivindicatio ou rei vindicatio: direito que tem o proprietário de buscar o bem de quem injustamente o detenha. [13]

 

Estes poderes são a forma de resguardar o exercício da propriedade, assim o proprietário pode buscar o bem onde estiver, dispor da forma que convir (tanto para venda como na sua utilização) e receber os frutos, podendo desempenhar seus poderes contra qualquer pessoa. Necessário lembrar, que existem limitações ao exercício a fim de evitar excessos bem como o respeito à função social.

Percebe-se, portanto, que o indivíduo possui o direito à proteção dos elementos essenciais para seu conforto e sobrevivência. O sentimento que um indivíduo do século XVIII, que vivia no campo, teria em relação a uma pá ou uma enxada, é o mesmo sentimento que o advogado do século XXI tem em relação à sua biblioteca virtual. Nestes exemplos, há uma conexão: o exercício do direito de propriedade e sua proteção.

O que gera um abismo entre os exemplos é o fato de ao final do dia o agricultor guardar seus utensílios em um quarto ou celeiro, enquanto a biblioteca do advogado ficará guardada na forma de arquivo no mundo virtual (computador ou similar) ou em um servidor, que se utiliza da rede mundial de computadores:

Tecnicamente, a Internet consiste na interligação de milhares de dispositivos do mundo inteiro, interconectados mediante protocolos (IP, abreviação de Internet Protocol). Ou seja, essa interligação é possível porque utiliza um mesmo padrão de transmissão de dados. A ligação é feita por meio de linhas telefônicas, fibra óptica, satélite, ondas de rádio ou infravermelho. A conexão do computador com a rede pode ser direta ou através de outro computador, conhecido como servidor. Este servidor pode ser próprio ou, no caso dos provedores de acesso, de terceiros. O usuário navega na Internet por meio de um browser, programa usado para visualizar páginas disponíveis na rede, que interpreta as informações do website indicado, exibindo na tela do usuário textos, sons e imagens. São browsers o MS Internet Explorer, da Microsoft, o Netscape Navigator, da Netscape, Mozilla, da The Mozilla Organization com cooperação da Netscape, entre outros. [14]

 

Estes arquivos, guardados através de servidores, na rede mundial não são apenas dados. São, também, bens digitais submetidos às regras de proteção à propriedade que possibilitam o exercício dos poderes supramencionados, principalmente o de disponibilidade. Estes itens da vida contemporânea podem gozar desta proteção, inclusive com a possibilidade de sua imposição contra atos de terceiros e a reparação por sua perda.

Os bens digitais podem ser guardados em equipamentos do próprio proprietário ou de forma remota, na rede mundial, o que pode trazer uma fragilidade ao proprietário e a limitação do exercício de seu direito de propriedade. O arquivamento através da rede é feito através da contratação de um serviço muito comum e popular batizado de “nuvens”.

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6.Computação em nuvens - cloud computing

“Cloud Computing” é uma tecnologia que proporciona acesso a arquivos e uso de programas de computador (ou aplicativos) através da rede mundial de computadores, sem a necessidade de uma máquina local, o que diminui os custos para particulares e empresas.

Esta tecnologia se sobressai em um período que arquivos de dados estão cada vez ocupando mais espaço, por sua maior qualidade de imagens, áudios e vídeos. A sua importância é ligada ao estilo atual de vida da sociedade, sempre interligada à rede de computadores e com acesso à Big Data9. Há uma imensa quantidade de dados à disposição do indivíduo, e este passou a arquivar toda a sua vida de forma digital e a acessa a qualquer momento e em qualquer local:

Destarte, pode-se entender que a computação em nuvem é um serviço oferecido pela Internet, no qual o usuário (pessoa física ou jurídica) contrata com o provedor para ter direito de acesso ao conteúdo armazenado por ele em nuvem, constituindo-se função do prestador de serviço (provedor que armazena as informações) atentar para a segurança dos dados custodiados. Ademais, o provedor contratado deve fornecer serviços como armazenamento, backup de conteúdo, processamento, entre outros. Os usuários, assim, podem ter acesso de forma teoricamente segura aos seus dados de qualquer lugar e a qualquer tempo. [15]

 

Esta tecnologia é atrativa em razão de seu viés econômico e de sua praticidade. A vantagem de poder arquivar seu patrimônio virtual sem a necessidade de uma memória de computador maior, física e estática proporciona facilidade e acessibilidade. E ao contrário de tantas outras tecnologias não é uma moda passageira, trata de uma poderosa ferramenta que passou fazer parte do cotidiano de inúmeros particulares e empresas, em reportagem da FORBES tem-se:

O chamado cloud computing consiste no uso da memória e da capacidade de processamento de computadores e servidores remotos, via internet, por empresas e indivíduos. E não se trata de nuvem passageira, pois há vantagens evidentes no processo: com ele, economiza-se equipamentos, espaço físico e mão-de-obra. A companhia fica ainda liberada para focar esforços em sua atividade-fim, e não em TI. Mas há também, ao menos, uma desvantagem: o risco de que informações, senhas e até mesmo capital sejam acessados (e roubados). Em resposta, o investimento em segurança de dados vem crescendo; na verdade, isto sim é que pode ser chamado de uma tendência do setor.[16]

 

Outra informação que representa a importância econômica desta tecnologia é proveniente da consultoria Gartner, que prevê em 2023 o gasto de usuários finais com serviços de nuvens públicas na órbita de U$ 597,3 bilhões, algo em torno de R$ 3 trilhões, o que mostra a importância de tal tipo de serviço para a economia e para o Direito. [17]

O armazenamento nas nuvens demonstra importância para o atual estágio da internet, no entanto, esta tecnologia pode apresentar risco a perda de dados. A reportagem da Forbes chama a atenção para o risco na segurança dos arquivos guardados nestas “nuvens”, e que isto pode gerar prejuízo ao usuário.

O risco na segurança pode ser retratado pelos casos de invasão e furto dos dados, com possível perda por ação do invasor (normalmente atrás de algum tipo de vantagem econômica e ilícita). Outra situação que pode gerar prejuízo e até mesmo a perda do bem digital é contratual. Este armazenamento dos bens digitais nas “nuvens” trata de um contrato de serviços, existente em um mercado em expansão e muito valorizado. Sobre a evolução deste serviço observa-se:

 

Em 2006, a Amazon Web Services (AWS) introduziu o Simple Storage Service (S3), para armazenar dados de qualquer tipo e tamanho; (...) isso marcou a introdução da nuvem pública, uma oferta comercial para empresas que precisam coletar, armazenar e analisar seus dados de forma simples e segura em qualquer escala. A ideia de que você poderia “alugar” unidades de recursos de computação e armazenamento que poderiam ser instantaneamente provisionados e gerenciados por terceiros para suportar operações e usuários em qualquer lugar do mundo foi revolucionária.

(...)

Os três serviços iniciais da Amazon efetivamente abriram caminho para que outros provedores de serviços de nuvem os seguissem. O Google entrou no negócio da nuvem com o lançamento do Google App Engine em 2008.8 A Microsoft anunciou o Azure mais tarde daquele ano e lançou seus primeiros produtos de nuvem em etapas de 2009 até o início de 2010.9 A IBM entrou na briga com a aquisição da SoftLayer, a progenitora da IBM Cloud, em 2013. [18]

 

As grandes corporações dominam a oferta do armazenamento de arquivo nas nuvens. Infelizmente os usuários são submetidos a termos de condições genéricos e massivos, nem sempre autoexplicativos e que na maioria das vezes não expõe as devidas informações e riscos de perda dos arquivos lá guardados.

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7.Os serviços e os termos de uso

O uso destes serviços, muitas vezes, não é compreendido pelo usuário. Ele não tem a real noção do que se trata, apenas SALVA o arquivo. Ao mesmo tempo imagina que seu arquivo sempre estará à disposição em seu smartphone ou computador, pois ele salvou a foto ou o e-book automaticamente em seu espaço nas nuvens.

Este usuário não é completamente informado sobre as condições em que seu arquivo ficará guardado. Ele não está ciente da perda por problemas operacionais ou em razão do fim do seu contrato de serviços de armazenamento, que pode acarretar a ausência de acesso aos seus arquivos, bem como a própria perda da propriedade dos que forem considerados bens digitais.

Os contratantes, deste tipo de serviços, são informados da política e dos termos de uso de forma unilateral, através de texto que podem não focar em pontos delicados da contratação, entre eles, o que acontece com os arquivos no caso de fim da prestação de serviço, seja por perda do acesso ou extinção do contrato. Importante não confundir Política de privacidade com os termos de uso:

Uma política de privacidade (PP) é geralmente apresentada como um contrato que regulamenta o uso de dados pessoais por uma organização que oferece um serviço ou um produto (Siebra e Xavier, 2020). A PP deve descrever diferentes aspectos relacionados às informações pessoais, como quais dados são coletados, como são coletados, para quais finalidades, como esses dados são protegidos, qual é o período de retenção, entre outros.

Uma PP ainda precisa declarar se os dados coletados são compartilhados com terceiros e qual é o procedimento em caso de mudanças na política. Frequentemente, as PPs são confundidas com termos de uso. No entanto, os termos de uso estabelecem regras de uso para serviços e limites para as obrigações da organização (Yamauchi et al., 2016). [19]10

As regras sobre a prestação de serviços e a situação dos arquivos armazenados nos servidores do prestador estão expressas nos termos de uso. Ao contratar um destes serviços o usuário é encaminhado a uma página de internet em que há a opção de aceitar os termos de uso, ao mesmo tempo em que declara os ter lido.

A fim de materializar a situação e mostrar como funcionam estes termos de uso verifique os dois exemplos abaixo transcritos, lembrando que estas informações são públicas e estão disponibilizadas nos sites destes prestadores, conforme a nota de fim, com endereço e data de acesso. As empresas foram escolhidas por indicação em busca no site Google.

A Apple possui um serviço de armazenamento de dados chamado iCloud, destinado a todos os usuários de produtos desta marca, as informações sobre extinção da prestação e o destino dos dados são as seguintes:

VII. Rescisão

A. Encerramento voluntário por você

(...)

B. Rescisão pela Apple

(...)

C. Efeitos do encerramento

Quando ocorrer o encerramento da Conta, você poderá perder todo o acesso ao Serviço e a partes dele, incluindo, entre outros, sua Conta, o ID Apple, a conta de e-mail e o Conteúdo. Além disso, depois de um tempo, a Apple apagará as informações e os dados armazenados na Conta. Quaisquer componentes individuais do Serviço que você possa ter utilizado sujeitos a acordos de licença de software independentes também serão cancelados de acordo com esses acordos de licença. [20]

 

Em seu termo de uso são dispostas hipóteses de encerramento da conta, uma observação sobre a isenção de responsabilidade por danos da Apple e os efeitos de encerramento supra narrados. De forma simples expõe a perda dos dados, sem maiores oportunidades ou aprofundamento da questão.

A Apple informa, também, que em alguns casos encerrará a conta por aviso prévio, conforme outro trecho constante nos termos de uso:

VII. Rescisão

A. Encerramento voluntário por você

(...)

B. Rescisão pela Apple

(...)

Além disso, a Apple poderá encerrar a sua Conta mediante aviso prévio de 30 dias por e-mail para o endereço associado à sua Conta se (a) a sua Conta estiver inativa por um (1) ano; ou (b) o Serviço for descontinuado de forma geral ou se houver modificação material do Serviço ou de qualquer parte dele.

(...) [21]

 

Os dados, segundo este termo, são apenas dados. Não há uma proteção clara à existência de propriedade digital ou mesmo cuidados sobre o destino dos bens digitais no caso de cancelamento da conta. A mesma situação observa-se com uma empresa brasileira, que fornece serviço de armazenamento de dados, veja:

10 - DA MANUTENÇÃO DE DADOS

10.1 - Deixando de vigorar o presente contrato, seja por não renovação, rescisão, inadimplência ou por qualquer outro motivo, por liberalidade e sem qualquer custo para o CONTRATANTE, independentemente de haver retirado o servidor hospedado do ar, manterá armazenados os dados existentes no servidor pelo prazo de 30 (trinta dias) a contar da data do inadimplemento e/ou rescisão contratual do CONTRATANTE. Findo o prazo de 30 (trinta) dias, o apagamento (deleção) dos dados se dará independentemente de qualquer aviso ou notificação, operando-se de forma definitiva e irreversível. [22]

 

Em ambos os contratos, não há uma proteção clara à existência de propriedade digital ou mesmo cuidados sobre o destino dos bens digitais no caso de cancelamento da conta. Em acontecendo, serão deletados e os usuários não teriam como recuperá-los, nos casos de cópia única. Neste momento pode-se pensar, nada mais justo, pois informação é o novo petróleo e mantê-la em espaços virtuais sem uso é desperdício.

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8.A perda da propriedade

Esta resposta não pode ser aceita pelo Direito Civil. Veja que haveria a perda da propriedade por ato unilateral sem a possibilidade de oportunidade ao usuário de desempenhar atos para sua proteção, deixando este usuário sem a tutela de seus bens. O bem digital é propriedade do usuário, devendo gozar de todas as proteções.

Vê-se o surgimento de um novo tipo de conflito, a começar pela própria existência dos bens digitais e seu amparo pelo instituto da propriedade, novamente Rodotà, ao falar sobre propriedade e sua função, dispõe de um caminho a ser trilhado:

No entanto, a contradição está destinada a se apresentar novamente a longo prazo, porque os conflitos aos quais se procura oferecer solução com as técnicas mencionadas são substancialmente aqueles que ocorrem entre interesses dominicais e novos interesses que não podem ser reconduzidos a uma base dominical (como os já mencionados relacionados ao meio ambiente, à saúde, etc.). Como resultado, a matriz dessas técnicas contribui para confirmar a lógica da propriedade como ponto de referência obrigatório, dando uma nova legitimação aos interesses dominicais, que se queria afastar do centro do sistema. [23]11

 

Os interesses sobre os bens digitais possibilitarão a formação de um caminho para a sua tutela e proteção, resguardado em institutos já existentes e conforme as necessidades e anseios da própria sociedade.

Neste sentido, necessário observar as formas de perda da propriedade: a) em razão da vontade do proprietário pela alienação, renúncia, abandono e b) de forma involuntária pelo perecimento da coisa e desapropriação, conforme art. 1.275, do Código Civil. Em tempo, a doutrina lembra o cuidado com outras causas específicas da perda, como acessão e usucapião que dependem de lei específica. [24]

Na situação envolvendo a perda dos bens digitais pela ausência de acesso e apagamento, a análise se aterá ao perecimento do objeto, vez que em razão dos contratos transcritos essa será a consequência sobre o bem digital, assim tem-se:

Perece a coisa pela sua destruição por força da ação humana ou evento acidental, sendo, contudo, de observar que se pode sub-rogar o ius dominii no valor do seguro ou no direito às perdas e danos: a propriedade se extingue, mas o dominus assume a subjetividade de outra relação jurídica. Perecimento haverá na morte do animal, podendo, contudo, subsistir sobre suas partes aproveitáveis (carcaça óssea, pele etc.). Perecimento ocorre ainda quando a coisa, íntegra embora, sai totalmente do apropriamento do dono ou se encontre em lugar absolutamente inacessível (queda do objeto em pleno mar). Extingue-se o domínio quando a coisa passa à categoria de res extra commercium, equivalendo à perda, embora com substituição ou sub-rogação dos direitos dominiais em perdas e danos ou no valor dela, conforme o caso. [25]

 

O bem digital poderá sofrer os efeitos da perda de propriedade na forma disposta pelo Direito Civil. Apenas exemplificando, um usuário mantém em arquivos nas “nuvens” 10 GB de e-books (todos adquiridos onerosamente), músicas (também adquiridas de forma onerosa) e todas as fotos de seus filhos (desde nascimento a dias atuais), sendo esta a única cópia de tais arquivos. Em havendo o cumprimento do estabelecido pela prestadora e de forma unilateral ela apagando estes bens digitais, haverá perecimento.

Este caso demonstra a situação dos bens digitais dispostos em armazenamento de nuvens, segundo a qual haverá perda do bem, sendo esta matéria tratada pelo Direito das Coisas, bem como deverá ser feita análise sobre os bens perdidos e identificada a sua natureza.

Algumas possibilidades apresentam-se ao presente caso. Desde a aplicação da boa fé na relação contratual até a proteção dos direitos de propriedade do usuário, através de um ato informativo realizado pela contratada. Há a possibilidade de proteção ao usuário, no momento por meio de interpretação e aplicação de normas já existentes, que tratem de relações de consumo, de relações privadas e do próprio direito autoral.

Esta é a nova realidade, o reconhecimento de novos bens e o Direito imbuído de uma nova visão, capaz de vislumbrar este fenômeno nos bens e seus efeitos patrimoniais. [26]

A sociedade vivencia situações como a ilustrada. Há uma nova realidade disposta sobre as relações entre os indivíduos, decorrente da vida virtual, bem como a própria existência de itens apenas pensados em obras de ficção científica. Os bens digitais, por ventura perdidos em razão de ato unilateral poderão ser ressarcidos.

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9.Considerações finais

Os bens digitais são uma realidade vivenciada por toda sociedade, não se podendo negar a sua existência fática e a ausência de proteção efetiva sobre eles. Existem processos judiciais tramitando no sentido de reconhecimento de acervos digitais, neste momento mais preocupados com o Direito Sucessório.

Ainda não se sabe como o Direito se adequará a esta nova espécie de bens, mas em um primeiro momento fica demonstrado que a proteção dos mesmos pode ser possibilitada pelos institutos já existentes, veja a decisão sobre a questão tributária em E-books.

Estas primeiras decisões e os estudos, provenientes da academia, indicaram a existência de uma propriedade virtual não regulamentada e ansiosa por sua devida tutela, que precisa desta proteção para proteger os interesses de toda a sociedade.

Nota-se a mudança de referência para o direito da propriedade, sempre envolto às questões econômicas e que já discutiu a grande propriedade, a função social, os meios de produção, agora terá o ônus de racionalizar e proporcionar a proteção necessária aos milhões de usuários e seus bens digitais.

A proteção contra a perda apresenta-se como uma das questões relevantes e essenciais a este instituto, vez que a sorte dos bens digitais está sendo decidida em termos gerais contratuais, muitas vezes não lidos pelos usuários. Em sendo abraçado pelos Direitos Reais, como propriedade, teremos a possibilidade de exercício de um Direito Absoluto, podendo ser disposto e imposto contra todos.

A doutrina europeia e anglo-americana já enfrenta o presente tema a algum tempo, no Brasil, neste momento, surge com mais força o debate sobre a situação dos bens digitais e os efeitos de sua perda, apesar de não haver legislação específica sobre o tema, entende-se a possibilidade de aplicação dos estatutos de Direito Civil como forma de apresentar respostas às situações apresentadas.

O objetivo de proteger os bens digitais é evitar prejuízos para seus titulares. Devido à sua natureza, o estatuto da propriedade incorpórea patrimonial pode ser utilizado como um regulamento para sua proteção. Os bens digitais são uma realidade na sociedade, pois fazem parte das atividades e realizações cotidianas do indivíduo comum, seja no estudo, lazer, trabalho ou nas relações pessoais. Ao reconhecer sua existência e compreender sua natureza, torna-se necessário o desenvolvimento de ferramentas para sua proteção.

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10.Biografia(s)

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11.Declaração de direitos

O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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12. Referências

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  • 26. GONÇALVES, Thatiane Rabelo. Novos bens: a realidade dos bens imateriais no direito privado. In Revista de direito privado. Vol 100/2019. Jul/ago. 2019. Pag. 19-37. Disponível em: <https://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc5000001893b0e2ca8ae8ba635&docguid=I7ad147a0a2ca11e9bab0010000000000&hitguid=I7ad147a0a2ca11e9bab0010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=123&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1#>. Acesso em: 04.jul.2023.

 

     

1

Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, Brasil.

2

Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, Brasil.

 

3

​​ Jogador Número 1 é um livro de ficção escrito por Ernest Cline que gerou um filme. 1984 trata do famoso livro George Orwell

4

​​ Tron é um filme de 1982 e Matrix é um filme 1999, ambos tratam de um universo digital em que humanos são inseridos como se fossem apenas dados.

5

​​ Em tradução livre da frase: virtual property shares three legally relevant characteristics with real world property: rivalrousness, persistence, and interconnectivity.

6

​​ A título de exemplo, decisão do TJSP, datada de 10.12.21, que trata de tema envolvendo bens digitais. Ementa: Consumidor. Prestação de serviços. Conta Microsoft. Perda de acesso. Bens digitais. Falha na prestação do serviço caracterizada. Danos morais inerentes ao fato dada a essencialidade do serviço. Ação ora julgada procedente. Recurso provido. Processo n.º 1043476-33.2021.8.26.0100.  

7

​​ Em tradução livre da frase: Em estas y em otras interpretaciones análogas, todas ellas muy lejanas de sus precedentes, parece ponerse de relieve la busqueda de um modelo de disciplina de las relaciones económicas, que, aunque no ordena de manera directa la realizacíon de uma transformación social, por lo menos no la impide: las normas sobre la propriedad y sobre la empresa no representarían sustancialmente uma fractura em um texto, que, por outra parte, aparece recorrido por desiguales, pero perceptibles, inspiraciones <<sociales>> ​​ .

8

​​ Na Constituição Federal, Art. 5º(...)XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. No Código Civil, Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1.º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

9

​​ Sobre a Big data tem-se a seguinte explicação: “A importância deles é evidente, uma vez que os negócios estão cada vez mais sendo conduzidos online, a atividades empresariais e sociais importantes ocorrendo em redes sociais, vários portais e outros canais da internet. Big Data é um termo que se refere a conjuntos de dados organizados e não estruturados, frequentemente descritos usando os quatro Vs: volume, variedade, velocidade e veracidade.” Traduzido livremente de: “Their significance is evident given that business is increasingly being conducted online, and important business and social activities are taking place on social networks, various portals, and other Internet channels. Big data is a term that refers to both organized and unstructured data sets that are frequently described using the four Vs: volume, variety, velocity, and veracity.”

 

10

​​ Em tradução livre de: A privacy policy (PP) is usually presented as a contract that regulates the use of personal data by an organization providing a service or a product (Siebra and Xavier,2020). A PPshall describe different aspects related to personal information, such as which data is collected, how it is collected, forwhat purposes, how this data is secured, what is the periodof retention, among others. A PP still needs to state whetherthe collected data is shared with third-parties and what is theprocedure in case of policy changes. Frequently, PPs are confused with terms of use. Terms ofuse, however, establish usage rules for services and state lim-its to the obligations of the organization (Yamauchi et al.,2016).

11

​​ Em tradução livre de: Sin embargo, la contradicción está destinada a volver a presentarse a más largo plazo, porque los conflictos a los que se quiere ofrecer solucíon com las técnicas aludidas, son sustancialmente los que se producen entre interesses dominicales y nuevos intereses que no puedan reconducirse a uma base dominical (como los ya recordados del ambiente, de la salud, etc.). En consecuencia, la matriz de tales técnicas contribuye a confirmar la lógica de la propriedad como obligado punto de referencia, dando uma nueva legitimación a los intereses dominicales, que se quería alejar del centro del sistema.

 

 


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