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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO CURTO ORIGINAL

A vulnerabilidade do paciente-consumidor e os planos de saúde na modalidade ambulatorial

Petrúcio Lopes Casado Filho1

 

Como Citar:

FILHO, Petrúcio Lopes Casado. A vulnarabilidade do paciente-consumidor e os planos de saúde na modalidade ambulatorial. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.3665-3672, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202472717

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DOI: 10.61411/rsc202472717

 

Área do conhecimento: Ciências Jurídicas.

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Palavras-chaves: direito à saúde; consumidor; planos de saúde; ambulatorial.

 

Publicado: 20 de agosto de 2024.

Resumo

O artigo “A Vulnerabilidade do Paciente-Consumidor e os Planos de Saúde na Modalidade Ambulatorial” explora as implicações da escolha pela modalidade ambulatorial nos planos de saúde privados no Brasil. A introdução contextualiza a questão, abordando a limitação da cobertura oferecida por essa modalidade, que se restringe a consultas médicas, serviços de apoio diagnóstico, tratamentos ambulatoriais e medicamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, excluindo atendimentos hospitalares. O artigo detalha como, frequentemente, a limitação da cobertura só se torna evidente quando o paciente necessita de internamento, expondo uma vulnerabilidade significativa do paciente-consumidor. A metodologia empregada inclui uma análise crítica da legislação vigente, revisão da literatura sobre direitos dos consumidores e estudos de caso que ilustram situações reais enfrentadas por pacientes. As considerações finais do artigo ressaltam a necessidade urgente de maior transparência nas informações fornecidas pelos planos de saúde e a importância de regulamentações mais robustas para proteger os direitos dos consumidores, garantindo que estejam plenamente informados sobre a extensão da cobertura de seus planos e suas implicações.

 

 

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1.Introdução

O direito à Saúde foi alçado ao patamar de direito fundamental, sendo direito de todos e dever do Estado garanti-lo, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação. É o que está estabelecido no art. 196 da Constituição Federal de 1988.

A seção da Constituição que trata do direito à saúde também prevê diversas regras orçamentárias em como garantir esse direito à população. Dessarte, sabe-se que os serviços de saúde são caros e a experiência do Estado brasileiro na gestão pública não é das melhores, apesar dos esforços engendrados, como a implantação de uma nova administração pública gerencial, a legislação de improbidade administrativa e, mais recentemente, a edição na nova lei de licitações.

Com isso, diante da já sabida insuficiência orçamentária, a mesma Constituição previu também, no art. 199, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, podendo a execução dos serviços de saúde ser realizada por pessoas físicas e jurídicas de direito privado.

A lei que regulamentou a oferta dos serviços de saúde pela iniciativa privada, que se diga, ainda que prestados por entidades privadas, continuam sendo serviços de relevância pública, foi a lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. A legislação infraconstitucional trouxe os tipos de produtos que poderiam ser oferecidos aos consumidores pelos planos de saúde privados, dentre eles, planos que incluam somente atendimento ambulatorial ou com atendimento hospitalar, este último com ou sem assistência obstetrícia.

A modalidade de atendimento ambulatorial vem sendo difundida pelas operadoras de saúde, haja vista o aumento dos valores cobrados, sendo uma alternativa para aqueles consumidores que não conseguem mais arcar com as mensalidades da categoria hospitalar. Ocorre que, muitas vezes, sem saber exatamente como funcional tal modalidade, no momento em que mais precisam da cobertura, é que o consumidor, no alto de sua vulnerabilidade, descobre que o plano não vai lhe servir.

 

2.Discussão

A Constituição Federal possibilitou a oferta de planos de saúde à iniciativa privada, em virtude da carência de serviços, prevendo que o Estado deveria fiscalizar e controlar a atuação particular nessa seara.

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A carência de recursos públicos para o custeio e manutenção dos serviços púbicos de saúde fez emergir um mercado formado por uma clientela que pode pagar um plano privado de assistência à saúde, ou contratar a cobertura de um seguro. [...] A insuficiência de recursos fez aparecer o chamado mercado para a medicina suplementar privada[2].

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O art. 12 da Lei federal e nacional nº 9.656/1998[3] disciplina as modalidades de planos de saúde que podem ser oferecidas pelos planos de saúde, sendo a mais comum, a que prevê internamento hospitalar.

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Este art. 12 da LEI 9.656/98 traça limites mínimos, verdadeiros pisos para as amplitudes de coberturas e permite a diferenciação entre os planos e entre os seguros, para proporcionar uma certa concorrência das operadoras, das seguradoras e entre umas e outras, proporcionando escolha ao consumidor para contratar um plano de saúde ou um seguro-saúde, segundo a conveniência individual[4].

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Uma categoria pouco conhecida do mercado consumidor passou a ganhar mais adesão após a pandemia: a modalidade ambulatorial.

Com o aumento dos custos dos planos de saúde após a pandemia, sem conseguir pagar as mensalidades, muitos consumidores migraram do plano hospitalar para a modalidade ambulatorial. Todavia, alguns sem terem pleno conhecimento de como funciona efetivamente o plano, só o descobrem em momento delicado.

Regulamentando a Lei, o artigo 7º da Resolução Normativa 465/2021[5], editada pela Agência Nacional de Saúde, permite às operadoras de planos privados de assistência à saúde oferecer, alternativamente, os planos ambulatorial, hospitalar ou hospitalar com obstetrícia, odontológico e suas combinações.

Segundo o artigo 18 da mesma Resolução Normativa 465/2001, o plano ambulatorial compreende os atendimentos realizados em consultório ou em ambulatório e os atendimentos caracterizados como de urgência e emergência, não incluindo internação hospitalar ou procedimentos que demandem o apoio de estrutura hospitalar por período superior a doze horas, ou serviços como unidade de terapia intensiva e unidades similares.

Impende observar que, quanto aos atendimentos de urgência e de emergência, o art. 2º, caput, da Resolução 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar - CONSU prevê: “O plano ambulatorial deverá garantir cobertura de urgência e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento”.

Imagine-se a seguinte situação: um cliente, influenciado por discurso de corretor de plano, que potencializava as supostas vantagens de um plano ambulatorial, como uma mensalidade mais barata, adquire o plano. Nessa modalidade, caso o paciente precise de um atendimento de urgência ou emergência, o plano tem a obrigação de atende-lo apenas no período de 12 horas. Se ultrapassado esse limite, e o consumidor precisar realizar um procedimento cirúrgico ou mesmo de uma internação em unidade de terapia intensiva, ele será transferido para unidade do sistema único de saúde, não havendo obrigatoriedade de dar continuidade ao atendimento.

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a Súmula 512 do STJ, que diz ser “abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”, não se aplica aos planos de saúde na modalidade ambulatorial[6].

Ou seja, mesmo que as condições de saúde do paciente e relatórios ou prontuários médicos recomendem a necessidade de alguma outra intervenção, o plano de saúde contratado, por possuir apenas a modalidade ambulatorial, dele não será exigido que preste a devida assistência.

Nessa hora é que se verifica a questão da vulnerabilidade do consumidor. Vulnerabilidade esta expressamente reconhecida pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, I[7].

Segundo Rizzatto Nunes[8],

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Tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal. Significa ele que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico.

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O consumidor precisa ser bem informado sobre o que está contratando, para não ser surpreendido quando mais precisar se utilizar do plano. “A escolha consciente de certo produto ou serviço por parte do consumidor depende de todos os dados necessários sobre a contratação”[9].

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Se há, hoje, um contrato que deve ser intensamente lido à luz de sua função social é aquele relativo à prestação de serviços de saúde. Não é qualquer bem que está em jogo. É a saúde humana. Não há possibilidade de realizarmos nossos projetos de vida sem saúde. É uma espécie de primeiro degrau da escada. Costumamos dizer – e há muita verdade nisso – que a saúde é um dom tão precioso que só a valorizamos adequadamente quando por uma razão qualquer a perdemos[10].

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Como visto, a modalidade empresarial dos planos de saúde não está servindo ao propósito que é pagar por um plano de saúde, qual seja, restabelecer a saúde do consumidor, vulnerável, quando mais vai precisar do plano.

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3.Considerações finais

O que se observa é que o plano de saúde na modalidade ambulatorial, ao invés de servir ao consumidor, está sendo utilizado pelas operadoras de saúde para angariar clientela vulnerável, que não sabe, na verdade, o que está contratando. E quando esse cliente realmente precisar do plano, não terá a cobertura satisfatória.

Se o objetivo da Lei dos planos de saúde, ao prever tal modalidade era trazer concorrência entre os planos de saúde, o intento não foi atingido. E se, ao fim, a categoria ambulatorial está servindo apenas para o lucro das operadoras, desembocando os pacientes para atendimento na fila do sistema único de saúde, é melhor haver uma revisão da lei, para excluir a modalidade ambulatorial.

Os consumidores precisam ter força para enfrentar essa situação. Depois da pandemia, “ficou evidente a importância de se assegurar o direito à vida, que, no campo consumerista, passa pelo reconhecimento da vulnerabilidade dos consumidores e pela necessidade de se não excluir procedimentos [...] para melhor salvaguardar a saúde dos consumidores”[11].

Conclui-se afirmando que a prestação privada de serviços à saúde não deve ser vista unicamente sob a ótica patrimonialista, do lucro. A autonomia da vontade de um consumidor mal informado sobre o que está adquirindo não pode prevalecer sobre o objetivo principal de um plano de saúde: salvaguardar a vida, a saúde e a dignidade da pessoa.

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4.Declaração de direitos

O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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5.Referências

  • BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos de Saúde: comentada artigo por artigo, doutrina, jurisprudência. 2 ed. Ver., ampl., e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 53

  • Lei 9.656/98. Art. 12. ​​ São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

  • I - quando incluir atendimento ambulatorial:

  • a) cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina;

  • b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente;  ​​ ​​ ​​​​ 

  • c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes; [...]

  • BOTTESINI, Op. Cit., p. 122.

  • Art. 7º As operadoras deverão oferecer obrigatoriamente o plano-referência de que trata o art. 10 da Lei n.º 9.656 de 1998, podendo oferecer, alternativamente, planos ambulatorial, hospitalar, hospitalar com obstetrícia, odontológico e suas combinações, ressalvada a exceção disposta no § 3 º do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998.

  • AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE AMBULATORIAL. EMERGÊNCIA. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO PELA AUSÊNCIA DE CARÁTER ABUSIVO DA CLÁUSULA DE LIMITAÇÃO DE INTERNAÇÃO EM UTI POR SE TRATAR DE MODALIDADE AMBULATORIAL. PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA. OBSERVÂNCIA DA ABRANGÊNCIA DA SEGMENTAÇÃO EFETIVAMENTE CONTRATADA NO PLANO DE SAÚDE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 302/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

  • Lei 8.078/90. Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

  • I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...]

  • NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 174.

  • GONÇALVES, Caroline Visentini Ferreira; KRETZMANN, Renata Pozzi. Reflexões sobre o direito do consumidor a partir da Covid-19. In: SALES, Jonas. Direito do consumidor aplicado: garantias do consumo. Indaiatuba, SP: Foco, 2023, p. 40.

  • BRAGA NETTO, Felipe. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. 16 ed. rev. atual. ampl. Salvador: Jus Podivm, 2021, p. 417.

  • RAMOS, André de Carvalho. Reflexões sobre o direito do consumidor a partir da Covid-19. In: SALES, Jonas. Direito do consumidor aplicado: garantias do consumo. Indaiatuba, SP: Foco, 2023, p. 366.

 

     

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UFAL

 


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