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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

A aplicação dos negócios jurídicos processuais em pactos antenupciais e nas ações de família

Laíza Bezerra Maciel1

 

Como Citar:

MACIEL; Laíza Bezerra Primeiro. A aplicação dos negócios jurídicos processuais em pactos antenupciais e nas ações de família. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.695-721, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202416617

 

DOI: 10.61411/rsc202416617

 

Área do conhecimento: Ciências Jurídicas.

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Sub-área: Direito Processual Civil

 

Palavras-chaves: negócios jurídicos processuais; ações de família; pacto antenupcial

 

Publicado: 12 de fevereiro de 2024

Resumo

O Código de Processo Civil de 2015 apresentou alterações relevantes para o direito processual civil brasileiro, com o intuito de impulsionar as soluções consensuais de conflitos e tornar a prestação jurisdicional mais célere e eficiente ao proporcionar o cooperativismo entre as partes. Dentre as inovações presentes na legislação, prevê-se a realização dos negócios jurídicos processuais atípicos, os quais as partes podem pactuar quanto aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, respeitados os requisitos de validade. A pesquisa tem como objetivo analisar a possibilidade de celebração de convenções processuais e seus efeitos jurídicos antes e durante ações de família. Para o desenvolvimento do presente trabalho, utilizou-se do método dedutivo, por meio de uma pesquisa bibliográfica, com a relação de conceitos do direito de famílias e interpretações jurídicas. Por fim, verificou-se a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos nas relações de família durante as demandas processuais e em pactos antenupciais, a fim de atender os princípios da autonomia da vontade e do tempo razoável do processo.

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The application of Procedural Legal Agreements in prenuptial agreements and family lawsuits

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Abstract

The 2015 Code of Civil Procedure introduced relevant changes to the Brazilian civil procedural law to promote consensual solutions to conflicts and make the provision of jurisdiction faster and more efficient by providing cooperation between the parties. Among the innovations in the legislation is the possibility of atypical procedural legal transactions, in which the parties may agree on procedural burdens, powers, faculties, and duties, respecting the requirements of validity. This research aims to analyze the possibility of celebrating procedural legal deals and their juridical effects before and during family lawsuits. For the development of this work, the deductive method was used through bibliographical research on the relationship between concepts of family law and legal interpretations. Finally, it has been verified that it is possible to celebrate atypical procedural legal business in family relations during procedural demands and in prenuptial agreements to meet the principles of autonomy of the will and reasonableness of the process.

Keywords: procedural legal affairs; family actions; prenuptial agreement.

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1. Introdução

O Código de Processo Civil de 2015 aponta diversas alterações no sistema processual brasileiro, com o intuito de concretizar os princípios que regem as relações processuais, impulsionar as soluções consensuais das controvérsias, bem como tornar mais célere e eficiente a prestação jurisdicional. A possibilidade de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas para a uniformização das decisões, a obrigatoriedade de meios para solução consensual da demanda e a tramitação das ações de família em rito especial são exemplos das principais mudanças no direito processual e trazem importantes reflexos na advocacia.

Dentre as inovações concebidas no sistema processual, os negócios jurídicos processuais e as hipóteses atípicas de celebração, nos termos dos artigos 190 e 191 da Lei n° 13.105/2015, proporcionaram discussões sobre o tema. O enfoque da controvérsia é direcionado à utilização eficaz do instituto em qualquer ação, especialmente em ações de procedimento especial, e no momento oportuno de realizar convenções processuais, considerando a boa-fé processual.

Sob o marco de cooperativismo processual, o atual Código Processual Civil aponta um valor significativo ao princípio do respeito ao autorregramento da vontade, isto é, tal preceito visa à obtenção de um ambiente processual que o direito de se autorregular possa ser exercido entre as partes sem ressalvas irrazoáveis ou limitações injustificáveis. Dessa forma, a possibilidade de composição nos procedimentos pode viabilizar a produção de resultados satisfatórios com o mínimo de esforços na prestação jurisdicional, garantido os princípios da economia processual e do tempo razoável de duração do processo.

Nessa perspectiva, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a possibilidade de utilização dos negócios jurídicos processuais a serem realizados em pactos antenupciais e durante as ações de família. Para a elaboração do trabalho, será utilizado o método dedutivo, utilizando a revisão bibliográfica no desenvolvimento da pesquisa. A abordagem será impulsionada pelos estudos que evidenciam contribuições significativas das ciências jurídicas, buscando estabelecer uma conexão entre compreensões do direito processual civil e conceitos do direito de família.

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2. Os negócios jurídicos processuais

O sistema do direito processual civil brasileiro concebeu muitas alterações normativas ao longo dos últimos anos, de modo que está estruturado para estimular a solução de conflitos por autocomposição. Não por acaso, no rol das normas fundamentais do processo civil, estão previstos os princípios da boa-fé processual, da eficiência, da adequação negocial do processo e da cooperação entre as partes.

O artigo 6° do Código de Processo Civil de 2015 (1) estabelece que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Sob essa perspectiva, o princípio da cooperação define como o processo civil deve se constituir no direito brasileiro. Trata-se de uma participação colaborativa das partes e do juiz e, consequentemente, uma atuação menos adversarial na condução do processo para a célere resolução da lide.

Em relação a isso, Cassio Scarpinella Bueno (2) sustenta que o atual Código de Processo Civil apresenta inúmeras aplicações concretas do princípio da cooperação, observados os deveres do Estado-juiz no decorrer do processo. Constituem esses deveres: o dever de esclarecimento no que tange ao alcance das postulações e manifestações dos interessados; o dever de consulta que concerne à atribuição do juiz em ouvir previamente as partes sobre questões de fato e de direito; o dever de prevenção no sentido das partes serem alertadas sobre as inadequações presentes no processo; o dever de auxílio em incentivar as partes ao cumprimento adequado de seus direitos e faculdades.

A visão colaborativa entre as partes no direito brasileiro pode ser observada em diversas situações jurídicas na relação processual. Considerando que subsiste o interesse em estabelecer condições para a melhor solução do processo numa duração razoável de tempo, as partes devem atuar de forma equilibrada e com boa-fé. Sobre isso, o Enunciado n° 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3) definiu que “o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”, a fim de uma prestação mais eficaz do órgão jurisdicional.

O conceito de negócio jurídico processual e a nomenclatura para esse instituto desperta discussões entre a doutrina e possibilita a elaboração de diferentes concepções. Para Didier (4, p. 24), o “negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, nos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento”.

Opõe-se a essa concepção sobre o negócio processual o professor Antonio do Passo Cabral (5). Embora o autor também acolha o instituto processual como uma possibilidade de manifestação da autonomia da vontade das partes, o negócio jurídico processual é entendido como ato processual, de modo que as partes escolhem os efeitos produzidos:

Negócio jurídico processual é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São, em geral, declarações de vontade unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de construir, modificar e extinguir situações processuais, ou alterar o procedimento (5, p. 63).

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Para a compreensão desse instituto, é necessário considerar a importância das noções de fatos, atos e negócios jurídicos no direito brasileiro. De maneira geral, ao tratar sobre os fatos jurídicos, esses abrangem os fatos jurídicos em sentido estrito e os fato-atos jurídicos em sentido amplo. Os fatos jurídicos em stricto sensu envolvem os fatos da natureza, involuntários, não praticados pelo homem e repercutem seus efeitos no processo, tais como a força maior (artigo 313, VI, CPC/2015), a morte (arts. 110 e 313, I, CPC/2015) e a calamidade pública (art. 222, §2°, CPC/2015).

Dentre os fato-atos jurídicos em sentido amplo, encontram-se os atos jurídicos em stricto sensu e o negócio jurídico, os quais compreendem ações humanas voluntárias que podem criar, modificar e extinguir relações de direitos no âmbito do processo. Segundo Didier (6, p. 501), constituem atos jurídicos processuais em sentido estrito: a citação, a atribuição do valor à causa, a juntada de documento, a penhora, a confissão e a intimação. Os negócios processuais são manifestações da vontade os quais as partes podem escolher o tipo de ato a ser praticado, seu conteúdo e os efeitos deste ato.

Em relação aos negócios jurídicos processuais, não se pode afirmar que constituem um mecanismo inteiramente novo no direito processual civil brasileiro, visto que já havia algumas previsões expressas no Código de Processo Civil de 1973 (7). As hipóteses de suspensão convencional do processo — observados no artigo 265, II do CPC/73 e no artigo 313, II do CPC/2015; os casos de eleição do foro, previstos no artigo 112 do CPC/73 e artigo 63 do CPC/2015; bem como a possibilidade de distribuição do ônus da prova são exemplos de convenções processuais típicas já existentes no sistema jurídico.

Com o advento da alteração normativa, a Lei n° 13.105 de 2015, também intitulada como Código Processual Civil 2015, prevê a oportunidade de serem pactuados negócios jurídicos atípicos, ampliando as hipóteses de acordos processuais. Nessa perspectiva, as convenções poderão ter por conteúdo o procedimento, o ônus, as faculdades, os poderes e os deveres processuais, de acordo com a interpretação dos artigos 190 e 191 do CPC/2015 (1):

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

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Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão, ou em alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

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O dispositivo revela a possibilidade de realização dos negócios processuais, de modo que tal previsão legal serve de cláusula geral para as partes pactuarem, observando as condições e as restrições estipuladas. Pode-se extrair a concretização do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo, o qual, de acordo com Didier (4, p. 20), visa tornar o processo jurisdicional um espaço propício ao exercício da liberdade. É um fundamento que também se coaduna estreitamente com o princípio da cooperação e permite às partes regularem direitos que admitem autocomposição.

É evidente que a alteração convencional de alguns procedimentos, ajustados às especificidades da causa, exige o preenchimento das seguintes condições: a) a causa deve versar sobre direitos aos quais admitam autocomposição; b) as partes devem ser plenamente capazes; c) a convenção deve limitar-se aos ônus, faculdades, poderes e deveres processuais. A inobservância desses requisitos pode implicar em invalidade do acordo processual.

O momento de celebração dos negócios jurídicos processuais é outro aspecto de grande importância, pois o dispositivo legal permite a realização do acordo antes ou durante a ação. Dessa forma, é possível inserir uma cláusula negocial processual num outro contrato, já regulando eventual processo que possa surgir de uma relação litigiosa. O parágrafo único do artigo 190 do Código Processual Civil de 2015 prevê a possibilidade inclusive em contratos de adesão.

A realização dos negócios processuais de maneira antecipada, inseridos como cláusula contratual, ascende a complexidade da discussão no sistema jurídico brasileiro, sendo possível observar como exemplos a cláusula compromissória de arbitragem, o pacto de impenhorabilidade, o acordo para ampliação de prazos processuais ou até mesmo acordo para não promover execução provisória. Diversas são as hipóteses de convenções processuais atípicas no direito processo civil, visto que não há necessidade de um instrumento específico para sua concretização.

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2.1 Os requisitos de validade

Assim como o negócio jurídico, as convenções processuais também passam no plano da validade dos atos jurídicos. O caput do artigo 190 do CPC/2015 esclarece três principais requisitos para a produção de efeitos: a capacidade das partes envolvidas, o objeto e a forma prevista ou não proibida por lei. Caberá ao juiz controlar a validade da convenção, afastando sua aplicação quando houver nulidades do negócio jurídico e inserção abusiva em contratos de adesão.

No que diz respeito à capacidade das partes envolvidas, trata-se da capacidade processual como requisito exigido para a prática dos negócios processuais atípicos. Nesse caso, ao interpretar o dispositivo legal, pressupõe-se que o agente deve ser plenamente capaz para estipular situações jurídicas do processo. Para Bueno (2, p. 401), a regra geral autoriza que as partes capazes — o que exclui de sua incidência, portanto, qualquer espécie de incapacidade — ajustem alterações no procedimento, conforme às especificidades da causa.

A observação é interessante, pois não significa que o incapaz civilmente não possa celebrar qualquer negócio jurídico processual. Se devidamente representado, não há impedimento para a realização do acordo. São os casos da prática de pactos processuais pelo espólio ou por um menor, cuja incapacidade pode ser suprida simplesmente diante da representação.

Em relação a isso, Didier (4, p. 35) reconhece a hipótese de incapacidade processual negocial presente no parágrafo único do artigo 190 do CPC/2015. Há vulnerabilidade quando estiver presente o desequilíbrio entre os sujeitos na relação jurídica, não se atingindo a igualdade de condições na negociação. Presumem-se juridicamente vulneráveis, por exemplo, os consumidores que se encontram em situações de onerosidade quando presentes cláusulas abusivas em contratos de adesão. Por esse motivo, o juiz pode afastar a aplicação do negócio processual.

É importante ressaltar que os órgãos do Estado também podem realizar negócios processuais. Em razão disso, prevê-se a possibilidade da Fazenda Pública e do Ministério Público, quando atuar como parte, celebrarem negócios jurídicos processuais, conforme os Enunciados n° 253 e 256 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3). No entanto, considera-se inválida a convenção que exclui a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, conforme o Enunciado n° 254 do mesmo Fórum.

O objeto da negociação processual é outro aspecto de validade o qual merece atenção, pois não devem ser confundidos direitos disponíveis e direitos passíveis de autocomposição. Neste ponto, para Wambier et al. (8, p. 160), não se tratam de expressões sinônimos, porque os direitos que admitem autocomposição perfazem uma categoria jurídica mais ampla que os direitos disponíveis. Portanto, podem ocorrer negócios jurídicos processuais em ações que tenham por objeto direitos indisponíveis no plano material. Para elucidar tal argumentação, um exemplo de direito indisponível são os direitos a alimentos, que não podem ser objetos de negócios jurídicos no plano material, mas podem ser objeto de convenções processuais.

Nesse contexto, o Enunciado n° 135 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3) estabeleceu o seguinte entendimento: “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”. Pode-se observar que direitos suscetíveis a autocomposição não devem ser rotulados como direitos necessariamente e sempre disponíveis, em razão da possibilidade de existir também negociação sobre direitos indisponíveis, sendo exemplo disso ações de alimentos e ações de guarda.

A consagração de convenções processuais atípicas pela legislação brasileira não determinou um instrumento específico para sua realização. Desse modo, presume-se a viabilidade de negócio oral ou escrito, expresso ou tácito, apresentado por documento elaborado extrajudicialmente, em contratos ou em audiências. Há, contudo, alguns casos — tais como eleição do foro e o compromisso de arbitragem — que necessariamente dependem de forma escrita, tendo em vista a exigência da lei.

À vista disso, a manifestação da vontade das partes nas convenções processuais necessita ser externada de alguma forma a fim de gerar, diretamente e por autovinculação, os efeitos previstos. A declaração de vontade exerce então um papel importante na celebração do negócio jurídico processual, pois, se presente vício de consentimento, o acordo será considerado anulável.

A incapacidade das partes, a ilicitude do objeto do negócio, o desrespeito de forma defesa em lei, a simulação ou a desobediência a alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade são fundamentos que consideram nulo o negócio jurídico, nos termos do artigo 166 e do artigo 167 do Código Civil de 2002 (9). Há, por outro lado, a anulabilidade do negócio processual, a qual se refere aos vícios de vontade e, se reconhecidos, podem contaminar o consentimento das partes.

O erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão são apontados como os defeitos do negócio jurídico, segundo os artigos 138 a 165 do Código Civil Brasileiro (9). Ao aplicar os preceitos do direito civil às reflexões da legislação processual civil, observa-se que os negócios jurídicos processuais podem ser reputados anuláveis quando presente um engano enfático em relação à pessoa, ao objeto da convenção ou quando presente coação sob o agente, por exemplo.

Assim, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3) estabeleceu o seguinte entendimento no Enunciado n° 132: “Além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 190”. Ainda que o atual Código Processual Civil viabilize maior efetividade à prestação jurisdicional por meio da adaptação negociada do processo, são estabelecidos limites às convenções processuais, de modo que a liberdade negocial não é exercida em caráter absoluto.

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2.2 A Homologação judicial

A necessidade ou não de homologação judicial dos negócios jurídicos processuais implicou em um amplo debate no âmbito do direito processual civil brasileiro. Diante da discussão, incumbe ao juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, regular a validade do negócio processual, recusando-lhe aplicação nos casos de nulidade e nas situações previstas no artigo 190, parágrafo único, do CPC/2015.

Aliado a essa discussão, ao prever a possibilidade de desistência da demanda, a legislação processual estabelece a necessidade de homologação do juiz para a produção de efeitos, nos moldes do artigo 200 do Código Processual Civil de 2015 (1):

Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais.

Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos, após a homologação judicial.

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Para Wambier et al. (8, p. 161), os negócios jurídicos processuais podem ser celebrados antes ou durante o processamento da causa e produzem efeitos independentemente de homologação judicial, portanto o disposto no parágrafo único do texto legal trata de uma excepcionalidade. Resguardadas as situações previstas em lei, não haverá a necessidade de homologação judicial de acordos processuais, tendo em vista a interpretação do artigo 200, caput do referido Código.

Quanto ao assunto, é possível constatar o mesmo posicionamento de Eduardo Arruda Alvim et al. (10) sobre a dispensabilidade do reconhecimento de acordos processuais pelo órgão jurisdicional:

Destaca-se, por fim, que a partir da redação do artigo 200 do CPC [...], pode-se concluir que as convenções processuais atípicas são dotadas de eficácia imediata, não havendo a necessidade de homologação judicial para que, então, passem a produzir efeitos. A homologação, portanto, só será exigida quando a lei expressamente o disser (é o caso da organização consensual do processo, cuja homologação está expressamente prevista no art. 357, § 2°, do CPC) ou quando as próprias partes subordinarem a eficácia da convenção à homologação judicial (10, p. 546-547).

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Além disso, cumpre salientar que o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3) manifestou o seguinte entendimento no Enunciado n° 133: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial”. Trata-se de uma compreensão sobre a aplicabilidade dos negócios jurídicos processuais, em consonância com a interpretação do dispositivo legal atribuída pelos operadores do direito.

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3. O princípio da autonomia privada

O direito de família regula as relações familiares, os deveres e as obrigações decorrentes do convívio parental. Trata-se de um campo do direito civil brasileiro de grande incidência prática ou aplicabilidade cotidiana que se amplia progressivamente conforme a complexidade das relações interindividuais. Embora o conceito de família seja amplo, a entidade familiar é considerada base da sociedade e por esse motivo tem especial proteção do Estado, conforme o art. 226 da Constituição Federal Brasileira (11).

Para melhor compreensão do assunto, é necessário fazer algumas ponderações sobre a concepção da expressão “família”. A Declaração Universal de Direitos Humanos (12) destaca a relevância do termo ao estabelecer que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção do Estado. O reconhecimento da família como núcleo fundamental de uma sociedade tem um âmbito universal, sendo retomado em outras legislações. Entretanto, a noção de entidade familiar passou por diferentes transformações nos últimos anos dada à complexidade das relações afetivas.

No que diz respeito ao conceito, Gagliano e Pamplona (13, p. 43) consideram que “família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”. Tal conceito compreende um conjunto de pessoas que, vinculadas pelo sentimento de afetividade, possuem a intenção de constituir família para a concretização de suas aspirações de felicidade, observados os princípios e os valores envolvidos.

Embora a concepção utilizada em sede codificada, várias acepções da expressão família são admitidas atualmente, não se restringindo tão somente ao conjunto de pessoas unidas afetivamente pelo casamento ou união estável e sua eventual prole. Atualmente, a compreensão do vocábulo está em constante transformação, compreendendo sentidos mais amplos da conceituação de família. Diante disso, pode-se destacar outra definição, proposta por Farias e Rosenvald (14):

Em sentido amplíssimo, a ciência jurídica entende a família a partir de uma abrangente relação, interligando diferentes pessoas que compõem um mesmo núcleo afetivo, nele inseridos, inclusive, terceiros agregados, como os empregados domésticos. [...] Por igual, o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a redação emprestada pela Lei Nacional de Adoção (Lei n° 12.010/09), faz alusão a diferentes tipos de família (a família natural, a família ampliada e a família substituta), abraçando essa concepção amplíssima (14, p. 46).

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O direito civil brasileiro deu ênfase à autonomia da comunhão de vida em família, sem interferências externas, sejam de ordem privada ou pública. Com efeito, prevê-se no artigo 1.513 do Código Civil de 2002 (9) que “é defeso qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Dessa forma, admite-se a autonomia e a liberdade na organização da família, de modo que o particular possa gerir sua vida íntima como lhe aprouver e cabe ao Estado a mínima intervenção regulando os limites e efeitos do exercício dessa liberdade.

Em se tratando disso, além dos princípios constitucionais os quais regem o direito de família, pode-se afirmar que está presente também o princípio da autonomia da comunhão de vida instituída pela família:

Com isso, o Estado não deve se imiscuir no âmago familiar, mantendo incólume o espaço de autodeterminação afetiva de cada pessoa humana componente do núcleo, permitindo a busca da realização plena e da felicidade, através das opções e comportamentos. É o que se convencionou a chamar de família eudemonista, com os seus membros buscando a felicidade plena. Até porque a presença excessiva estatal na relação familiar pode asfixiar a autonomia privada, restringindo a liberdade das pessoas (14, p. 49-50).

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É reconhecida a limitação da atuação do Estado nas relações de família, respeitando a liberdade e autonomia na organização daqueles que estão inseridos nos núcleos familiares. O princípio da autonomia privada conduz as relações familiares, de modo que, segundo o artigo 226, § 7° da Constituição Federal Brasileira (11), o planejamento familiar decorre de livre decisão do casal, cabendo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito e sendo vedado qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas.

A intervenção mínima do Estado nas relações jurídicas privadas de direito de família permite a liberdade de decisão do modo de vida, de subsistência, de formação moral, de credo religioso, de educação, de decisões quanto à conduta e costumes internos no ambiente afetivo das pessoas. Por esse motivo, a intervenção estatal torna-se justificável quando for necessário a garantia de direitos fundamentais reconhecidos, bem como ​​ a proteção dos interesses da criança e do adolescente.

A partir dessa perspectiva, observa-se que o exercício da autonomia privada assegura o direito de as pessoas se autodeterminarem no presente momento e a posteriori quanto às relações jurídicas que as envolvem. Surge, por exemplo, a possibilidade das partes agirem de acordo com sua vontade em relação às questões patrimoniais ou outras disposições suscetíveis de negociação em contratos antenupciais e em ações de famílias.

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4. Os negócios jurídicos processuais antes e durante as ações de família

O direito de família contemporâneo é o ramo do direito que disciplina as relações jurídicas pessoais e admite uma definição de família, respeitado a pluralidade das entidades familiares, a igualdade entre os filhos, a responsabilidade parental, a solidariedade familiar, a função social da família, a afetividade, o melhor interesse do menor, o não intervencionismo estatal e o planejamento familiar. Tais princípios conduzem para que a família seja um instituto do direito civil protegido pelo Estado, uma vez que as mudanças na percepção de família alteram a organização coletiva existente.

As ações de família compreendem demandas com discussões envolvendo filiação, alimentos, união estável, divórcio, separação, partilha de bens, guarda, ausência, tutela, curatela e entre outras situações jurídicas. Para isso, o Código de Processo Civil de 2015 (1) estabeleceu como procedimentos especiais as ações de família, isto é, adota-se um procedimento para as demandas, contenciosas ou consensuais, diferente do procedimento comum das ações cíveis.

Com as inovações advindas do atual Código de Processo Civil, merece visibilidade a discussão sobre a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais nas ações de família. Embora seja um tema pouco analisado por professores e juristas, a realização de convenções processuais atípicas abrangem a manifestação do autorregramento da vontade das partes no processo, considerando as limitações impostas pelo Direito Processual Civil.

Para Farias e Rosenvald (14, p. 175), as relações de família são um dos campos mais oportunos para a prática de negócios jurídicos processuais atípicos, durante o transcurso de uma demanda, ou antes, da propositura da ação (no contrato de casamento, de união estável ou de coparentalidade). Isso porque as partes podem ajustar cláusulas importantes para um litígio futuro ou poderão alterar as regras procedimentais previstas em lei, de acordo com os seus interesses.

No âmbito processual, as cláusulas de ajuste de procedimento em ações de família futuras apresenta-se como um importante mecanismo para mitigar a litigiosidade entre as partes no processo, visto que somente as partes envolvidas na relação jurídica discutida conhecem suas necessidades e possuem potencial para abordarem assuntos de interesse do seu núcleo familiar.

Para acolher a proposta de compatibilidade do direito de família com o instituto dos negócios jurídicos processuais, Carvalho e Carmo (15, p. 316) afirmam que os negócios jurídicos processuais e o direito de família possuem uma característica em comum: o privilégio e respeito à autonomia privada. Por esse motivo, a autonomia privada confere às partes a possibilidade de pactuarem sobre disposições de caráter pessoais e interesses particulares daqueles que compõem a entidade familiar.

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4.1 O pacto antenupcial

O pacto antenupcial, tal como a denominação indica, é um contrato formal e solene, previsto nos artigos 1.653 a 1.657 do Código Civil Brasileiro (9), o qual podem os nubentes celebrar, antes do casamento, durante o processo de habilitação, com o propósito de regulamentar livremente sobre questões patrimoniais, além de estipular o regime de bens que vigorará a união matrimonial. Entretanto, o exercício dessa liberdade não é em caráter absoluto, pois a legislação impõe, em determinadas situações, o regime obrigatório da separação de bens.

No que se refere à natureza jurídica desse instrumento do direito de família, há uma divergência doutrinária ao considerar o pacto nupcial ora um contrato, ora um negócio jurídico. Dias (16, p. 528-529) reconhece o pacto antenupcial simplesmente como um contrato matrimonial, cuja eficácia está sujeita a condição suspensiva do casamento, isto é, o contrato pré-nupcial existe e tem validade, mas a eficácia surge após a realização do casamento.

Por sua vez, para Gagliano e Pamplona (13, p. 303), o pacto antenupcial é compreendido como um negócio jurídico solene, condicionado ao casamento, por meio do qual as partes escolhem o regime de bens que lhes aprouver, segundo o princípio da autonomia privada. Desse modo, a legislação brasileira condiciona como requisito de validade do instrumento a sua realização por meio de escritura pública.

Quanto ao conteúdo do pacto antenupcial, é possível estipular aspectos patrimoniais, contudo a legislação não impede que sejam estabelecidas cláusulas existenciais sobre a mútua assistência, a infidelidade conjugal, o sustento familiar, a guarda e a educação dos filhos ou convenções processuais. Considerando a natureza negocial do contrato, há de ser reconhecida a prevalência da autonomia privada como uma característica primordial de negócios jurídicos, desde que não violem direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

Nessa perspectiva, admite-se que podem conter negócios processuais em pacto antenupcial e em contrato de convivência, nos termos do Enunciado n° 492 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3). Assim como qualquer contrato civil, nos pactos pré-nupciais podem ser estipulados cláusulas sobre ônus, faculdades, poderes e deveres processuais, aos quais orientam as partes sobre eventual demanda judicial decorrente da relação jurídica a ser estabelecida.

Em razão disso, tem-se a possibilidade dos nubentes negociarem não só sobre conteúdo de direito material, mas também acordarem sobre assuntos de direito processual que poderão ter aplicabilidade em futuro litígio de divórcio ou outra ação de família. Nesse caso, as convenções processuais de natureza atípica estipuladas em pacto antenupcial devem estar de acordo com os requisitos de validade previstos no artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015. ​​ 

A cláusula geral cumpre uma importante função no ordenamento jurídico brasileiro, ao atribuir maior maleabilidade ao sistema para as partes poderem exercer sua liberdade individual, permitindo uma atuação colaborativa dos interessados. Com isso, pode ser destacado a relevância do pacto da mediação ou da conciliação extrajudicial prévia obrigatório, inclusive com a correlata previsão de exclusão dessas audiências, prevista no art. 334 do CPC (1). A exigência de mediação pode constituir um exemplo essencial de negócio jurídico processual, pois oportuniza previamente um ambiente de colaboração mútua para que as partes, com foco no interesse em comum, possam solucionar o conflito.

Desse modo, observa-se que a aplicação de convenções processuais atípicas no direito de família expõe a complexidade da utilização do instituto processual, ainda que a legislação brasileira assegure os requisitos de validade e eficácia. Em relação a isso, Antonio do Passo Cabral (5) revela que a vantagem da admissão genérica de convenções processuais no ordenamento jurídico brasileiro:

[...] uma cláusula geral tem relevância sistêmica porque evita inúmeros problemas próprios da técnica de interpretação extensiva de acordos típicos, problemas enfrentados frequentemente em ordenamentos estrangeiros. De fato, a complexidade dos arranjos subjetivos e objetivos no processo contemporâneo favorece que se trabalhe com uma cláusula geral e com a atipicidade dos acordos processuais. A razão é evidente: simplesmente não há como o legislador prever e disciplinar todas as situações do tráfego jurídico em que uma flexibilização do procedimento seria conveniente às partes (5, p. 186).

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Com o advento da aplicabilidade dos acordos processuais, surge uma relevante incerteza ao operador do direito: caso ocorra a invalidade do negócio jurídico no que diz respeito ao direito material, restam frustradas as cláusulas processuais? Ergue-se, dessa maneira, uma controvérsia interessante, já que ao sistema de invalidades processuais aplicam-se todas as noções da teoria geral do direito sobre o plano da existência, da eficácia e da validade dos atos jurídicos.

De acordo com Didier (6, p. 512), a convenção processual é autônoma em relação ao negócio principal a que estiver inserida, isto é, a invalidade do negócio jurídico principal não implicará, necessariamente, a invalidade do acordo processual. Esse entendimento é previsto para a convenção de arbitragem no artigo 8° da Lei n° 9.307/1996 (17), o que se aplica por analogia às demais convenções processuais. A fim de orientar os profissionais do direito, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3), no Enunciado n° 409, também consolidou o entendimento de que a convenção processual é autônoma em relação ao negócio que estiver inserta.

O pacto antenupcial possui natureza contratual e por isso a liberdade contratual dos nubentes está subordinada a princípios que estão de acordo com a ordem pública. Para Gonçalves (18, p. 473), por força do princípio utile per inutile non vitiatur (o útil não é viciado pelo inútil), o vício de uma cláusula contratual não contamina toda a convenção antenupcial, podendo ser mantida as demais cláusulas que não contrariam as disposições legais do ordenamento jurídico brasileiro.

Diante disso, o pacto antenupcial representa um importante instrumento do direito civil que pode ser utilizado pelos noivos a fim de estabelecer, além das relações patrimoniais, negócios jurídicos processuais. Não obstante demonstrada a possibilidade de realização de convenções processuais em momento prévio às ações de família, faz-se necessário ainda a discussão jurisprudencial e doutrinária sobre as espécies de negócios jurídicos processuais aplicáveis em contratos celebrados entre os nubentes.

Sob a perspectiva do artigo 190 do Código de Processo Civil, atribui-se ao juiz o controle de validade das convenções processuais, o que pode gerar disparidades interpretativas acerca da aplicação do instituto processual no direito de família, principalmente em momento anterior às demandas judiciais. Por esse motivo, deve-se considerar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da solidariedade familiar, da cooperação e da boa-fé na celebração de negócios jurídicos processuais. A fundamentação principiológica torna-se fundamental para o profissional do direito na análise prévia sobre a aplicabilidade e a efetividade de negócios processuais a serem acordados na seara familiar.

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4.2 As ações de família

Diante de muitas demandas judiciais sobre questões que envolvem o direito de família, o Código de Processo Civil de 2015 contemplou alguns dispositivos para ações litigiosas (arts. 693 a 699) e para as ações consensuais (arts. 731 a 734). Em razão do processo assumir certas peculiaridades, as ações de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação são caracterizadas como procedimento especial na legislação processual civil.

O rol do artigo 693 do CPC/2015 prevê uma lista de processos contenciosos, não se tratando de um rol taxativo, visto que há aplicação dos dispositivos legais subsidiariamente também às ações de alimentos e às ações de interesse da criança e do adolescente. Em relação às demandas no âmbito do direito de família, o atual Código Processual Civil prioriza a resolução consensual de conflitos, especialmente quando se presume a convivência anterior entre as partes e, em alguns casos, posteriormente.

Nesse cenário, cabe o seguinte questionamento sobre o uso de negócios jurídicos processuais em ações de família: em se tratando de procedimento especial, caberia a possibilidade de celebração de convenções processuais? O assunto conduz o operador do direito a uma reflexão oportuna, tendo em vista que as ações versam sobre matérias do direito de família de caráter pessoal, intransponíveis e muita das vezes personalíssimas.

Inicialmente, as ações de família são consideradas procedimentos especiais por haver a necessidade de observância de normas processuais específicas para o processamento dessas ações. Entre as peculiaridades previstas no Código de Processo Civil de 2015, pode-se mencionar a exigência da tramitação das demandas em segredo de justiça (art. 189, II), a atuação do Ministério Público limitada às hipóteses em que houver interesse de incapaz (art. 698), a competência do foro e do juízo (arts. 49, 50 e 53, I e II) para julgar ações de família. Nesses casos, a legislação brasileira estabelece disposições específicas para as lides que versem sobre direito de família, a fim de proporcionar igualdade de tratamento entre as partes do processo em relação ao exercício dos direitos e deveres.

O negócio jurídico processual atípico permite que a parte no processo tenha o poder de escolher ou estabelecer certas situações jurídicas processuais, respeitados os limites no próprio ordenamento jurídico. O legislador, na forma do artigo 190 do CPC/2015, estabelece a influência do autorregramento da vontade e propicia um ambiente para que os sujeitos do processo participem na construção da atividade procedimental. Desse modo, o negócio processual tem aplicabilidade ampla, não se distinguindo sua celebração, seja em procedimento comum, seja em procedimento especial.

Além do pacto de audiência de mediação ou conciliação prévia obrigatória, são admissíveis outros acordos processuais entre as partes, segundo o Enunciado n° 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3), tais como acordo de rateio de despesas processuais, previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si, pacto para não promover execução provisória, previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si, acordo de produção antecipada de prova ou até mesmo o pacto de irrecorribilidade das decisões. Esses são exemplos de situações jurídicas que as partes negociam faculdades, ônus, poderes e deveres processuais muito utilizados na prática.

Mesmo que o distrato da convenção processual possa ser realizado pelas partes antes de decisão terminativa do processo, nos termos do Enunciado n° 411 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (3), o juiz possui uma atribuição essencial ao controlar a validade do negócio processual, podendo recusar sua aplicação quando a lide tratar de ofensas ao melhor interesse da criança e do adolescente. Por esse motivo, mostra-se importante também a intervenção do Ministério Público em ações que envolvem interesse de incapaz, nos moldes do art. 698 do Código de Processo Civil de 2015 (1).

O negócio jurídico processual decorre da autonomia privada e do poder de autorregulação de interesses, implicando liberdade de celebração entre as partes. Por outro lado, a legislação brasileira estabelece a proteção integral à criança e ao adolescente, assegurando a todos os direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, independentemente da relação familiar já estabelecida. Com isso, devem ser garantidos que os poderes, os deveres e as faculdades processuais em negociação entre as partes, representantes do incapaz, não sofra qualquer prejuízo.

À vista disso, aduz-se a importância do artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015, considerado cláusula geral para a previsão de negócios processuais atípicos tanto em contratos quanto em demandas judiciais, sobretudo em ações de família. Em razão disso, as convenções processuais realizadas durante o processo na seara familiar devem atender os requisitos de validade estabelecidos, sejam eles: capacidade processual e o objeto que verse sobre direitos suscetíveis à autocomposição.

Os negócios jurídicos processuais atípicos no direito de família podem corroborar para uma solução consensual entre as partes e auxiliar no restabelecimento de relações saudáveis entre as pessoas que compõem o núcleo familiar. Para isso, é necessário que os sujeitos do processo operem em prol de uma demanda menos litigiosa e com razoável duração do processo. Sobre isso, Farias e Rosenvald (14) apresentam a seguinte compreensão:

Trata-se de evidente manifestação de democratização do processo, permitindo às partes (sem dúvida, os maiores interessados no desfecho da demanda) adaptar o procedimento aos seus anseios e interesses — o que garante maior comparticipação. Para tanto, exige-se dos sujeitos do processo (advogados, juízes etc) uma nova compreensão cultural do litígio, mitigando a ideia ultrapassada de processo como instrumento de beligerância (14, p. 175).

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A evolução do direito de família permitiu a reinterpretação de alguns conceitos, bem como os meios para as partes atuarem de modo mais colaborativo. A possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos em ações de família surge como um importante instituto jurídico para poderem as partes exercer a autonomia da vontade e pactuarem temas atinentes ao processamento da causa, visando atender os princípios da economia processual e do tempo razoável do processo.

Por consequência, para alcançar os princípios do direito processual civil, há uma necessidade de mudança na atuação dos sujeitos do processo, entre eles o juiz, o Parquet e os procuradores das partes, incumbindo a esses afastar a cultura litigante do processo. A compreensão do processo como instrumento de beligerância no direito de família não se faz mais necessário, uma vez que são assegurados mecanismos processuais para melhor atender os interesses das partes para a resolução efetiva da demanda.

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5.Considerações finais

O atual Código de Processo Civil permitiu a elaboração de diversas espécies de negócios jurídicos processuais, dado a disposição legal entendida como cláusula geral de atipicidade. Possibilitou às partes exercerem a liberdade negocial sobre o ônus, os poderes, as faculdades e os deveres processuais antes e durante a demanda judicial, incumbindo ao juiz analisar a validade das convenções previstas no artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015.

Desse modo, verifica-se que o sistema processual brasileiro admite a participação das partes do processo para que possam atuar na estruturação do procedimento, conforme as peculiaridades da causa. A celebração de negócios processuais atípicos concedeu maior democratização do processo, de modo que as partes atuam de modo colaborativo na resolução do litígio e, consequentemente, o comportamento adversarial entre as partes passa a se dirimir.

Em consonância com a legislação e os posicionamentos doutrinários recentes, é concebível a realização de convenções processuais, inclusive em ações de família, tendo em vista a influência do princípio da autonomia privada e da autorregulação de interesses. As ações de família são consideradas procedimentos especiais no Código de Processo Civil de 2015, uma vez que a legislação estabelece disposições específicas para proporcionar igualdade de tratamento entre as partes do processo. À luz dos princípios da paridade de armas no processo, do contraditório e da ampla defesa, há exemplos de situações processuais as quais não podem ser objetos de convenções processuais

​​ A discussão do trabalho evidencia a importância do momento de celebração do negócio processual, que pode ser realizado de maneira antecipada, em pactos antenupciais, ou durante o processo. Por essa razão, é possível observar a função social do pacto antenupcial, por ser um instrumento contratual que oportuniza os nubentes estipularem sobre o regime de bens a ser adotado, doações e entre outros assuntos patrimoniais. A negociação sobre ônus, faculdades, poderes e deveres processuais que eventualmente possam surgir da relação jurídica estabelecida também pode ser objeto da convenção antenupcial, resguardados as condições de validade e os limites, determinados pelo artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015.

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6.Biografia

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Laíza Bezerra Maciel. Advogada. Bacharela em Direito pela Faculdade Martha Falcão/ Wyden. Licenciada em Letras Língua e Literatura Portuguesa na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- rasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. http://lattes.cnpq.br/5828910194615177

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7.Declaração de direitos

 O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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1

Universidade do Estado do Amazonas — UEA, Manaus, Brasil.

 


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