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ISSN: 2595-8402

DOI: 10.5281/zenodo.8218994

Publicado em 06 de agosto de 2023

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 6, NÚMERO 1, ANO 2023

 

A PERÍCIA JUDICIAL DE DOENÇAS OCUPACIONAIS E ACIDENTES DO TRABALHO E A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

 

Cláudio Victor de Castro Freitas1; Carolina Braga Boynard Freitas2

 

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil

claudiouerj@gmail.com

2Faculdade de Medicina de Campos, Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil

carolbragaboynard@gmail.com

 

 

RESUMO

O presente artigo analisa, em uma ótica processual, histórica e evolutiva, a realização de perícia judicial trabalhista dentro do contexto da saúde e segurança do trabalhador, em especial a possibilidade de sua realização não só por Médicos, mas diversos outros Profissionais da Saúde competentes, em especial enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos.

Palavras-chave: Perícia judicial, Enfermeiros, Fisioterapeutas, Psicólogos.

 

1. INTRODUÇÃO

Nos dias atuais se tem observado um constante aprisionamento fático e intelectual sobre os trabalhadores em quase todo o mundo. Uma ameaça que faz com que milhares de pessoas sintam-se sobressaltadas em sua força de trabalho, com a possibilidade de dispensas a qualquer momento e pelas motivações mais diversas existentes. Alguns trabalhadores absorvidos, exigidos, “sugados” pelos meios de produção; outros, alçados a postos de poder e liderança que reproduzem o capital virtual, ao passo que os demais são dispensados por serem considerados inaptos para o exercício da função.

O desprezo pela força de trabalho humana é uma realidade e traz consequências drásticas para todos os que têm em seu labor a única forma de sobrevivência. Cada dia mais para o exercício de qualquer ofício é exigida especial qualificação, criando-se, segundo Godinho e Fernandes [1], um verdadeiro “trabalhador complexo”, ou um “trabalhador multiespecializado”, que necessita de conhecimentos muito além daqueles requisitados inicialmente para a execução de determinada tarefa, o que, em última análise, reduz o tamanho das indústrias e diminui os gastos com a mão de obra.

Acompanhando a tecnicidade dos avanços, vai-se, paulatinamente, necessitando de um trabalhador com maiores habilidades e agilidade, domínio de outro idioma, rapidez manual e mental no exercício do ofício, além de uma bagagem de informação disponível enquanto recurso pessoal para, ante qualquer dificuldade, utilizá-la. Resumidamente: que saiba lidar com uma nova representação de mundo.

Assim, o mundo do trabalho torna-se, de forma rápida e surpreendente, um complexo monstruoso, que se por um lado poderia auxiliar o homem em sua qualidade de vida, por outro o avassala em todos os seus aspectos.

Esse princípio de realidade adentra e fere o psiquismo humano, fazendo com que as pessoas sintam-se exigidas para além de suas capacidades. O sentimento de impotência e de desvalorização, que leva à veloz degeneração do trabalhador, desde o mais ao menos resistente física e psicologicamente, avilta qualquer potencial humano que possa se somar às conquistas da civilização.

Assim, consequentemente, o que se constata é que a qualidade de vida do trabalhador vem se degradando dia após dia. Doenças até então inexistentes ou restritas a certos nichos empresariais tornaram-se comuns a todos e se espalharam
como doenças infectocontagiosas, tornando impossibilitados para o labor milhares de trabalhadores.

Estabelecer o nexo causal entre saúde/doença mental e trabalho contribui para um correto diagnóstico e prescrição terapêutica. Não são incomuns casos de
internação psiquiátrica em que a origem do problema determinante não é avaliada quanto à sua possível relação com o contexto de trabalho, o que pode
determinar um encaminhamento sem resolutividade.

Daí a enorme importância da realização das perícias judiciais na resolução de situações que ocasionam a impossibilidade de continuidade do exercício do ofício pelo trabalhador, mas não só através do restrito entendimento quanto à realização através de Médicos, mas, igualmente, por diversos outros profissionais da Saúde, como Enfermeiros, Fisioterapeutas e Psicólogos.

 

2. DESENVOLVIMENTO E DISCUSSÃO

2.1. A PROVA PERICIAL E SUA UTILIZAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO

A prova no processo, segundo Câmara, é "todo elemento que contribui para a formação do convencimento do juiz acerca de determinados fatos relevantes para o julgamento da causa" [2].

De acordo com entendimento majoritário, sua incidência ocorre sobre fatos relevantes e controvertidos e possui como destinatário direto o Estado-Juiz e indireto, as partes. Dentre os meios de prova existentes no sistema jurídico pátrio, emana-se como se suma importância a prova pericial, conforme ressaltado por Silva [3].

A prova pericial é aquela destinada a levar ao juiz elementos instrutórios sobre as normas técnicas e sobre fatos que dependam de conhecimento especial. O perito funciona como auxiliar do juiz e, segundo Santos [4], “é quem lhes atribui a função de bem e fielmente verificar as coisas e os fatos e lhe transmitir, por meio de parecer, o relato de suas observações ou as conclusões que das mesmas extraírem. Como auxiliares do juiz e para funcionarem no processo, os peritos cumprirão leal e honradamente a sua função (Código de Proc. Civil, art. 422)".

De acordo com o atual CPC:

Art.156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.

§1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.

§2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.

§3º Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados.

§4º Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts. 148 e 467 , o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade.

§5º Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.

Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

§5º. O juiz indeferirá a perícia quando:

I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico;

II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;

III - a verificação for impraticável.

Os dispositivos acima regem sobremaneira o tratamento do tema em análise e merecem aplicação na seara processual trabalhista, tendo em vista a lacuna normativa, bem como compatibilidade na aplicação, de acordo com o artigo 769 da CLT, ainda que em face do disposto no artigo 3º, da lei 5.584/70, que não trata detalhadamente sobre o assunto.

Assim, a prova pericial realizada por expert, auxiliar do juízo, torna-se de absoluta relevância quando do esclarecimento acerca de determinados fatos controvertidos e relevantes relacionados à demanda ajuizada. A sua importância tem sido cada dia maior especialmente quando em análise questões referentes a segurança, higiene e saúde do trabalhador, como a avaliação de ambiente insalubre ou perigoso, bem como de acidentes do trabalho, especialmente após a EC 45/04, que pacificou a questão acerca da competência da Justiça do Trabalho para julgamento de demandas indenizatórias acidentárias relacionadas à prestação do labor (artigo 114, VI da CRFB/88 e Súmula Vinculante 22).

O que vem causando controvérsia, no entanto, refere-se à aceitação dos Profissionais da Saúde quando da realização de perícias judiciais, especialmente Fisioterapeutas, Enfermeiros e Psicólogos quando em avaliação o nexo causal entre o labor prestado e acidente sofrido, bem como consequências, tendo em vista que majoritariamente o que se tem observado é uma restrição inexplicável de permissão da atuação somente de Médicos (para fins de análise acerca de acidente do trabalho, nexo causal e consequencialismo) ou destes juntamente com Engenheiros (para fins de avaliação de insalubridade e periculosidade).

O presente trabalho visa a demonstrar a necessidade de ampliação urgente dos horizontes da perícia judicial, especificamente relacionado aos Profissionais da Saúde em sua atuação, como medida de igualdade legal e efetividade processual quando avaliado o tema de Segurança e Saúde do trabalhador.

 

2.2. OS DIVERSOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE E SEUS ENSINAMENTOS CURRICULARES: ANÁLISE DAS PROFISSÕES DE ENFERMAGEM, FISIOTERAPIA, PSICOLOGIA E ESPECIALIDADES

Os ofícios de Enfermeiro, Fisioterapeuta e Psicólogo, bem como as especialidades de Enfermagem do Trabalho, Fisioterapia do Trabalho e a Psicologia do Trabalho, são ramos da Saúde Pública que se utilizam de um conjunto de ações e que visam à promoção e manutenção da saúde do cidadão, em especial o trabalhador na presente análise, assim como à proteção contra os riscos decorrentes nas diversas atividades laborais, tudo no mais alto grau de bem-estar físico e mental. Buscam, ainda, a recuperação de lesões, doenças ocupacionais e a reabilitação do trabalhador, da família deste e da comunidade em que está inserido, ou seja, o seu próprio local de trabalho de forma preventiva.

No que tange ao inter-relacionamento entre as citadas profissões e o ambiente de trabalho, cumpre destacar o seguinte.

(i) O Enfermeiro do Trabalho desempenha importante papel na identificação e investigação do ambiente laboral dos agravos à saúde, razão pela qual consegue apontar as possíveis causas de acidentes e/ou enfermidades que acometem o percentual da população trabalhadora.

Em sua grade curricular, ainda na Faculdade, o referido profissional, por meio de matérias como Anatomia, Fisiologia, Histologia e Patologia Humanas, possui contato com o comportamento saudável do organismo e, também, com os desequilíbrios que abrolham em situações de patologia, podendo, através de um processo investigativo, também conhecido durante o período educacional, ligar as possíveis causas de uma desarmonia ao labor exercido pelo trabalhador.

 O Ministério do Trabalho e Emprego, na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, n. 071.40), mostra que o ofício do Enfermeiro do Trabalho engloba atividades que o qualificam para atuar nas Perícias Judiciais Trabalhistas, como destacados nos itens 1 e 2 dessa classificação, pela qual o referido profissional: 1- estuda as condições de segurança e periculosidade da empresa, efetuando observações nos locais de trabalho e discutindo-as em equipe, para identificar as necessidades no campo da segurança, higiene e melhoria do trabalho; 2- elabora e executa planos e programas de proteção à saúde dos empregados, participando de grupos que realizam inquéritos sanitários, estudam as causas de absenteísmo, fazem levantamentos de doenças profissionais e lesões traumáticas, procedem a estudos epidemiológicos, coletam dados estatísticos de morbidade e mortalidade de trabalhadores, investigando possíveis relações com as atividades funcionais, para obter a continuidade operacional e aumento da produtividade.

(ii) Já o Fisioterapeuta é um especialista na ciência do movimento, reunindo conhecimentos em Anatomia Humana, Fisiologia do Movimento, Biomecânica (ciência que investiga o movimento sob aspectos mecânicos, suas causas e efeitos nos organismos vivos, ou seja, o estudo do movimento humano), Cinesiologia (estudo da estrutura e função do sistema esquelético humano), Ergonomia (estudo da organização do trabalho e as interações entre seres humanos, máquinas e outras características psicofisiológicas do trabalho), dentre outros.

A Resolução do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) n. 80/87, em suas considerações iniciais, informa que “Considerando que a Fisioterapia é uma ciência aplicada, cujo objeto de estudos é o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas suas alterações patológicas, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, com objetivos de preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgão, sistema ou função”. Dessa forma, o Fisioterapeuta é um profissional importante nas Perícias Judiciais da Justiça do Trabalho.

​​  A função do Fisioterapeuta em perícia na Justiça do Trabalho é fazer a conexão entre o desequilíbrio musculoesquelético e o labor desenvolvido.

Além de estabelecer o nexo de casualidade, o Fisioterapeuta perito também poderá avaliar e quantificar a capacidade funcional residual para o trabalho do periciado.

A especialidade em Fisioterapia do Trabalho foi regulamentada através da Resolução COFFITO 351/2008. Em 2010 o COFFITO publicou a Resolução 381, que dispõe sobre a elaboração e emissão de atestados, pareceres e laudos periciais pelo Fisioterapeuta.

(iii)  A Psicologia do Trabalho abrange os seguintes focos de atuação: o homem e sua relação com o trabalho, levando em consideração a personalidade do trabalhador, as suas aptidões para aprender e as diferenças individuais entre os trabalhadores, bem como visa a estudar o ambiente onde ocorre o trabalho, suas relações com o instrumento de trabalho e a aborda as relações entre todos os componentes desse contexto, de modo a saber como este está definido, organizado e controlado.

Em sua grade curricular o Psicólogo adentra em estudos como Avaliação Psicológica, Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade, Psicologia da Saúde, Psicologia Social Comunitária, Psicopatologia, Psicologia Aplicada a Pessoas com Deficiências e Necessidades Educacionais Especiais e Psicologia Organizacional e do Trabalho.

Importante destacar que as Resoluções n. 07/2003 e 08/2010, ambas do Conselho Federal de Psicologia (CFP), tratam, respectivamente, do Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo por decorrência da avaliação psicológica, assim como da Atuação do Psicólogo como Perito e Assistente Técnico em Processos Judiciais.

É válido pontuar, ainda, que as especialidades (pós-graduação lato sensu) em Psicologia do Trabalho e Psicologia Jurídica (ou Forense) possuem regulamentação na Resolução 013/2007 do CFP, permitindo um maior conhecimento do profissional na atuação pericial na Justiça do Trabalho.

É importante destacar a existência de diferenças entre os diagnósticos médicos para aqueles elaborados por profissionais da Enfermagem, Fisioterapia e Psicologia. Isso porque: (a) o laudo médico determina a doença que acomete o trabalhador; (b) o diagnóstico do profissional Enfermeiro determina as necessidades humanas básicas afetadas e a natureza desse problema, possibilitando estabelecer um nexo de casualidade com a atividade profissional desenvolvida pelo trabalhador; (c) o diagnóstico do Fisioterapeuta avalia e conclui se existe ou não um distúrbio cinético-funcional de órgãos e sistemas, avaliando e analisando grupos de sinais e sintomas relacionados a comportamentos e limitações motoras do trabalhador e a causa desses; (d) a avaliação do Psicólogo é feita com a coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas (métodos, técnicas e instrumentos), sendo que os resultados consideram e analisam os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação dessas condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica.

 Conforme acima, de suma importância ressaltar que os laudos elaborados pelo Enfermeiro, Fisioterapeuta e Psicólogo não irão diagnosticar a doença em si do trabalhador, já que essa função é exercida pelo médico especialista na área correspondente à patologia desenvolvida. No entanto, tal diagnóstico médico não possui vital importância na perícia judicial relacionada a acidente/doença do trabalho, já que o que se busca é exatamente o estabelecimento do nexo causal entre o exercício do ofício e a lesão, de ampla competência dos Profissionais da Saúde acima analisados.

 

2.3.  A PERÍCIA JUDICIAL NA AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE DO TRABALHADOR: UM NOVO OLHAR EM RELAÇÃO À ATUAÇÃO DOS DIVERSOS PROFISSIONAIS DA ESFERA DA SAÚDE

O ambiente salubre e seguro é direito de todo trabalhador, decorrendo de fundamento maior estampado nos artigo 200, VIII e 225 da CRFB/88. É competente a Justiça do Trabalho para a sua análise e eventuais violações, conforme Súmula 736 do STF.

A definição de meio ambiente de trabalho não se limita apenas ao trabalhador que possui uma CTPS devidamente assinada e registrada, mas deve ser ampla e irrestrita, uma vez que envolve todos os trabalhadores que desempenham uma atividade, remunerada ou não, e porque todos estão protegidos constitucionalmente de um ambiente de trabalho adequado e seguro, necessário para uma digna e sadia qualidade de vida.

A CRFB/88 adotou dois objetos para tutelar no que tange à questão ambiental, sendo (i) um imediato que é a qualidade do meio ambiente em todos os seus aspectos, (ii) e outro mediato que é a saúde, a segurança e o bem estar do cidadão, expresso nos conceitos de vida em todas as suas formas (artigo 3º, I, Lei n° 6.938/91) e em qualidade de vida (artigo 225, caput, da CRFB/88).

 Segundo Rodolfo Camargo Mancuso, o meio ambiente do trabalho é "o habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover, o quanto necessário, para sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema (...). A contrário sensu, portanto, quando aquele habitat se revele inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente de trabalho" [6].

Segundo José Afonso da Silva, o meio ambiente do trabalho corresponde "ao complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados, e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o freqüentam" [7].

Já o mestre Amauri Mascaro Nascimento entende que o "meio ambiente de trabalho é, exatamente, o complexo máquina-trabalho; as edificações, do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras, intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de trabalho etc" [8].

Daí se conclui que o meio ambiente laboral, uma vez considerado como interesse de todos os trabalhadores em defesa de condições de salubridade do trabalho, tendo em vista o seu equilíbrio e a plenitude da saúde do operário (em todos os níveis), caracteriza-se como interesse difuso, um direito de toda a coletividade e um direito eminentemente metaindividual.

A proteção do meio ambiente do trabalho é etapa indispensável para o equilíbrio do meio ambiente geral. Nesta ordem, é de fácil percepção que, conforme Oliveira, “a visão atual do ambiente de trabalho contempla em primeiro lugar o homem, o operador, para só depois ajustar as máquinas, as ferramentas, as rotinas de trabalho, as cadências e tudo que está em volta” [9], numa exigência contínua de dignificação das condições de trabalho.

Inúmeras situações, infelizmente, podem surgir em decorrência do descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalhador, ocasionando a obrigação de avaliação acerca da ocorrência de acidentes do trabalho típicos, doenças do trabalho ou profissionais, bem como de criação de ambiente insalubre ou perigoso. Em muitos desses casos, faz-se necessária a realização de perícia judicial para que sejam fornecidos ao Magistrado elementos importantes para o seu livre convencimento motivado.

2.4. ACIDENTES DO TRABALHO, DOENÇAS DO TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS

Conforme definido por Brandão, acidente do trabalho é todo aquele no qual ocorre “um evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de consequências geralmente imediatas, não sendo essencial a violência, podendo ocorrer sem provocar alarde ou impacto, ocasionando, meses ou anos depois de sua ocorrência, danos graves e até fatais, exigindo-se, apenas, o nexo de causalidade e a lesividade” [10].

O artigo 19 da lei 8.213/91 traz o conceito legal de acidente do trabalho:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

O C. Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, sempre ministrando palestras, seminários e diversas campanhas no intuito exatamente de reduzir a ocorrência dos infortúnios na relação laboral.

Ainda segundo a lei 8.213/91, pelo seu artigo 20, temos o seguinte:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

As doenças profissionais (conhecidas como tecnopatias ou ergopatias) relacionam-se diretamente e exclusivamente ao próprio trabalho desenvolvido, sendo típicas de algumas atividades laborais. Exemplos clássicos citados, são (i) a silicose desenvolvida por trabalhador que mantenha contato direto com a sílica, ou (ii) asbestose desenvolvida por trabalhador que labore diretamente com amianto. Nesses casos, o nexo causal possui presunção jure et de jure, tendo no trabalho a sua causa única e eficiente por sua própria natureza.

As doenças do trabalho (conhecidas como mesopatias) não se vinculam única e exclusivamente ao serviço executado, sendo adquiridas em razão das condições especiais em que o labor é realizado em condições irregulares e nocivas, o que contribui diretamente para o seu desenvolvimento. Exemplo frequentemente citado é o da LER/DORT1 desenvolvida por digitador.

Segundo José Affonso Dallegrave Neto, "com o advento da Lei 11.430/2006, que inseriu o art. 21-A na Lei 8.213/91, passamos a ter uma terceira espécie de doença ocupacional, qual seja, aquela decorrente de Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP). Da incidência estatística e epidemiológica resultante do cruzamento da Classificação Internacional de Doença (CID) com a atividade da empresa Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) advém o NTEP, o qual gera presunção relativa de que a doença acometida pelo empregado é ocupacional" [11].

Nessas hipóteses de acidente do trabalho típico, doença profissional ou doença do trabalho, necessária se faz a realização de perícia técnica para que se comprove a ocorrência de nexo causal entre a atividade desenvolvida e o dano causado ao trabalhador, como uma forma de preenchimento de um dos elementos da responsabilidade civil, independente se subjetiva (artigo 7°, XXVIII da CRFB/88 e artigos 186 e 127, caput do Código Civil c/c artigo 8° da CLT) ou objetiva (artigo 927, parágrafo único do Código Civil c/c artigo 8° da CLT).

Assim sendo, quando da nomeação de expert para análise da situação e elaboração do laudo especializado, muitos Magistrados buscam tão somente a atuação de Médicos, ainda que, por exemplo, outros profissionais capacitados estejam inscritos na lista de peritos da Vara. Isso se dá por uma questão histórica e que acabou por se espraiar culturalmente no sentido de que somente àqueles cabe a definição se o sujeito está ou não doente.

Trata-se de um pensamento que não merece acolhimento direto, tendo em vista inúmeros motivos que legal e historicamente foram surgindo.

Veja-se, por exemplo, conforme acima tratado - quando da avaliação das disciplinas estudadas e atividades desempenhadas -, que outros profissionais, como Enfermeiros, Fisioterapeutas e Psicólogos, possuem plena e total capacidade de diagnosticar o nexo causal entre o labor e doenças profissionais, doenças do trabalho ou acidentes do trabalho. Imagine-se, por exemplo, vedar a atuação de um Fisioterapeuta no diagnóstico de um trabalhador que tenha sido acometido por LER/DORT, ou de um Psicólogo para avaliação de um caixa bancário que alega estar sofrendo de algum distúrbio psicológico após ter sofrido assalto na agência em que trabalha.

Segundo o artigo 156 do atual CPC (lei 13.105/15):

Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.

§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.

Assim, qualquer previsão em resoluções de Conselhos Federais ou Estaduais, assim como Decretos e interpretações em sentido diverso, não devem prosperar. Não se pode confundir perícia judicial simplesmente com perícia médica. A atestação fisioterapêutica ou psicológica, por exemplo, em casos como os acima relatados, deve ser tida como válida e de grande proveito, desde que, claramente, cada profissional se limite à sua esfera de atuação.

A atuação de diversos profissionais da esfera da saúde em realização de perícias judiciais, em especial com enfoque no caso ora tratado, merece plena aplicação, conforme as seguintes manifestações judiciais:

No caso, ao considerar válida a prova técnica elaborada por médico perito, o TRT proferiu decisão em consonância com o art. 156, §1º, do CPC, segundo o qual " Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado ". Assim, não há qualquer vedação legal para que laudo seja produzido por profissional da área médica, bastando ser habilitado e com conhecimento técnico/científico na área objeto da perícia. É bem verdade que há diversos julgados nesta Corte reconhecendo a validade do laudo confeccionado por fisioterapeuta. Entretanto, o que se conclui dos precedentes deste c. TST, é que a perícia pode ser realizada por fisioterapeuta, mas não deve, obrigatoriamente, ser efetivada por tal profissional, podendo, perfeitamente, ser produzida por médico capacitado para elucidar a questão controvertida no processo. (...) (TST. AIRR-1237-46.2010.5.09.0001, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 26/08/2022)

(...) É pacífico nesta Corte o entendimento de que não há vedação legal à realização de perícia técnica por fisioterapeuta. II . No caso dos autos, extrai-se do acórdão recorrido que o laudo pericial foi elaborado por profissional com formação em fisioterapia para a avaliação das doenças alegadas (tendinopatias e discopatias, conhecidas como LER), inseridas na atuação técnica e científica do profissional de fisioterapia. III . Estando o acórdão regional em consonância com a jurisprudência desta Corte, incidem o art. 896, § 7º, da CLT e a Súmula nº 333 do TST como óbices ao conhecimento do recurso de revista. (...) (TST. Ag-AIRR-10391-80.2013.5.19.0009, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 11/12/2020)

(...) Não havendo qualquer comprovação acerca da existência de limitação técnica atribuída ao fisioterapeuta que realizou a perícia, não há de se considerar a possibilidade de nulidade da prova produzida. Ademais, nenhum dos dispositivos legais e jurisprudenciais invocados nas razões recursais veda a elaboração de laudo pericial por fisioterapeuta. (...) (TST. Ag-AIRR-1362-84.2014.5.06.0121, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 11/09/2020)

(...) O fato de o laudo pericial ter sido elaborado por psicóloga, e não por médico psiquiatra, não prejudica as Partes, uma vez que o art. 156, § 1º, do CPC/2015 (art. 145, § 1º, do CPC/73) não exige que o auxiliar do Juízo tenha, necessariamente, formação específica na matéria que constitui objeto da perícia, bastando que ele possua o conhecimento técnico ou científico indispensável à prova do fato e que seja escolhido entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, o que foi plenamente observado. Inclui-se, na área da Psicologia, a realização de diagnóstico psicológico, sendo da " competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências " (Lei 4.119/62, art. 13, § 1º, "a" e § 2º) Portanto, a investigação do problema clínico da Reclamante está circunscrita ao âmbito de atuação técnica e científica do profissional psicólogo especializado. Ademais, a Resolução 218/1997 do Conselho Nacional da Saúde (CNS) reconhece os profissionais de Psicologia como profissionais de saúde de nível superior; logo, os referidos profissionais são competentes para realizar diagnósticos psicológicos. Dos elementos do acórdão recorrido, verifica-se que, no caso concreto , a perita valeu-se dos " diversos exames e laudos médicos que atestam a existência da doença " e das cinco sessões terapêuticas - premissas fáticas incontestes à luz da Súmula 126/TST - para firmar o nexo de causalidade entre as patologias das quais a Autora é portadora (transtorno misto de ansiedade, depressão e síndrome de Burnout) e a atividade laboral, que era realizado em meio a " condições de trabalho psicológicas desgastantes, cobranças excessivas e medo acentuado de ser demitida ". O TRT, com alicerce no conjunto fático-probatório produzido nos autos - laudo pericial conclusivo, exames médicos e atestados colacionados, que revelam o início dos transtornos no curso do contrato de trabalho; e a prova oral, que testificou a conduta abusiva do empregador - consignou que o trabalho exercido atuou como causa das referidas moléstias, ante o assédio moral comprovadamente perpetrado pela Reclamada. Logo, o acolhimento do laudo pericial conclusivo, elaborado na presente ação por perita psicóloga de confiança do Juízo, e o pronunciamento jurisdicional contrário aos interesses da Parte não implicam nulidade da prova técnica nem caracterizam o alegado cerceamento do direito de defesa. Com efeito, o direito de defesa deve ser exercido dentro dos estritos limites e ditames da ordem jurídica preestabelecida para o procedimento judicial, conformando, desse modo, uma perfeita harmonia entre os princípios do contraditório e da ampla defesa e os da economia e celeridade processual. Logo, não se divisa a nulidade arguida. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a ", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. (...) (TST. Ag-AIRR-5-12.2018.5.19.0010, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 30/09/2022)

(...)1. O Tribunal Regional afastou as alegações da reclamada, de que "há vício na elaboração do laudo pericial, visto que o profissional de fisioterapia não está habilitado para realizar diagnósticos ou atestar a ocorrência da doença profissional", ao registro de que "a perícia realizada nos autos para a constatação do nexo de causalidade entre a doença do demandante e as suas atividades profissionais foi realizada por fisioterapeuta devidamente inscrita no seu Conselho Federal no seu Conselho Federal"; que "o profissional indicado está habilitado para o exame da patologia apontada pela autora, visto que se trata, em tese, de doença profissional relacionada com a ausência de medidas preventivas no ambiente de trabalho que são estudadas pela ciência da ergonomia"; que "a Resolução nº 259/03 da COFFITO - Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional prevê, no inciso VII de seu artigo 1º, que compete ao fisioterapeuta do trabalho ' elaborar relatório de análise ergonômica, estabelecer nexo causal para o distúrbios cinesiológicos funcionais e construir parecer técnico especializado em ergonomia' "; que "a Resolução nº 41/2009 da COFFITO também trata da atuação do fisioterapeuta como perito"; e que, "além da perícia, existem outros elementos nos autos, tais como os exames periódicos realizados pela empresa, que serviram para formar o livre convencimento do juízo". 2. O fisioterapeuta é profissional apto a elaborar laudo pericial em lides que envolvam doença ocupacional que tem a ergonomia como base das atividades, no âmbito de sua especialização, mormente como no caso dos autos, em que o acórdão recorrido consigna que a doença já era diagnosticada nos exames periódicos realizados pela empresa, e a atuação do profissional limitou-se à verificação do nexo causal. Precedentes. 3. Estando a decisão recorrida, no particular, em harmonia com a jurisprudência deste Tribunal, restam ilesos os dispositivos pertinentes apontados, bem como inviável o exame dos paradigmas formalmente válidos trazidos a cotejo, a teor do art. 896, § 4º, da CLT e da Súmula 333/TST. (...) (TST. AIRR - 18400-24.2009.5.06.0012, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann. Data de Julgamento: 11/03/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015)

​​ (...) A legislação trabalhista estabelece critérios fixos quanto à realização de perícia somente no que pertine à prova de insalubridade ou periculosidade no ambiente laboral, na forma do art. 195 da CLT, reportando-se que esta se realizará pelas mãos de médico ou engenheiro do trabalho. Acata-se, pois, a realização de laudo pericial por profissional fisioterapeuta, para apuração de males decorrentes das condições laborais, com arrimo os termos do art. 145, §§ 1º e 2º do CPC, aplicável, subsidiariamente, por expressa determinação celetista.” ​​ (TRT 15ª Região. RO 0112900-32.2008.5.15.0153. 3ª Turma. Rel. Des. Ana Maria de Vasconcellos. Julgamento em 15/04/2011)

(...) 1. Não existe mácula no fato de ter sido o laudo pericial produzido por fisioterapeuta, tendo em vista tratar-se de profissional com formação superior e com inquestionável conhecimento técnico nas patologias que acometem a autora. Ademais, cuida-se de hipótese na qual se pode inferir de forma cristalina que o perito nomeado - profissional de confiança do Juízo - procedeu a minucioso exame clínico e confeccionou laudo pericial bastante elucidativo. 2. Agravo legal a que se nega provimento. (TRF-3. 7ª Turma. AC: 10867 SP 0010867-86.2012.4.03.9999, Relator: Juiz Convocado Hélio Nogueira. Data de Julgamento: 27/08/2012)

Com base nesse entendimento é que recentemente (em 25/02/14) foi realizado o 1° Fórum Virtual sobre Perícias Judiciais, com a das Diretrizes sobre Prova Pericial em Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais, onde o Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro sugeriu o seguinte:

Art. 1º - Nas perícias em matéria de acidente do trabalho e doenças ocupacionais deverão ser nomeados peritos que atendam as normas legais e ético-profissionais para análise do objeto de prova, tais como médicos, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, engenheiros, dentre outros, sem prejuízo da nomeação de mais de um profissional, ainda que não se trate de perícia complexa, nos moldes do art. 431-B do Código de Processo Civil.

 Tal orientação vai ao encontro da Proposta de Enunciado Sobre Perícia Judicial em Acidente do Trabalho e Doença Ocupacional n.03:

PATOLOGIA OCUPACIONAL. PERÍCIA. PROFISSIONAL COMPETENTE. NEXO CAUSAL E DIAGNÓSTICOS POR PROFISSIONAIS DA ÁREA DA SAÚDE. POSSIBILIDADE. I - A perícia deve ser realizada por profissional que detenha conhecimento técnico ou científico exigível ao caso concreto (art. 145, do CPC). II - Os diversos profissionais da área da saúde, tem competência para realizar distintos diagnósticos, cada um em sua esfera de atuação, bem como para estabelecer o nexo causal.

Às observações acima se soma a dificuldade muitas vezes encontradas de nomeação de peritos Médicos, tendo em vista o desinteresse de muitos no recebimento dos valores estipulados em juízo a título de honorários, sob alegação de que os mesmos, em muitos casos, não compensarem o tempo despendido na realização da avaliação do trabalhador. Tal situação acaba por atrasar a prestação jurisdicional efetiva e célere da Justiça do Trabalho.

Mais ainda: inúmeros são os cursos de pós-graduação voltados aos diversos profissionais da esfera da saúde e que auxiliam sobremaneira a prestação jurisdicional quando nomeados profissionais neles habilitados, como nos casos de Psicologia, Enfermagem e Fisioterapia do Trabalho, ou até mesmo especificamente o de perícia judicial trabalhista e previdenciária, conforme já analisado em tópico anterior.

Assim, a restrição aposta por muitos Magistrados, assim como de advogados atuantes nas demandas acidentárias, não deve prevalecer diante do atual cenário em que diversos outros profissionais da saúde possuem plena competência e capacidade para atuação pericial, ao que se soma a cada vez maior necessidade de celeridade e efetividade processual, fazendo valer os princípios constitucionais do devido processo legal e da duração razoável do processo (artigo 5°, LIV e LXXVIII da CRFB/88).

 

2.5. INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE: INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA NA ANÁLISE PERICIAL

 Segundo Magalhães Filho [11], a interpretação histórica é a que se faz à luz da occasio legis (circunstância histórica da regra interpretanda) e da origo legis (origem da lei), remontando às primeiras manifestações da instituição regulada, sendo realizada pelo exame da evolução temporal de determinado instituto, até que se chegue à compreensão da norma que o regule na atualidade.

 Este processo se baseia na investigação dos antecedentes da norma, podendo se referir ao histórico do processo legislativo ou aos antecedentes históricos e condições que a precederam nessa interpretação, assim como o estudo da legislação comparada para determinar se os diplomas estrangeiros tiveram influência direta ou indireta sobre a lei que se deve interpretar, conforme aponta Montoro [12].

 O processo histórico-evolutivo considera que a lei não tem conteúdo rígido, fixo, invariável, imutável dentro de sua fórmula verbal e impermeável às ações do meio, às mutações da vida. Segundo o referido processo, a partir das lições de deve Herkenhoff, a lei ceder às imposições do progresso, entregar-se ao fluxo existencial, de evoluir paralelamente à sociedade, adquirindo significação nova à base das novas valorações [13].

Dito isso, importante igualmente notar que algumas atividades empresariais podem não atender plenamente ao que preconizam as normas de proteção ao meio ambiente, saúde e segurança do trabalhador, casos em que se desenvolverão em ambiente perigoso ou insalubre. Segundo os artigos 189 e 193 da CLT (tratados também nas NRs 15 e 16 do MTE), temos o seguinte:

Art. 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

 Para a caracterização e classificação da insalubridade e periculosidade, a CLT expressa a necessidade de realização de perícia2. Nesse caso, o artigo 195, caput do diploma celetista (repetido pelo item 15.4.1.1 da NR 15 e item 16.3 da NR 16, ambas do MTE) estabeleceu como competentes para tanto somente o Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho:

Art . 195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.

Ainda que o dispositivo acima seja explícito quanto aos profissionais competentes, entendemos a necessidade de releitura do dispositivo para ampliar a sua aplicação de acordo com a evolução histórica do instituto.

 Isso porque, inicialmente, deve ser observado que o citado artigo 195, caput da CLT possui redação conferida pela Lei 6.514/77.

 Em tal período histórico, no entanto, por se tratar de uma profissão muito nova, não era considerada a Enfermagem do Trabalho para fins sequer de inclusão nos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho.

Tal fato somente veio a ocorrer em 1990, pela Portaria 06/90 do DSST, alterando a NR 04, mais exatamente a redação dos seus itens 4.4 e 4.7 3. Vale destacar, ainda, que a Enfermagem do Trabalho somente foi classificada pelo COFEN (Conselho Federal de Enfermagem) através da Lei 7.498/86 (quadro III) e seu Decreto n. 94.406/87.

Ou seja, por ser um método mais prático, ágil e de acordo com a realidade dinâmica, a referida Portaria 06/90 do DSST (Departamento de Saúde e Segurança do Trabalho) referendou e incluiu o Enfermeiro do Trabalho como apto à análise das condições de segurança e medicina do trabalho, razão pela qual o artigo 195 da CLT deve com ela ser analisada, através de interpretação histórico-evolutiva.

Pela avaliação das capacidades do referido profissional, conforme já tratado em tópico deste trabalho, bem como inclusão pela Portaria acima descrita, ao que se acrescenta se tratar de profissional de nível superior e habilitado (artigo 465 do CPC), não resta outra conclusão senão a de que o Enfermeiro do Trabalho é profissional gabaritado à realização de perícia judicial para fins de apuração de insalubridade e periculosidade.

Dessa forma, deve ser abandonada a interpretação literal do artigo 195, caput da CLT, para que, feita a sua releitura através do método de interpretação histórico-evolutivo, permita-se ao Enfermeiro do Trabalho igualmente a realização de perícias para avaliação da insalubridade e periculosidade no ambiente laboral.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o acima exposto, algumas conclusões podem ser retiradas:

a) o desprezo pela força de trabalho humana é uma realidade e traz consequências drásticas para todos os que têm em seu labor a única forma de sobrevivência, sendo que cada dia mais para o exercício de qualquer ofício é exigida especial qualificação, criando-se um verdadeiro “trabalhador complexo”, que necessita de conhecimentos muito além daqueles requisitados inicialmente para a execução de determinada tarefa, reduzindo-se o tamanho da indústria e gastos com mão de obra;

b) tal situação, diante dos desgastes físicos e psicológicos cada vez maiores, vem ocasionando o surgimento de diversos acidente e doenças relacionadas com o trabalho desenvolvido;

c) pela avaliação clássica da jurisprudência, as perícias judiciais na esfera da saúde do trabalhador vêm sendo desenvolvidas sobremaneira através e exclusivamente de Médicos, ainda que a interpretação legal não enseje tal entendimento restrito e a maior dificuldade de soluções dos litígios;

d) inúmeros são os Profissionais da Saúde gabaritados à realização da perícia judicial na esfera da saúde do trabalhador, em especial Enfermeiros, Fisioterapeutas e Psicólogos, inclusive em suas especialidades (lato sensu) ligadas ao trabalho;

e) os laudos elaborados pelo Enfermeiro, Fisioterapeuta e Psicólogo não irão diagnosticar a doença do trabalhador, já que essa função é exercida pelo médico especialista na área correspondente à patologia desenvolvida. No entanto, tal diagnóstico médico não possui vital importância na perícia judicial relacionada a acidente/doença do trabalho, já que o que se busca é exatamente o estabelecimento do nexo causal entre o exercício do ofício e a lesão, de ampla competência dos Profissionais da Saúde acima analisados;

f) esse é o entendimento que se pode retirar de inúmeros precedentes judicia e das conclusões advindas do 1° Fórum Virtual sobre Perícias Judiciais, através Diretrizes sobre Prova Pericial em Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais, onde o Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro referendou o entendimento aqui exposto, bem como elaborou Proposta de Enunciado Sobre Perícia Judicial em Acidente do Trabalho e Doença Ocupacional n.03 exatamente no sentido ora analisado;

d) por fim, mediante interpretação histórico-evolutiva do artigo 195, caput da CLT, temos a possibilidade do Enfermeiro do Trabalho, assim como o Médico do Trabalho e Engenheiro do Trabalho, realizar perícias para avaliação da insalubridade e periculosidade no ambiente laboral.

 

4.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1]  GODINHO FILHO, M.; FERNANDES, F.C.F. (2004). Manufatura Enxuta: uma revisão que classifica e analisa os trabalhos apontando perspectivas de pesquisas futuras. Gestão & Produção, 11(1), 1–19.

[2]  CÂMARA, A.F. Lições de Direito Processual Civil. vol. I, 14ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.397.

[3]  SILVA, E.C. Direito Processual Civil. 3ª ed. Niterói: 2014, p.249.

[4]  SANTOS, M.A. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. II, 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.473.

[5]  MANCUSO, R.C. Meio Ambiente do Trabalho. São Paulo: Direito Fundamental, 2001, p.66.

[6]  SILVA, J.A. Direito ambiental constitucional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.05.

[7]  NASCIMENTO, A.M. A defesa processual do meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, vol. 63, n. 05, p. 584, Mai-1999.

[8]  OLIVEIRA, S.G. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2011, p.83.

[9]  BRANDÃO, C. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2006, pp.137-138.

[10]  DALLEGRAVE NETO, J.A. A indenização do dano acidentário na Justiça do Trabalho. Revista do TRT da 1ª Região, n.49, p.116, jan/jun 2011.

[11]  MAGALHÃES FILHO, G.B. Hermenêutica Jurídica Clássica. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.47.

[12] MONTORO, A.F. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.22.

[13]  HERKENHOFF, J.B. Como aplicar o Direito (à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico-política). Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.33.

1

​​ Compreende-se "LER" por lesão por esforço repetitivo, ao passo que "DORT" como distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. A LER/DORT possui alguns sinônimos, como Distúrbios Cervicobraquiais Ocupacionais (DCO), Síndrome Ocupacional  do Overuse (sobrecarga).

2

​​ Salvo em determinadas hipóteses, como o pagamento de adicional de periculosidade por mera liberalidade da empresa (OJ 406 da SDI-1 do TST), ou avaliação da insalubridade em estabelecimentos desativados (OJ 278 da SDI-1 do TST).

3

​​ Acrescentou-se, inclusive, o arquiteto na classificação de engenheiro se segurança e medicina do trabalho, já que é profissional permitido a realizar tal especialização. Sobre o tema, vide recente decisão do TRF 4, que analisando tal disposição, impediu edital de concurso que restringia a profissão de engenheiro do trabalho somente a graduados em engenharia, devendo ampliar também aos arquitetos com o referido curso de pós-graduação (AI 501600827-27.2014.404.000/RS).

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