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ISSN: 2595-8402

DOI: 10.5281/zenodo.7716599

Publicado em 10 de março de 2023

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 6, NÚMERO 1, ​​ ANO 2023

 

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IMPERIALISMO E DEPENDÊNCIA NO BRASIL: 1930-1985

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Felipe de Lima Bandeira1; Marco Aurélio Oliveira Santos2; Francisco Igo Leite Soares3; ​​ Ingrid Lorrane Miranda de Sousa4

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Universidade Federal do Oeste do Pará, Pará, Brasil1,2,3,4

felipebandeirastm@gmail.com1

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é investigar a longa duração do processo de dependência do capitalismo brasileiro e seu nexo com o imperialismo, a partir de três momentos: de 1930-1950, período de consolidação da industrialização, embora ainda restrita aos bens de primeira necessidade; 1950-1985, quando houve um crescimento econômico expressivo, sobretudo, ligado ao setor de bens de capital, como o siderúrgico e petroquímico e; de 1974-1985, interregno marcado pela reorganização e financeirização da economia mundial, expressando no Brasil, o esgotamento do período desenvolvimentista, modificando a dinâmica do capitalismo nacional. Em todas essas etapas, o traço constitutivo do capitalismo foi uma relação de subordinação e dependência frente ao capital internacional, engendrando internamente um tipo de dominação que se alicerçava no campo político numa burguesia de feição autoritária, e no campo econômico, na superexploração do trabalho.

Palavras-chave: dependência, imperialismo, industrialização brasileira.

 

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1 INTRODUÇÃO

As Economias Dependentes que se formam a partir da desagregação do sistema colonial na América Latina resultam de um conjunto de forças políticas e econômicas que somente podem ser compreendidos se relacionadas com o processo global de produção capitalista. A grande transformação na economia mundial a partir do último quarto do século XIX produziu o imperialismo, concentrando e centralizando capital, substituindo a livre concorrência pela concorrência monopolista.

 A esta conjuntura liga-se a formação de economias dependentes na América Latina, ancoradas numa relação contraditória, de marchas e contramarchas. Os avanços econômicos não se traduziram em avanços sociais, sedimentadas na superexploração do trabalho, relegando a maioria da população condições de vida extremamente precárias. A esse respeito, ao longo da segunda metade do século XX, inúmeras contribuições foram feitas no sentido de compreensão desse processo, se estendendo desde as obras de Caio Prado Jr. [12], Florestan Fernandes [1] ​​​​ e Ruy Mauro Marini [6], até as contribuições de recorte cepalinos, como as de Celso Furtado [2]​​ e Maria da Conceição Tavares [13].  ​​ ​​​​ 

A economia brasileira, neste sentido, associou um forte processo de industrialização, crescimento econômico e concentração de renda. Esses aspectos, no entanto, são expressões de um conteúdo distinto, que somente podem ser observados a partir de análise dialética da relação desigual entre o imperialismo e o capitalismo periférico. Fora desde campo, se dissociada dos processos mais gerais de acumulação, o entendimento das estruturas latino-americanas não pode ser apreendido de forma séria. Este trabalho, tem por objetivo traçar um breve panorama do processo de industrialização no Brasil, identificando etapas importantes que sedimentaram as atuais estruturas do subdesenvolvimento e dependência no país.  ​​​​ 

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2 IMPERIALISMO E DEPENDÊNCIA

A formação dos monopólios pode ser identificada a partir da década de 1860, embora seja a partir da crise dos anos setenta que seus traços fundamentais sejam demarcados. Esta viragem começa com o crack de 1873, seguida pela ruína de inúmeros capitalistas, que viram seus negócios arrasados pelos anos de depressão que se seguiram.

O extraordinário desenvolvimento da indústria se ergueu sobre os escombros de capitalistas menores, das chamadas camadas intermediárias, esmagadas pelos conglomerados industrias. Nesse período, observa-se a formação de cartéis, sobretudo nos setores de bens de capital, como ferro e carvão. A partir da última década de 1890 os cartéis despontam como o núcleo da expansão capitalista, estabelecendo acordos de venda e troca, concentrando em poucas mãos o controle dos mercados.

O desenvolvimento da produção e o aumento dos lucros foram acompanhados pela concentração dos bancos em poucos estabelecimentos, que detinham quantidades expressiva de capital-monetário, garantindo a estes uma estrutura de monopólio. Esta transformação do papel dos bancos associado ao capital monopolista industrial, canalizou a estrutura de financiamento da produção em poucas instituições, esmagando bancos menores, tornando os magnatas do sistema financeiro os verdadeiros agentes da política econômica.

Quanto mais concentrado os capitais nos grandes bancos, mais concentrada a produção industrial nos grandes trustes. Esse fluxo do capital garante aos bancos o controle maior da produção, pois as indústrias que procuram crédito são forçadas a se dirigir a restritos grupos bancários.

Dado o acumulo cada vez mais acelerado de capital, formou-se um enorme excedente de capitais nas potências capitalistas, que buscavam aumentar as margens de lucros mediante exportação de capital para o estrangeiro, sobretudo para os países subdesenvolvidos da Ásia, África e América Latina. No Brasil, esses capitais foram utilizados para o financiar a política de valorização do café e construção de ferrovias, modernizando a infraestrutura produtiva, resultando numa intensa expansão da produção cafeeira do país.

A ligação entre a acumulação monopolista e o caráter extensivo da produção cafeeira nacional, provocou um profundo quadro de dependência, transferindo lucros ou excedente do produto do trabalho para as grandes potências mediante maior exploração da força de trabalho dado os baixos salários e baixo preço das terras.

Esta relação subterrânea de transferência de mais-valor encarna a essência de dominação capitalista, de certa hierarquização da participação no excedente global. Segundo esta perspectiva, a burguesia dos países dependentes não seriam mais do que sócias minoritárias do quantum global de mais-valor.

Na medida que a economia se tornava capitalista, atualizava-se os termos da dependência, modernizando o arcaico, para utilizar a feliz expressão do professor Francisco de Oliveira (2003), [10]. Na América Latina, essa démarche culminou na formação de economias dependentes. Esta mudança de trajetória resulta em uma nova orientação do capitalismo global associado com as forças internas que se amalgamavam na região.

Enquanto a produção dos países dependentes se resumia a mercadorias de baixo valor agregado, as grandes potências exportam seus produtos industriais e bens de capital com valor superior, com maior produtividade do trabalho e por isso - apropriavam mediante as trocas desiguais - parte do trabalho excedente das economias dependentes.

De acordo com Ruy Mauro Marini [6], pelo próprio conteúdo das trocas desiguais, as burguesias internas usavam expedientes diversos para estender as formas de apropriação do mais-valor absoluto e relativo, que se combinam de forma a rebaixar o valor da força de trabalho para além das condições sociais de sua reprodução, consolidando a superexploração do trabalho.

Em sua obra “Dialética da Dependência”, Marini (1973) [6], afirma que as formas de apropriação do excedente, tanto o mais valor-absoluto, quanto o relativo, contribuem para aumentar a massa de valor realizada e, por isso, a quantidade de dinheiro obtida através da troca. As trocas ordinárias, portanto, trazem consigo relações desiguais, isto porque, os capitais com menor produtividade, acabam transferindo mais-valor para os capitais de maior-produtividade. Este é, segundo Marini, o segredo das trocas desiguais, que materializa as relações de subordinação.

Neste sentindo, as nações desfavorecidas pela troca desigual não buscam tanto corrigir o desequilíbrio entre os preços e o valor de suas mercadorias exportadas, mas procuram compensar a perda de renda gerada pelo comércio internacional por meio do recurso de uma maior exploração do trabalhador”       ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ (MARINI, 1973, p. 11, [6],)

 

À medida que a economia brasileira internalizava os mecanismos de exploração imperialista, as contradições entre a indústria, vinculado a uma burguesia de feição mais liberal, e a aristocracia agrária, ligada fazendeiros de café, entrelaçavam-se ao desenvolvimento desigual, embora nas três primeiras décadas do século XX, a primazia coubesse ao capital agrário-exportador.

A relação entre as burguesias internas e externas, produziam o movimento de dominação típico de economias dependentes, ancorados numa dependência umbilical ao capital internacional, marcados por marchas e contramarchas.

Esse processo ganhou força, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX, findando-se durante a década de 1930. A “Revolução” que se deu a partir de 1930, como assinala Francisco de Oliveira (2003, p.35, [10]) “marca o fim de um ciclo e o início de outro na economia brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial”.

As forças que empurraram a expansão primário-exportadora até então, estavam totalmente debilitadas, dando maior margem para atuação das burguesias internas, pois com a crise do café em 1930, o centro de acumulação se modificou em favor da indústria.

A passagem para capitalismo nos países dependentes, como o Brasil, diferente do que ocorreu nos países europeus, traz consigo especificidades que não correspondem as etapas da revolução burguesa clássica, pela qual torna-se imprecisa e errônea a transplantação puramente formal da questão.

As economias dependentes se fundam a partir de uma dupla articulação: a apropriação do excedente nas esferas interna e externa. Essa dupla articulação, nas palavras de Florestan Fernandes (1975, p. 300) [1].

 

[...] engendram uma forma típica de dominação burguesa, adaptada estrutural, funcional e historicamente a um tempo, tanto as condições e aos efeitos da dominação do desenvolvimento desigual interno, quanto as condições e aos efeitos de dominação imperialista externa.

 

Desta forma, as classes burguesas internas buscam se compatibilizar com a esfera de dominação externa, limitando seu lastro de atuação a manutenção desta estrutura. A revolução burguesa, portanto, não encarna apenas tarefas progressistas, mas precisamente faz com que as formas de dominação, articuladas com o imperialismo, perpetue relações já estabelecidas, embora não totalmente desenvolvidas.

A esse respeito, ao contrário da revolução burguesa clássica, a mudança das classes proprietárias rurais pelas novas classes burguesas empresário-industrial não exigirá uma ruptura total do sistema. A industrialização em certo aspecto se associa ao capital agroexportador, pois este produz divisas e mantém a capacidade de importar bens de capitais.

Mas o sentido dessa questão não se resume a este aspecto. O setor agrário não poderia ser descartado, pois constituía uma frente importante para acumulação de capital, de tal forma, que somente a partir de 1956 a industrial efetivamente supera a agricultura em termos de participação da renda interna.

A indústria não se punha de modo antagônico e resoluto frente a agricultura. Em primeiro lugar porque a população rural constitui a maior parte do contingente do país, produzindo uma base para fornecimento de força de trabalho, materializada na migração de trabalhadores do campo para a cidade. Em segundo lugar, a agricultura permite reduzir o valor da força de trabalho, fornecendo alimentos para o excedente da população urbana que se formava. Neste sentido, tendo em mente que se a produtividade da indústria cresce dissociada do crescimento da agricultura, ou mesmo de forma autônoma, o valor da força de trabalho - dado o processo de urbanização intenso - tende a aumentar.

De todo modo, a revolução burguesa está intimamente ligada ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A partir de 1950, ocorre um novo salto qualitativo, que exigiria uma maior capacidade de imobilização de capital, ampliando as bases técnicas da produção que se constituiu na sua fase restringida (MELLO, 2009, p. 95, [9]). Porém, é impreciso afirmar que a industrialização pesada pudesse se desenvolver como mero deslocamento do capital nacional e estrangeiro nas indústrias leves. De acordo como Mello:

“Nem se dispunha de instrumentos prévios de mobilização e centralização de capitais, indispensáveis a maciça concentração de recursos externos e internos exigida pelo bloco de investimentos pesados, nem se poderia obter a estrutura técnica e financeira dos novos capitais a partir da diversificação e estrutura produtiva existente”.       ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ (MELLO, 2009, p. 96, [9]). ​​ 

 

A expansão, desta forma, não poderia estar dissociada da estrutura estatal e do novo capital estrangeiro que se transferia na forma de capital produtivo. A partir da intervenção estatal pôde se concretizar grandes investimentos em infraestrutura e nas indústrias de base sob sua responsabilidade, o que estimulou os investimentos privados.

É importante ressalta que o aumento dos gastos públicos se deu, sobretudo, sobre os contornos da ortodoxia macroeconômica, aumentando a carga tributária e restringindo a renda. Além do mais, coube ao Estado estabelecer as pontes com os grandes oligopólios estrangeiros, garantindo-lhes generosas concessões fiscais. Desta forma, encontravam-se as bases para expansão da industrialização no Brasil, ao aumentar o volume de capital e elevar a capacidade dos investimentos.

O Estado e grande empresa oligopolista comandaram, inequivocamente, o processo de industrialização pesada no Brasil (MELLO, 2009, p. 97, [9]). Por outro lado, o fato de maior relevância foi o aumento significativo da demanda do setor produtor de bens de consumo para assalariados. Este fato é resultado do aumento da taxa de inversões de capital nas indústrias pesadas, aumentando a massa de trabalhadores e da taxa de salários, considerando este último em termos relativos.

A produção nacional estava centrada nas mãos tanto dos oligopólios estrangeiros, quanto dos nacionais, associando a estrutura do mercado interno à influência de poucas empresas, cujo controle em parte da oferta, acabava sempre por gerar inflação e subemprego, tendendo inevitavelmente a colocar a economia brasileira na rota das crises cíclicas, como resumida na seguinte passagem.

Em suma, a industrialização pesada configura um ciclo de acumulação e, por isso, compreende dois momentos: o de expansão, entre 1956 e 1961, e o da depressão, entre 1962 e 1967. A depressão manifesta-se antes por uma queda na taxa de crescimento [...] devido o caráter oligopolizado dos mercados industriais, com forte preponderância da empresa internacional, por causa do alto peso dos investimentos públicos, que asseguram um patamar mínimo de inversões.”

(MELLO, 2009, p 99, [9])

 

O desenvolvimento capitalista alcançado nos “cinquenta anos em cinco” do governo Kubitschek garantiu maiores inversões na economia, sobretudo nos setores de mecânica pesada, na indústria automobilística, naval, cimento e siderurgia. A esse respeito, o estudo de Carlos Lessa (1983), [5], apresenta uma riqueza importante de informações.

 ​​​​ A partir dos dados coligidos por Lessa (1983), [5], vejamos, por exemplo, a evolução da capacidade energética: em 1954 a capacidade instalada das usinas (em milhões) era de 2.806 kw, em 1962 essa capacidade correspondia 5.783 kw. A importação de combustível em 1955 era 108,3 milhões, em 1961 essa cifra passa a 308,6 milhões de dólares. Em oito anos a capacidade energética do país mais que duplicou e em seis a importação de combustíveis - sobretudo o petróleo - quase triplicou.

Por outro lado, quando comparamos com o quadro de expansão das rodovias, notamos que em 1955, a extensão total das rodovias era 459.714 km, sendo apenas 3.133 km pavimentados. Em 1961 a extensão total aumenta pouco mais de 40 km, e o total de pavimentações sobe para 14.133, quase cinco vezes maior que os registrados seis anos antes. No que diz respeito ao setor siderúrgico, a produção de aço em lingotes em 1956 correspondia a 1.365 milhões de toneladas.

Em 1961, a produção nacional quase duplicou, passando a 2.485 milhões. No mesmo período, a produção de alumínio aumentou mais de 11 vezes, e o chumbo mais de três. Além da construção de Brasília, que a despesas correntes do ano de 1957, totalizava um montante de 149 bilhões de cruzeiros, dos quais, apenas 10 bilhões eram privados. Esse acelerado crescimento, foi sustentado por uma forte participação do Estado nos investimentos, que atuava sob uma estrutura tributária extremamente regressiva, além do aporte do capital internacional, mediante Investimento Direto Estrangeiro (IDE), Investimento Indiretos e vantagens nos preços relativos garantidas pelo governo (taxa de câmbio) para importação de capital aos setores tidos como estratégico para o crescimento da economia. ​​ 

A “atração” de capital internacional era garantida mediante maior participação deste na composição do mais-valor produzido internamente destinado ao pagamento de juros, no caso dos investimentos indiretos, e apropriação direta do mais-valor, no caso do IDE. Essa reorganização e apropriação do excedente pelo capital internacional, dependia da maior exploração da força de trabalho, materializada na mudança da composição orgânica do capital, incorporando máquinas que aumentava a produtividade, reduzindo o valor da força de trabalho.

Não fosse isso, os lucros seriam em boa medida esmagados pelos componentes juro e custo de produção, ou seja, o pagamento de juros comprimiria de tal forma os lucros, que as inversões seriam inviabilizadas. Que o Estado - com uma base tributária regressiva - tenha subsidiado financiamentos e atuado como agente direto na produção, constitui o modus operandi da redistribuição do mais-valor entre as frações burguesas nacionais e internacionais.

Em todas essas situações, as perspectivas que se pensavam impunham o peso maior sobre as costas do trabalhador. A esse respeito, é interessante observar as teses que afirmam que houve no período uma maior redistribuição da renda, em favor dos trabalhadores. Em 1945, o salário real era 84,2 na Guanabara e 80,3 em São Paulo. Em 1957, o salário real passa a 159,8 e 153,8 nos respectivos estados, representando um aumento de quase 100%.

De acordo com tal tese o peso dos salários, ao produzir conflito distributivo, seria o componente que alimentava a inflação, onerando o esforço desenvolvimentista empresarial. Essa constatação, no entanto, é fácil de refutar, pois a taxa de exploração do trabalho deve ser relacionada com a produtividade do capital.

Ao contrário do que pensam tais autores, na verdade intelectuais defensores do status quo, observamos que a produtividade do trabalho e a deterioração do salário real ganhou ímpeto a partir de 1958 (OLIVEIRA, 2003, [10]). Esse processo se materializou em uma brutal concentração de renda nas frações cada vez mais diminutas da sociedade.

A partir do golpe militar em 1964, essa tendência se intensifica. O período do regime autoritário compreende o auge e o declínio do modelo de industrialização iniciado em 1930. No campo político, o regime reprimia fortemente a atuação do movimento operário, criminalizando as organizações de classe e operando ajustes na economia que penalizavam o trabalhador.

Dentre as reformas executadas no período, podemos destacar a criação do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), introduzida em 1964, em substituição ao regime de trabalho que garantia estabilidade no emprego após dez anos de tempo de serviço no mesmo estabelecimento. Com o FGTS, o empregador ganha amplos direitos de demitir o trabalhador a qualquer momento.

Dado o crescimento da inflação, o governo implementou o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) buscava arbitrar o equilíbrio monetário em favor do capital - sobretudo das franjas financeiras. Por outro lado, o PAEG promovia uma brusca redução dos meios de pagamentos e dos investimentos públicos, resultando numa recessão prolongada que se estendeu até 1967.

A partir do ano seguinte, em 1968, com expansão da política creditícia e ampliação do IDE, ocorre uma viragem na economia brasileira, com o PIB apresentando taxas de crescimento em torno de 11% a.a, inflação declinante e superávits na balança de pagamentos. O “Milagre econômico”, como ficou conhecido o período, resultou numa maior concentração da renda. Ao final do período, 5% mais ricos da população, detinham maior parte da renda que os 40% mais pobre (OLIVEIRA, 2003, [10]).

A partir da segunda metade da década de 1970, com o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), no governo Geisel, completou-se o processo de Industrialização ancorado nos termos pós 1950. O fechamento deste processo é marcado por profundas transformações do imperialismo, tendo como expressão fenomênica os choques do petróleo em 1973-1979.

Este fato trouxe grandes implicações para a economia brasileira, já que o perfil de industrialização se sustentava numa relação de dependência às importações. A expansão do setor industrial estava restrita a disponibilidade do crédito internacional e a importação de bens de capital.

O grau de dependência se aprofundou ainda mais com o aumento vertiginoso do principal insumo da matriz energética do país, o petróleo, quando o ocorreu o primeiro choque em 1973. O preço médio do barril de petróleo saltou de US$ 2,48 em 1972 para R$ 13,60 em 1978. Em 1979 a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) aumentou novamente de forma brusca o preço do barril do petróleo no mercado internacional. Em 1978 o preço do barril custava em média RS$ 13,60, saltando para RS$ 30,03 em 1979 e RS$ 35,69 em 1980 (HERMANN, 2011, p.77, [3]).

A partir do segundo choque do petróleo se tornou estanque o processo brasileiro e latino americano de industrialização ancorado no endividamento externo. Com a alta dos juros internacionais, a despesa com a dívida externa tornou-se incontrolável, pois a maior parte dos contratos era condicionada aos juros flutuantes.

A crise dos anos 1970, modificou o padrão de acumulação capitalista, vergando a economia para uma maior liberalização do fluxo de capitais e da legislação trabalhista. Nos países dependentes, houve uma redução brusca do investimento, associado com um o aumento da dívida pública.

A viragem do imperialismo, operou uma verdadeira drenagem do fundo de mais-valor das economias dependentes, impedindo que o capital industrial interno pudesse realizar todas as etapas de valorização, de forma que o lucro industrial não conseguiu sustentar a escalada vertiginosa dos juros internacionais.

O aumento das despesas com a dívida pública praticamente dobrou em três anos, saltando de US$ 7 bilhões em 1980 para US$ 10,3 bilhões em 1981 e US$ 13,5 bilhões em 1983. Para cobrir o déficit, em 1982 o governo recorreu a um empréstimo de US$ 4 bilhões ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

O acordo com o FMI veio acompanhado de um receituário rigoroso quanto à política monetária e fiscal. Em 1983, a carga tributária foi elevada e os investimentos públicos foram cortados drasticamente. A desvalorização cambial e a alta de juros acabaram por aumentar as despesas do governo com a dívida pública.

A fase de desenvolvimento capitalista que se inicia a partir da década de 1970 reorganizou o setor produtivo e impactou seriamente o mundo do trabalho. A elevação da taxa de juros norte-americana pelo então presidente do Federal Reserve (FED) Paul Volcker em 1979 é a consumação desse processo, que prepara o capitalismo para ingressar numa nova etapa. Esta, por sua vez, traz como traços constitutivos a valorização financeira, desregulamentação dos mercados, redução dos direitos trabalhistas e um processo de centralização de capitais.

 

    3  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nova acomodação do excedente interno a partir de 1930 impulsionou a industrialização, inicialmente restrita aos setores de bens de primeira necessidade, estendendo-se para a produção de bens de capital a partir da década de 1950.

Essa démarche internalizou os elementos de dominação capitalista, amadurecendo as condições sociais e econômicas para uma maior modernização do país, marcando o fim da hegemonia agrário-exportadora e a predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial. Esse processo é entrelaçado com o imperialismo, fase que consolida os monopólios nas grandes potências.

A Dependência sintetiza um processo contraditório que amalgama a um só tempo a dominação das burguesias internas e externas, na superexploração do trabalho - para usar o termo de Marini – produzindo o desenvolvimento do subdesenvolvimento. O conteúdo desse processo reside na apropriação do excedente do trabalho, nas relações desiguais de transferência da riqueza social e na consolidação da subordinação e no desenvolvimentismo, este último tomado como o típico aparato ideológico dos países subdesenvolvidos.

As etapas em que dá o processo de industrialização e modernização do capitalismo nacional trazem consigo essas questões, sobretudo, a partir do golpe militar de 1964, onde as tendências de dominação assumem suas formas mais específica e se desdobram nos modelos autocráticos de sociedade.

No plano econômico, observamos que o crescimento não possibilitou maior distribuição da renda, concentrando privilégios nas mãos de grupos minoritários, enquanto que a maior parte da população brasileira, viu suas condições de vida piorarem.

Todos esses elementos, fazem parte da constituição do Brasil, da constante modernização do arcaico, do processo desigual e contraditório que se estabelece em todas as dimensões da sociedade brasileira.

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4 REFERÊNCIAS

  • FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil. São Paulo: Zahar, 1975.

  • FURTADO, Celso. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

  • HERMANN, Jeniffer. Auge e declínio do modelo de crescimento com endividamento: o II PND e a crise da dívida externa: 1974-1984. In: GIAMBIAGE, Fábio (org.). Economia Brasileira Contemporânea: 1945-2010. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2011.

  • LACEERDA, Antônio Corrêa et al. Economia brasileira. - 4.ed. - São Paulo : Saraiva, 2010.

  • LESSA, Carlos. Quinze anos de Política Econômica. Editora Brasiliense, 1981.

  • MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. [versão digital] Disponível em https://www.marxists.org/portugues/marini/1973/mes/dialetica.htm

  • MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política: Livro I: O processo de produção do capital; [tradução Rubens Endeler]. São Paulo: Boitempo, 2013.

  • __________. O Capital: Livro II: O processo de circulação do capital; [tradução Rubens Endeler]. São Paulo: Boitempo, 2014.

  • MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo Tardio. São Paulo: editora UNESP; Campinas, SP: FACAMP, 2009.

  • OLIVEIRA, Francisco. Crítica a Razão Dualista. São Paulo: Boitempo, 2003. ​​ 

  • PAULANI, Leda. Brasil Delivery: servidão financeira e estado de emergência econômico. São Paulo: Boitempo, 2008.

  • PRADO JR, Caio. Evolução política do Brasil. Editora Companhia das Letras, 2012.

  • TAVARES. Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.

1

Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas. http://lattes.cnpq.br/8990415396918035; https://orcid.org/0000-0002-9857-2554

2

Doutor em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa.

https://orcid.org/0000-0003-3039-6264; http://lattes.cnpq.br/5333754444497512

3

Doutorando em Ciências Ambientais (PPGSND – Ufopa)

http://lattes.cnpq.br/5938594695650101; https://orcid.org/0000-0001-6715-4117

4

Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Oeste do Pará.

http://lattes.cnpq.br/9222995880010627; https://orcid.org/0000-0001-5592-7477

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