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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

Cetoacidose diabética: uma revisão bibliográfica sobre o tratamento desta complicação aguda do Diabetes Mellitus

Antônio Carlos Fonseca Filho1; Bruno Veronez de Lima2

 

Como Citar:

FILHO, Antônio Carlos Fonseca; DE LIMA, Bruno Veronez. Cetoacidose diabética: uma revisão bibliográfica sobre o tratamento desta complicação aguda do Diabetes Mellitus. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.4080-4088, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202471017

 

DOI: 10.61411/rsc202471017

 

Área do conhecimento: Ciências da Saúde.

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Palavras-chaves: Cetoacidose Diabética; Tratamento; Diabetes Mellitus

 

Publicado: 06 de setembro de 2024.

Resumo

A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação aguda do Diabetes Mellitus, caracterizada por altos níveis de glicose no sangue, acidose metabólica e produção de corpos cetônicos, resultante de níveis insuficientes de insulina circulante. Essa condição afeta principalmente pacientes com DM tipo 1, mas pode ocorrer em casos raros de DM tipo 2 e pode levar o paciente ao óbito. O objetivo deste estudo é analisar os princípios do tratamento da cetoacidose diabética. Trata-se de uma revisão de literatura feita em bases de dados eletrônicas, incluindo PubMed, Google Scholar e BVS. Os termos de busca utilizados foram cetoacidose diabética, quadro clínico, fisiopatologia, diagnostico, tratamento. O tratamento envolve corrigir a perda hídrica, o déficit de insulina e prevenir complicações como edema cerebral, arritmias cardíacas, hipoglicemia e distúrbios eletrolíticos.

 

 

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Abstract

Diabetic ketoacidosis (DKA) is an acute complication of Diabetes Mellitus, characterized by high blood glucose levels, metabolic acidosis and production of ketone bodies, resulting in insufficient levels of circulating insulin. This condition mainly affects patients with type 1 DM, but can occur in rare cases of type 2 DM and can lead to the patient's death. The purpose of this study is to analyze the principles of treating diabetic ketoacidosis. This is a literature review carried out in electronic databases, including PubMed, Google Scholar and VHL. The search terms used were diabetic ketoacidosis, clinical picture, pathophysiology, diagnosis, treatment. Treatment involves correcting water loss, insulin deficit and preventing complications such as cerebral edema, cardiac arrhythmias, hypoglycemia and electrolyte disorders.

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1.Introdução

A cetoacidose diabética (CAD), frequentemente desencadeada por infecções ou pela omissão da aplicação de insulina, é uma complicação aguda do Diabetes Mellitus (DM), marcada por altos níveis de glicose no sangue, acidose metabólica, desidratação e produção de corpos cetônicos, resultantes de níveis insuficientes de insulina circulante. Esta condição afeta indivíduos com DM tipo 1 (DM1) e raramente pode ser observada em pacientes com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2). ¹

A epidemiologia da cetoacidose diabética apresenta números expressivos.

Dessa forma, em pacientes diabéticos, ocorrem de 1 a 10 episódios de CAD a cada 100 pacientes por ano e representa a principal causa de morte em menores de 24 anos com diabetes tipo 1 (DM1), sendo responsável por 50% dos casos. ³

A apresentação clínica da CAD consiste em hiperglicemia acompanhada de poliúria, desidratação, hipotensão arterial, hálito cetônico, taquicardia e taquipneia (respiração de Küssmaul). Ademais, podem ocorrer irritabilidade e dor abdominal que simula quadro de abdômen agudo, acompanhadas de náuseas e vômitos. Em casos graves, pode ocorrer rebaixamento do nível de consciência e arritmias cardíacas desencadeadas pelos distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos. Assim, é importante estar atento a sintomas iniciais, como aumento do débito urinário, polidipsia e polifagia. ²

A fisiopatologia da CAD envolve a redução dos níveis circulantes de insulina, que pode ser absoluta ou relativa, e ao aumento de hormônios contrarreguladores, como o glucagon, o cortisol e as catecolaminas. Como a insulina é um hormônio anabólico, a sua falta favorece processos de degradação, como a lipólise, proteólise e glicogenólise. ​​ A quebra de gorduras resulta na liberação de ácidos graxos livres (AGL), que são oxidados no fígado por meio do sistema microssomal. O processo de oxidação dos AGL é estimulado não apenas pelo excesso de substrato, mas também pela ativação das vias metabólicas que oxidam ácidos graxos. No momento em que a síntese de acetilCoA excede a capacidade de utilização pelo fígado, essa substância é convertida em corpos cetônicos, incluindo acetoacetato, beta-hidroxibutirato e acetona¹.

Simultaneamente, a elevação dos níveis de glicose na cetoacidose diabética resulta da redução da utilização periférica de insulina, elevação da produção de glicose pelo fígado e déficit da sua eliminação. Nesse contexto, o fígado amplia a produção de glicose não só através da gliconeogênese, mas também pela glicogenólise. Isso leva a um acréscimo da osmolaridade da corrente sanguínea, causando uma transferência de fluidos do espaço dentro das células para fora delas, o que gera desidratação celular. Outrossim, quando os níveis de glicose estão acima do limiar renal, ocorre a excreção de glicose na urina e a diurese osmótica, levando à perda de volume de líquidos fora das células. ¹

O diagnóstico da Cetoacidose Diabética feito no momento oportuno é fundamental e torna viável a implementação imediata da terapia. A CAD caracterizase por hiperglicemia (glicose sérica > 200 mg/dl), cetose e acidose metabólica (bicarbonato sérico < 15 mmol/L com ânion gap aumentado).6

Portanto, a cetoacidose diabética é uma complicação grave e potencialmente fatal do diabetes mellitus e seu tratamento adequado é fundamental. Desse modo, o objetivo deste estudo é analisar os princípios do tratamento da cetoacidose diabética.

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2.Metodologia

Para realizar esta revisão de literatura sobre o tratamento da cetoacidose diabética foram consultadas as seguintes bases de dados eletrônicas, incluindo PubMed, Google Scholar e BVS. Os termos de busca utilizados foram: cetoacidose diabética, quadro clínico, fisiopatologia, diagnostico, tratamento. Dessa forma, relacionou-se artigos e diretrizes de revisão publicados em língua portuguesa com foco em ensaios clínicos, estudos observacionais e revisões sistemáticas relacionadas à CAD em pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2.

A seleção dos estudos incluiu a análise dos títulos e resumos de cada artigo identificado durante a busca inicial. Foram excluídos estudos que não estavam relacionados diretamente ao tratamento da CAD, bem como aqueles que não estavam disponíveis na íntegra de forma gratuita. As principais fontes de informações para o desenvolvimento desta revisão de literatura foram a última diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes, publicada em março de 2023 e o artigo “Cetoacidose Diabética: fisiopatologia, diagnóstico e abordagem terapêutica” publicada pela revista Brazilian Journal of Development. Além da busca nas bases de dados eletrônicas, foram também incluídos na revisão artigos relevantes identificados a partir das referências bibliográficas dos estudos selecionados. Isso permitiu ampliar a abrangência da revisão e incluir estudos que poderiam não ter sido identificados na busca eletrônica.

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3.Desenvolvimento e discussão

De maneira geral, os objetivos do tratamento envolvem 3 pilares: corrigir a perda hídrica, corrigir o baixo nível de insulina e evitar complicações. A figura 1 sintetiza a terapêutica da Cetoacidose.

Figura 1 - Tratamento da Cetoacidose Diabética.

A terapia da cetoacidose diabética (CAD) objetiva corrigir os distúrbios metabólicos, reverter os sinais e sintomas e tratar possíveis causas desencadeantes da CAD. Estas diretrizes envolvem a reposição de líquidos, correção da hiperglicemia com insulina, reposição de eletrólitos e monitoramento constante para detecção e manejo de complicações. 4

A desidratação é um ponto central na CAD e ocorre devido à perda de líquidos pela urina e pela pele. A reposição de líquidos é essencial para melhorar a perfusão tecidual, a função renal e ajudar a eliminar os corpos cetônicos. De imediato, são preferidas soluções salinas isotônicas, como o soro fisiológico, para promover expansão volêmica. Em uma fase posterior do tratamento, após o controle da hiperglicemia e restauração do volume extracelular, podem ser utilizadas soluções menos concentradas. A velocidade de administração é determinada pela condição clínica do paciente. Em geral, o volume recomentadado é de 15-20 mL/kg nas primeiras horas para a maioria dos adultos. É essencial monitorar constantemente o nível de hidratação, a pressão arterial, a frequência cardíaca e a produção de urina.4

A hidratação é a etapa mais crucial da terapia da CAD, pois reduz a concentração de glicose e corpos cetônicos no sangue, além de diminuir a ativação do SN simpático, a resistência à insulina, e a formação de glicose pelo fígado. A demora no início da administração de insulina, desde que a hidratação seja adequada, não tem um impacto significativo na mortalidade da CAD, enfatizando a importância da hidratação. Alguns estudos também sugerem que iniciar a terapia com insulina após a hidratação torna as células mais sensíveis à insulina administrada.¹

A hiperglicemia deve ser corrigida através da infusão endovenosa de insulina regular em todos os pacientes com CAD moderada a grave e potássio sérico ≥3,3 mEq/L. A única exceção para adiar o começo do tratamento com insulina é se o potássio sérico estiver inferior a 3,3 mEq/L, já que a insulina pode agravar a hipocalemia ao promover a entrada de potássio nas células. O tratamento pode se iniciar com uma infusão contínua de insulina regular a uma taxa de 0,1 unidades/kg por hora, o que deve diminuir a concentração de glicose na corrente sanguínea em cerca de 50 a 70 mg/dL por hora. Qualquer variação fora desse intervalo requer ajuste na taxa de infusão de insulina intravenosa. À medida que o tratamento avança e a glicemia na CAD cai para 200 a 250 mg/dL, deve-se iniciar a infusão de soro glicosado 5% junto com a insulina regular intravenosa, ajustando a taxa de infusão para evitar hipoglicemia durante o tratamento.6

A utilização sistemática de bicarbonato de sódio por via intravenosa não mostrou benefício clínico na correção da acidose nem na taxa de mortalidade em pacientes com CAD e, em geral, não é recomendada, especialmente em crianças. A utilização de bicarbonato de sódio é destinada para casos mais graves de acidose em adultos com pH < 6,9. Caso seja indicado, a dose recomendada para pacientes adultos é de 50 a 100 mmol diluídos em solução isotônica de 200 a 400 mL para diminuir o potencial risco de arritmias e de hipocontratilidade cardíaca.6

A hipofosfatemia leve é bastante comum e, em grande parte das vezes, assintomática durante o tratamento da CAD. A reposição de fosfato não é indicada rotineiramente, em parte por causa do risco de hipocalcemia, e não há evidências suficientes para mostrar melhorias no prognóstico em comparação com a não reposição. Em situações raras de extrema ausência de fosfato, que podem levar a um quadro clínico grave, como por exemplo insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência respiratória aguda e diversas complicações clínicas relacionadas à hipóxia, a reposição adequada do eletrólito é fundamental e normalmente resulta em bom prognóstico.6

A prevenção de complicações é essencial no tratamento da CAD. Isso inclui monitoramento rigoroso dos níveis de glicose, eletrólitos e pH sanguíneo para evitar complicações como edema cerebral, arritmias cardíacas, hipoglicemia e distúrbios eletrolíticos graves. Além disso, é importante tratar ou controlar as condições subjacentes que podem contribuir para a CAD, como infecções. A prevenção de complicações é fundamental para garantir uma recuperação completa e reduzir o risco de morbidade e mortalidade associadas à CAD.5

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4.Considerações finais

A terapia da cetoacidose diabética é complexa e visa corrigir os distúrbios metabólicos, reverter os sinais e sintomas agudos e tratar a causa subjacente desse quadro. As diretrizes atuais preconizam a reposição cuidadosa de líquidos, a correção da hiperglicemia com insulina, a reposição de eletrólitos e um monitoramento rigoroso para detectar e gerenciar possíveis complicações. A desidratação é uma consequência comum da CAD e a reposição de líquidos crucial para melhorar a perfusão tecidual, a função renal e a eliminação de corpos cetônicos. O uso inicial de soluções salinas isotônicas é recomendado, com ajustes conforme ocorre a normalização da glicose sanguínea.

A hidratação é um passo crucial, reduzindo a concentração de glicose e corpos cetônicos, além de diminuir a ativação do sistema nervoso simpático e a resistência à insulina. Além disso, iniciar a terapia com insulina após a hidratação pode tornar as células mais sensíveis à insulina administrada. Em relação à reposição de fosfato, não é recomendado, devido ao risco de hipocalcemia e à falta de evidências que demonstrem benefícios no prognóstico. No entanto, em casos raros de extrema depleção de fosfato, a reposição adequada com eletrólitos específicos é necessária e costuma resultar em bom prognóstico. A utilização de bicarbonato de sódio intravenoso não demonstrou benefícios clínicos significativos e não é recomendada de rotina, sendo reservada para casos graves de acidose em adultos.

Em resumo, o tratamento da CAD requer uma abordagem cuidadosa e individualizada, com foco na correção dos desequilíbrios metabólicos, na hidratação adequada e no monitoramento constante para evitar complicações graves.

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5.Declaração de direitos

O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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6.Referências

  • 1.BARONE, BIANCA et al. Cetoacidose Diabética em Adultos – Atualização de uma Complicação Antiga. Arq Bras Endocrinol Metab, Rio de Janeiro, p. 1-14, 22 jun. 2017.

  • 2.CETOACIDOSE diabética. Revista Médica de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 1-5, fev. 2008.

  • 3.FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Cetoacidose Diabética na Infância. Rio de Janeiro, 10 fev. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/principais-questoes-so bre-cetoacidose-diabetica-na-infancia/>.

  • 4.LIMA, Paola Tássia Freitas Mendonça. Cetoacidose Diabética: fisiopatologia, diagnóstico e abordagem terapêutica. Brazilian Journal of Development, Curitiba, p. 1-9, 11 set. 2023.

  • 5.COLLETT-SOLBERG, Paulo Ferrez. Cetoacidose diabética em crianças: revisão da fisiopatologia e tratamento com o uso do método de duas soluções salinas. Jornal de Pediatria, [S. l.], p. 8-8, 26 fev. 2001.

  • 6.Ana Teresa Santomauro, Augusto Cezar Santomauro Jr, Aline Bodart

  • Pessanha, Roberto Abrão Raduan, Emerson Cestari Marino, Rodrigo Nunes Lamounier. Diagnóstico e tratamento da Cetoacidose Diabética. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes, p 1-40, 23 março de 2023.

 

     

1

Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

2

Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.


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