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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO CURTO ORIGINAL

Uberização do trabalho na área da saúde: uma pesquisa de revisão

Bruno Veronez de Lima 1; Mariana Luciano Afonso 2

 

Como Citar:

DE LIMA; Bruno Veronez, AFONSO; Mariana Luciano. Uberização do trabalho na área da saúde: uma pesquisa de revisão. Revista Sociedade Científica, vol. 7, n. 1, p.292-297 , 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202419017

 

DOI:10.61411/rsc202419017

 

Área do conhecimento: Medicina.

 

Sub-área: Humanidades em saúde.

 

Palavras-chaves: uberização, saúde do trabalhador, saúde e trabalho.

 

Publicado: 18 de janeiro de 2024

Resumo

O presente texto consiste em breves reflexões sobre trabalho e saúde a partir de uma revisão narrativa de literatura a respeito do processo de uberização do trabalho. Nesta revisão, priorizou-se estudar os conceitos de saúde, trabalho e processo de adoecimento do trabalhador dentro do contexto de precarização das relações trabalhistas no Brasil, no atual cenário de uberização. Para tal finalidade, foram pesquisados artigos publicados entre 2018-2023 que abordam o tema utilizando as seguintes palavras-chave: uberização, saúde do trabalhador, saúde e trabalho. Tais termos foram lançados na base de dados Scielo. Por fim, foram selecionados os trabalhos mais correlatos ao tema e foram feitos fichamentos desses artigos e condensados neste texto para fins de comunicação e atualização sobre o tema.

 

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1. Introdução

 A noção de trabalho, como ponto de partida, torna-se fundamental para refletir posteriormente sobre as condições de saúde do trabalhador. Nesse sentido, o trabalho não é uma atividade segregada, isolada, e sim algo que está imerso em um contexto coletivo e que impacta na sociedade. O trabalho se configura como condição sine qua non para a produção de todas as coisas existentes para a manutenção da vida1.

Um dos processos que mais influencia na forma como o trabalho está organizado no sistema capitalista é o processo de valorização do capital. De maneira simplificada, pode-se dizer que essa valorização consiste em ter os donos dos meios de produção adquirindo mercadorias - entre elas, a mercadoria força de trabalho - com o objetivo de lucrar. A finalidade da produção desse sistema, nesse sentido, deixa de ser a satisfação das necessidades das pessoas e passa a ser a geração de mais valor2. Ou seja, não importa o que se produz, desde que seja algo que quando vendido gere mais dinheiro do que o que foi investido para produzi-lo. Isto só é possível desde que se pague um salário mais baixo que o valor produzido pelos trabalhadores nas mercadorias. Tal processo de valorização do capital determina a forma de organização do trabalho de um modo geral, pois é a procura pelo lucro que rege, por exemplo, qual instrumental usar e como estruturar os processos de trabalho.

Nessa lógica, surgiu a necessidade de acelerar a produção visando otimizar o tempo de todo esse processo. Isso ocorre de forma expressiva durante a industrialização. Particularmente, nos anos 1980 no Brasil essa industrialização aumentou a incidência de acidentes de trabalho, causando uma intensificação das pesquisas e reflexões sobre a saúde de trabalhadores. Tal preocupação surgiu, em parte, porque esses acidentes limitavam a força de trabalho, deixando o trabalhador pouco produtivo ou improdutivo. É necessário ressaltar, nesse ínterim, que a perspectiva do campo da saúde do trabalhador tem importante papel enquanto questionadora de noções simplistas de saúde como as que se reduzem unicamente aos processos de adoecimento, riscos e acidentes.3

Nas últimas décadas, o advento de novas tecnologias promoveu facilitação de acesso a serviços e agilidade no consumo. Todavia, a desigualdade na relação capital-trabalho permanece, uma vez que mesmo com a eventual redução dos custos da produção, a qualidade de vida do trabalhador se deteriora enquanto o lucro das empresas se eleva. Isso se dá por meio da intensificação da lógica de produção de mais-valia, que leva ao desgaste físico e psíquico do trabalhador4.

Modalidades de trabalho se modificaram concomitantemente ao desenvolvimento dos aplicativos e demais tecnologias. As doenças psicossomáticas e psiquiátricas ganham destaque na classe trabalhadora em virtude de um ambiente de trabalho mais competitivo e desgastante do ponto de vista mental. Ademais, a ascensão das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) nas primeiras duas décadas do século XXI foi um dos fatores que permitiu a formação de relações de trabalho mediadas por aplicativos e cada vez mais virtualizadas. Esta é uma das características da chamada uberização do trabalho. A uberização é também uma forma de precarização das relações de trabalho uma vez que intensifica o desgaste e limita o poder de proteção ao trabalhador antes conferido por leis trabalhistas1,5,6.

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    • 2. Desenvolvimento e discussão

Nesse sentido, a uberização é um problema social porque deteriora as relações trabalhistas. O que é somado a promessas e ofertas de ganhos financeiros maiores que visam seduzir o trabalhador7. Trata-se de uma relação de trabalho muito rápida de ser estabelecida e também rápida em ser desfeita. Essa velocidade se mistura à informalidade e polimorfia8 do trabalho no Brasil. O emprego, para a maioria dos brasileiros, é acrescido dessa mescla de atividade formal com atividades informais de complementação de renda – nomeada como “viração”9.Tal fenômeno amplia desigualdades sociais porque sem leis, garantias ou proteção social, o trabalhador fica vulnerável, não podendo negociar suas condições de trabalho e tendo que, por extrema necessidade, se submeter às condições que os donos dos meios de produção impõem para o seu exercício profissional1,5,6,9.

No âmbito da área da saúde, ainda existem poucos estudos sobre esse fenômeno global, o que justifica a necessidade de se investigar mais sobre o tema. Mesmo com uma certa visibilidade social trazida pela pandemia da COVID-19 para trabalhadores uberizados, tais categorias não estão ilesas da precarização do trabalho, pelo contrário1,5,6.

Em busca realizada na base de dados Scielo, cruzando-se as palavras-chave “uberização” e “saúde do trabalhador”, encontram-se sete artigos7, 9,10,11,12,13,14. Os artigos encontrados contemplam discussões sobre: instabilidade laboral, sobrecarga laboral e demanda psicossocial como determinantes associados a maus resultados de saúde, em especial de saúde mental, como características contemporâneas do chamado modelo pós-fordista10; o discurso falacioso da autogestão e do empreendedorismo como características da uberização, assim como a reprodução, de forma caricata, de velhos modelos de saúde que não são capazes de resolver os reais problemas dos trabalhadores7; a associação entre a introdução do Programa de Gestão e Desempenho na Universidade Federal Fluminense (UFF) e suas relações com processos de uberização, impactando negativamente na saúde – em especial saúde mental – dos trabalhadores da universidade11; o jogo de forças nas relações estabelecidas entre entregadores de aplicativos no Rio de Janeiro, empresas, órgãos reguladores e a sociedade12; relações entre precarização do trabalho e a pandemia de Covid-19 no Brasil9; estudos dos possíveis aprofundamentos da uberização do trabalho durante e após a pandemia, destacando o impacto do controle do trabalho sobre a saúde de trabalhadores13; e correspondências entre a precarização do trabalho docente e processos de uberização14.

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    • 3.Considerações finais

O presente artigo constitui-se como produto de um contato inicial do primeiro autor – estudante de curso de Medicina – com pesquisas na área de saúde do trabalhador, sobre o tema da uberização, no escopo dos estudos de ciências humanas na saúde. Trata-se de um artigo curto, apontando reflexões preliminares sobre os conceitos estudados e os achados de uma breve revisão narrativa sobre a temática.

Percebe-se, na realidade social brasileira, a chamada polimorfia do trabalho em que, os sujeitos estão inseridos em várias atividades ocupacionais ao mesmo tempo, transitando entre mercados e criando trabalho8. Esta noção torna-se uma ferramenta analítica que traz uma perspectiva histórica e dinâmica do trabalho, considerando as transformações que as várias formas de trabalhar sofrem ao longo do tempo8,9. Uchôa-de-Oliveira (2020) adiciona a esta perspectiva outro elemento: a precarização que constitui a polimorfia do trabalho no contexto brasileiro. Esse seria o movimento que caminha para o precário nas várias formas de criar trabalho no país ao longo da história. A uberização aprofunda essa precarização, limitando ainda mais os direitos dos trabalhadores1,5,9.

Além disso, no contexto da uberização criam-se e preservam-se diversas formas de controlar trabalhadores, tais como: a divisão do trabalho de modo que, individualmente, os trabalhadores possam ser facilmente substituídos e não consigam, portanto, muito poder de negociação; o ritmo de trabalho ditado pela maquinaria ou tecnologia; o impedimento de que o trabalhador decida como trabalhar, por meio de prescrições que devem ser seguidas; a supervisão, para controle do processo de trabalho; a gamificação e estratégias de “recompensar” os trabalhadores com metas e prêmios de produção, fazendo com que altos índices de produtividade pareçam ser vantagem tanto para a empresa como para os trabalhadores1,5,6,7,8,9,10,11,12,13.

Por fim, entende-se que a uberização diminui a qualidade de vida dos trabalhadores uma vez que intensifica o processo de precarização e diminui o poder de negociação sobre as condições de trabalho. A desregulamentação das leis e direitos trabalhistas favorece este processo e, por consequência, há um aprofundamento das desigualdades sociais1,5,6,9. A revisão realizada indicou ainda que a uberização tem se espraiado para diferentes categorias profissionais, impactando significativamente na saúde de diversos trabalhadores. Destaca-se a importância da realização de estudos posteriores sobre a temática – em especial sobre impactos na saúde mental.

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    • 4.Declaração de direitos

 O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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    5.Referências

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  • MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

  • SOUZA, KR. et al. A categoria saúde na perspectiva da saúde do trabalhador: ensaio sobre interações, resistências e práxis. Saúde em Debate, 2017;41(spe2):254–63.

  • LAURELL, AC, NORIEGA, M. Trabajo y salud en SICARTSA. UAM-X, México, 1987.

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  • ABÍLIO LC. Uberização: Do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, 2019; 18(3):41-51.

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  • UCHÔA-DE-OLIVEIRA FM. Saúde do trabalhador e o aprofundamento da uberização do trabalho em tempos de pandemia. Rev bras saúde ocup. 2020;45:e22.

  • QUEIROZ G. Saúde sem colarinhos: desafios da saúde ocupacional no advento do pós-Fordismo. Rev bras saúde ocup. 2023;48:e10.

  • SOUZA RL. Programa de Gestão e Desempenho: ponte para uberização no serviço público federal brasileiro. Rev bras saúde ocup. 2023;48:e22.

  • MASSON LP, et al. “Parceiros” assimétricos: trabalho e saúde de motoristas por aplicativos no Rio de Janeiro, Brasil. Ciênc saúde coletiva. 2021;26(12):5915–24.

  • SOUZA DO. As dimensões da precarização do trabalho em face da pandemia de Covid-19. Trab educ saúde. 2021;19:e00311143.

  • VENCO S. Uberização do trabalho: um fenômeno de tipo novo entre os docentes de São Paulo, Brasil?. Cad Saúde Pública. 2019;35:e00207317.

1

UNICID( Universidade Cidade de São Paulo), São Paulo, Brasil.

2

UNICID (Universidade Cidade de São Paulo), Sâo Paulo, Brasil

 


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