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ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

Relato de caso: linfoma de células T angioimunoblástico com comprometimento de Sistema Nervoso Central

Amauri Marcelo Cisotto Junior1; Lívia Reis Miranda2; Walnei Fernandes Barbosa3; Eduarda Andrea Silva Rizzo4

 

Como Citar:

JUNIOR; Amauri Marcelo Cisotto, MIRANDA; Lívia Reis; BARBOSA; Valnei Fernandes, RIZZO; Eduarda Andrea Silva. Relato de caso: linfoma de células T angioimunoblástico com comprometimento de sistema nervoso central. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.246-253, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202416217

 

DOI: 10.61411/rsc202416217

 

Área do conhecimento: Ciências da Saúde

 

Palavras-chaves: Linfoma T; Angioimuno

blástico; sistema nervoso central; líquor

 

Publicado: 12 de janeiro de 2024

Resumo

Este artigo relata o caso raro de mulher de 40 anos, com diagnóstico de Linfoma não Hodgkin T Angioimunoblástico, com comprometimento de sistema nervoso central (SNC) e infiltração liquórica após tratamento inicial com seis ciclos de esquema quimioterápico CHOEP e boa resposta clínica e radiológica. Após início de sintomas neurológicos, exames de imagem iniciais não foram conclusivos, mas citologia oncótica foi positiva em líquor cefalorraquidiano (LCR) e imunofenotipagem compatível com células T anômalas. Paciente apresentou boa resposta à terapia de resgate com esquema HyperCVAD, com posterior transplante de medula óssea autólogo e radioterapia, permanecendo em remissão após 6 anos de tratamento.

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1. Introdução

O linfoma de células T Angioimunoblástico (AITL) é um subtipo raro de linfoma de células T periféricas (PTCL), que representa uma malignidade das células T maduras, e é caracterizado como um infiltrado polimórfico acompanhado por proeminente proliferação de vênulas endoteliais e células dendríticas foliculares1.

O AITL corresponde a aproximadamente 1 a 2% dos Linfomas não Hodgkin e 15% a 20% dos PTCL. Além disso, apresenta incidência baixa, com predileção por homens e incidência média entre 59 e 65 anos, acometendo indivíduos dos 20 aos 86 anos2. A maior parte dos pacientes se encontra em estágio avançado da doença (89% estágios III ou IV), 69% apresentam sintomas sistêmicos, 27% com envolvimento extranodal, 60% apresentam DHL elevado e 30% hipergamaglobulinemia3. O comprometimento do sistema nervoso central (SNC), especialmente do líquor, é pouco descrito.

O AITL apresenta um comportamento agressivo, o que dificulta seu diagnóstico. Tipicamente, a arquitetura do nódulo linfático é apagada, com poucos folículos claros retidos, sendo uma característica típica a extensão do infiltrado entre a cápsula do linfonodo, com seio subcapsular dilatado, havendo entre os folículos, uma alta proliferação de endotélio vascular4. A neoplasia de células T é positiva para CD2, CD3, CD4, CD10, CXCL-13, PD1 e também BCL-65. Assim, o diagnóstico padrão-ouro é a biópsia linfonodal exciosional, com uma média de sobrevida de 3 anos.

Tratamentos para AITL incluem quimioterapia citotóxica, imunomoduladores e esteroides, sendo que o tratamento usado na maior parte dos pacientes com AITL não apresentou resultados satisfatórios de longos períodos de remissão da doença6.

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2. Método

Para condução deste estudo foi realizada revisão de prontuário de paciente atendida no serviço de Oncohematologia do Hospital Regional do Vale do Paraíba, selecionando caso específico como forma de descrever achado raro e analisar pontualmente resposta a tratamento.

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3. Relato de caso

C.G., 40 anos, mulher, com atendimento realizado incialmente em dezembro de 2015, contendo quadro de prurido, sudorese noturna, febre, e perda de peso há 3 meses, bem como aparecimento e agravamento progressivo de aumento linfonodal axilar e cervical, edema generalizado e dispneia. Após realização de exame físico do pescoço, verificou-se que a paciente possuía conglomerado linfonodal de níveis I e II à esquerda, de consistência endurecida, bem como linfonodos de até 1,5 centímetro nos níveis à esquerda. Também apresentava linfonodos axilares, porém inferiores a 1 centímetro. Além disso, ao ser realizado exame do aparelho respiratório, encontrou-se murmúrio vesicular diminuído em terço médio e base direita, sem ruídos adventícios, sugestivo de derrame pleural. Por fim, no exame do abdômen, foi encontrada distensão abdominal com hepatomegalia e ascite.

Foi realizado estudo complementar de ultrassonografia abdominal, que demonstrou formações nodulares em topografia retroperitoneal e ascite de pequeno volume. Também foram realizadas tomografias, que revelaram linfonodomegalia difusa e infiltrado que invadia ápice do pulmão direito, com extenso derrame pleural e hepatomegalia. Por meio de Tomografia Computadorizada por Emissão de Pósitrons, verificou-se o aumento em atividade metabólica nos linfonodos axilares esquerdos e abdominais com provável natureza neoplásica.

Foi realizada biópsia em linfonodo axilar esquerdo, do qual avaliação anatomopatológica inicial aventou Linfoma de Hodgkin, sendo programada a primeira infusão de quimioterapia com esquema ABVD devido gravidade do caso. Porém, após estudo imunohistoquímico, foi constatado que o diagnóstico era de Linfoma não Hodgking T angioimunoblástico. Ainda, foi realizada biópsia de medula óssea, que não mostrou infiltração e paciente foi estadiada como IV B.

​​ A terapia inicial foi realizada com quimioterápico, esquema CHOP em conjunto com etoposide, tendo a paciente recebido seis ciclos até junho de 2016 com resultado negativo de Tomografia Computadorizada por Emissão de Pósitrons após tratamento. Encaminhada para transplante de medula óssea autólogo em primeira remissão. Aguardando transplante, em agosto de 2016, 2 meses após término de quimioterapia, a paciente apresentou otalgia, confusão mental, quadro de tontura, cervicalgia intensa, parestesia e perda de força à esquerda,, com náuseas e vômitos e um episódio de síncope, e foi internada com suspeita de quadro de meningite. Assim, foi realizada ressonância magnética de crânio (agosto/2016) que evidenciou focos de alteração de sinal e espessamento do corpo caloso, sendo que o laudo indicou possível inflamação, infecção, doença desmielinizante, metabólica ou linfoma.

A avaliação do liquorindico hiperproteinorraquia, hipolicorraquia, leucorraquia com predomínio de monomorfonucleares, sendo visualizadas células anômalas (figura 1) e posterior imunofenotipagem revelou 43,6% de Linfócitos T (relação CD4/CD8 = 3,65); 3,5% de células NK, 5,7% de células da linhagem monocítica; 0,1% de linfócitos B maduros e policlonais ( relação Kappa/Lambda = 1,54); além de 47,1% de células que demonstravam: CD2 parcial, CD3 de superfície e intracitoplasmático, CD38 forte expressão, CD45 moderada expressão, correspondendo a células T anômalas. Foi confirmada, então, hipótese de infiltração de SNC por Linfoma T Angioimunoblástico e após realização de quimioterapia associada a esquema HyperCVAD, com posterior transplante de medula óssea após liquor negativo, e posterior radioterapia craniana.

Após tratamento, a paciente apresentou remissão de doença e permaneceu assintomática até esta publicação.

Figura 1: Imunofenotipagem do líquor com achado de angioimunoblasto.

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4. Discussão

O Linfoma T Angioimunoblástico é um tumor agressivo e raro, o que faz com que seu diagnóstico seja em grande parte das vezes tardio e já em fases avançadas. Os pacientes com frequência demonstram sintomas B, como febre, emagrecimento e aumento generalizado dos linfonodos, além de outros sintomas como hepatomegalia, esplenomegalia, erupção cutânea polimórfica e derrame pleural, sintomas esses considerados inespecíficos. A disseminação da doença é extranodal, incluindo a medula óssea, com maior expressão, fígado, pele e pulmão7, com poucos casos descritos de acometimento meníngeo. Seu tratamento depende da performance status do paciente, não havendo tratamento padrão, sendo realizado em grande parte das vezes ciclofosfamida, vincristina, doxorrubicina e prednisona (CHOP), associado ou não ao etoposídeo. Este tratamento é tipicamente seguido por transplante autólogo de medula óssea nos pacientes jovens devido altos índices de recidivas descrito8,9.

Além disso, a história natural da AITL caracteriza-se por várias recaídas, com sobrevivência de 30% após 5 anos. A sobrevida livre de progressão após recaída é de 5 meses, sendo apenas marginalmente melhor com uso de quimioterapia na recaída, se elevando para cerca de 6 meses10. No caso da paciente relatada, que abriu a clínica com sintomas inespecíficos e recebeu inicialmente o diagnóstico de Linfoma de Hodgkin, foi possível o diagnóstico correto de AITL por meio da imuno-histoquímica. Tal diagnóstico permitiu o início do tratamento com a terapia padrão, quimioterápico CHOP em conjunto com etoposide, apresentando resposta adequada e remissão. Porém, seguindo o curso da doença, como é descrito na maioria dos casos, a paciente apresentou recaída, só que agora com sintomas neurológicos, pouco descritos o que tornou o caso mais desafiador. A avaliação liquórica por patologista experiente, seguida de imunofenotipagem, foi de extrema importância para confirmação diagnóstica e tratamento correto. Por ser um caso raro e não havendo terapia padrão, foi realizada tentativa de tratamento com quimioterápico HyperCVAD visando uso de drogas com infiltração em SNC além da terapia intratecal, complementada com radioterapia craniana e transplante de medula óssea, com surpreendente resposta positiva, permanecendo a paciente assintomática após e com completa remissão da doença. O caso nos faz repensar o quanto poderia ser importante avaliar fatores de risco iniciais que poderiam nos levar a incluir cobertura de SNC no tratamento inicial desses pacientes.

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5. Conclusão

Diante do relato exposto, foi descrito um caso raro de AITL com comprometimento raro e isolado de SNC após PET negativo, com achado de células neoplásicas em líquor e confirmação por meio de imunofenotipagem. Por mais que não haja terapia padrão para o caso, a paciente apresentou boa resposta e remissão da doença após uso do esquema HyperCVAD, com radioterapia craniana e transplante de medula óssea autólogo, permanecendo assintomática após referido tratamento, o que se revela uma possibilidade para demais casos de AITL. São necessários mais estudos de fatores de risco que possam nos guiar na escolha do melhor tratamento inicial para esses pacientes.

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    • 6.Declaração de direitos

 O(s)/A(s) autor(s)/autora(s) declara(m) ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra(o) Revista/Journal. Declara(m) que as imagens e textos publicados são de responsabilidade do(s) autor(s), e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declara(m) respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declara(m) não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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7. Referências

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  • Tokunaga T, Shimada K, Yamamoto K, Chihara D, Ichihashi T, Oshima R, Tanimoto M, Iwasaki T, Isoda A, Sakai A, Kobayashi H, Kitamura K, Matsue K, Taniwaki M, Tamashima S, Saburi Y, Masunari T, Naoe T, Nakamura S, Kinoshita T., op. cit.

  • Mak, V., Hamm, J., Chhanabhai, M., Shenkier, T., Klasa, R., Sehn, L. H., Villa, D., Gascoyne, R. D., Connors, J. M., & Savage, K. J., op. cit.

1

Universidade de Taubaté (UNITAU); Hospital Regional do Vale do Paraíba, SP, Brasil

2

Universidade de Taubaté (UNITAU), Hospital Regional do Vale do Paraíba, SP, Brasil

3

Universidade de Taubaté (UNITAU), Hospital Regional do Vale do Paraíba, SP, Brasil

4

Universidade de Taubaté (UNITAU), Hospital Regional do Vale do Paraíba, SP, Brasil

 

 


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