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ISSN: 2595-8402

DOI: 10.5281/zenodo.3928909

 

VOLUME 3, NÚMERO 4, ABRIL DE 2020

 

 

 

O DEVER DE INFORMAÇÃO COMO OBRIGAÇÃO E SEUS IMPACTOS PRÁTICOS NOS DIREITOS NEGOCIAL E DO CONSUMIDOR

 

Thiago Vany Trindade Gomes

Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA, Manaus-AM - Brasil

t.vany@hotmail.com

 

RESUMO

Neste artigo buscamos demonstrar o grau de importância do dever de informação no ordenamento jurídico brasileiro e seus nuances nos ramos do direito. Assim, concluiu-se que o mesmo é requisito de validade dos negócios jurídicos, ainda, eivando de nulidade todo o pacto realizado sem observá-lo, vez que tal dever é pressuposto de uma relação equilibrada entre contratantes. Ademais, em casos mais drásticos, como no direito societário, terá consequências penais e sanções administrativas severas. Para tanto, buscamos analisar e condensar a boa doutrina sobre o tema, ainda, aplicar o conceito em casos práticos do direito negocial e do consumidor a fim de melhor visualizar as consequências legais do desequilíbrio informacional entre as partes.

Palavras-chave: dever; informação; boa-fé; contrato; negócios.

 

THE DUTY OF INFORMATION AS OBLIGATION AND ITS PRACTICAL IMPACTS ON BUSINESS AND CONSUMER RIGHTS

 

ABSTRACT

In this article we seek to demonstrate the degree of importance of the duty of information in the Brazilian legal system and its nuances in the fields of law. Thus, we conclude that the same is a requirement for the validity of legal transactions, still voiding all the pact made without observing it, since this duty is presupposed of a balanced relationship between contractors. In addition, in more drastic cases, such as in corporate law, it will have severe criminal consequences and administrative sanctions. To this end, we seek to analyze and condense the good doctrine on the subject, also applying the concept in practical cases of business and consumer law in order to better visualize the legal consequences of informational imbalance between the parties.

Keywords: duty; information; good faith; contract; Business

 

  • INTRODUÇÃO

 O século XXI trouxe mudanças profundas na relação das pessoas com a informação. No século passado o acesso à informação era muito mais escasso, requerendo daquele que a buscava verdadeiro esforço para encontrá-la, já no século atual, após o grande boom da internet, passamos a ter acesso quase que irrestrito a todo tipo de informação.

Neste sentido, a academia começou a se debruçar sobre os impactos do que se chamou de excesso de informação, com desdobramentos importantes no campo da Psicologia, Direito, Jornalismo, Medicina etc. Assim, em tema de informação, o grande esforço deste século é a filtragem pela informação correta, imparcial e fatídica.

Ainda neste caminho, mostrou-se relevante mensurar os impactos da informação sobre as relações privadas, explorando as consequências legais da sua não observação, bem como dos diversos modos que a deficiência informacional pode se apresentar nos negócios jurídicos, sejam em relações de consumidor, seja no direito societário.

 Desta forma, defende-se o dever de informação como condição sine qua non dos negócios jurídicos, analisando-o sob à luz da teoria da Escada Ponteada de Pontes de Miranda [5].

 Ademais, em determinadas matérias de Direito, sobretudo no direito societário, existem consequências legais que desaguam, inclusive, no direito penal, tipificando a conduta daquele que dolosamente não informa os acionistas sobre fatos relevantes.

No campo Jurisprudencial, são diversos os julgados dos Tribunais Pátrios e do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) que garantem a boa aplicação deste dever, ainda, importantes doutrinadores, como Judith Martins Costa [1], Flávio Tartuce [2] e o eterno Pontes de Miranda [5], defendem o dever de informação como obrigação lateral e advogam pelo o que se chamou de “violação positiva do contrato” quando não observado o dever de informação no mesmo.

Conforme se analisou, a informação dentro de uma relação privada, seja na sistemática do direito do consumidor, seja no direito negocial, em que tal relação é regida por um instrumento particular próprio, considera-se a informação em um conceito mais específico e mais profundo, porquanto o objeto da informação é muito mais restrito, pouco importando acontecimentos diários e corriqueiros que não influam na relação privada entabulada. ​​ 

Contudo, ainda que se possua objeto mais específico, considera-se sua profundidade extremamente mais ampla vez que o dever de prestar informação também deverá abarcar fatos irrelevantes à coletividade mas que de alguma forma influa na relação ali entabulada, ainda, explorando os seus mínimos detalhes. ​​ 

 

  • METODOLOGIA

Para analisar a importância do dever de informação no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo analisando-o sob à luz do direito negocial e consumidor, primeiro se situou o mesmo dentro da Escada Ponteana de Pontes de Miranda [5], a fim de revelar a real relevância na análise da validade dos negócios jurídicos, após, buscou-se o caráter dinâmico da obrigação como processo e, neste ínterim, a possibilidade de violações positivas do contrato, nas doutrinas de Judith Martins-Costa [1] e Flavio Tartuce [2], para que pudéssemos adentrar ao campo prático e apontar as consequências legais de sua não-observância.

 

3.RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 O DEVER DE INFORMAÇÃO COMO OBRIGAÇÃO

 A doutrina civilista nos ensina que todo contrato possui obrigações mútuas, resumidamente, nos contratos bilaterais e onerosos, o vendedor entrega a coisa e o comprador paga o preço, assim, prima facie, somos levados a acreditar que o cumprimento destas obrigações torna o negócio perfeito, como aponta Judith Martins-Costa (2005, p. 27), [1].

Contudo, como se constatou, importantes doutrinadores civilistas passaram a entender que lateralmente à obrigação principal existem obrigações anexas que também devem ser cumpridas para o fiel cumprimento do contrato, assim, temos que o dever de informação é obrigação lateral de todo pacto privado e que deve ser cumprida igualmente como a obrigação principal. ​​ 

Este entendimento defendido por importantes doutrinadores advém de uma construção teórica de que o contrato é um processo, possuindo atos consecutivos que podem ser divididos, inclusive, em fases, como por exemplo fase pré-contratual, contratual e pós-contratual além da chamada pós-eficácia do contrato defendida por Flavio Tartuce (2017, p. 250), [2].

 Acompanhando este entendimento, a relação contratual, como processo que é, deverá ser regida, necessariamente, pelo princípio da boa-fé objetiva, que nasce para ser regente desta caminhada dinâmica que invoca a necessidade de lealdade e fraternidade na referida relação, conforme lição de Cláudia Lima Marques, (2006, p. 125), [3]: ​​ 

 

“Cooperação e respeito é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam, conforme Couto e Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais.”

 

 É dentro desta sistemática que nasce o dever de informação, entendido como dever anexo ao dever geral de boa-fé objetiva, pois, não é possível se imaginar uma relação leal com partes que possuam informações privilegiadas. “A boa-fé objetiva é um pressuposto da comunicação”, conforme apontamento de José Reinaldo de Lima Lopes (2005, p. 107), [4], ou seja, o dever de informação deverá ser prestado com boa-fé e a boa-fé deverá ser praticada com equilíbrio informacional.

 O inadimplemento da obrigação informacional em uma relação privada gera o que Judith Martins-Costa (2005, p.99), [1], chama de “cumprimento defeituoso” que, em suas palavras, “recobre os deveres secundários, laterais, acessórios e instrumentais”, especialmente aqueles derivados da boa-fé, diretamente advindo destes deveres. ​​ 

 Ainda, o ilustre doutrinador Pontes de Miranda (1971, p.165-166), [5], na vanguarda deste entendimento, defendeu a teoria alemã “positive Vertragsverletzung” notabilizando o descumprimento das obrigações anexas como violações positivas do contrato que, como bem distinguiu Flavio Tartuce (2017, p.248), [2], “não consiste no atraso ou na inexecução definitiva, mas, sim, em deficiências ou defeitos na prestação que é desempenhada, mas não da forma (pelo modo) que foi imposta ao devedor, havendo ofensa a sua qualidade”.

Pontes de Miranda (1971, p.165-166), [5] assevera:

“Os legisladores de todo o mundo, ao tratarem de impossibilidade e de não-adimplemento, não viam que faltava considerar-se o adimplemento, que ocorreu, porém não satisfez. O devedor não só está obrigado a prestar, mas sim a prestar de tal maneira que satisfaça. Se adimple de jeito que não baste, ou que cause dano, ou imponha despesas, satisfatoriamente não adimple. Nem se há de pensar em ser impossível a prestação: foi feita; nem em faltar o adimplemento: adimpliu-se a obrigação, ou, se não havia obrigação, adimpliu-se a dívida. [...] O devedor está obrigado pelo que resulte, em danos, do adimplemento insatisfatório, segundo os princípios que regem a constituição e a eficácia da mora [...]”

 

Aliás, o c. Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem aplicado o presente entendimento, vejamos trecho da Decisão Monocrática da Ministra Maria Isabel Galloti no AResp 718523, [6]: ​​ 

“Ora, facilmente se observa que os réus descumpriram os deveres anexos à Boa-fé objetiva, tendo praticado a chamada violação positiva do contrato, frustrando a legítima expectativa de seu consumidor.”

 

Portanto, ficou claro que o dever de informação é cada vez mais entendido como obrigação inerente e indispensável a toda e qualquer relação negocial, sendo inaceitável partes pactuarem quando portadoras de informações privilegiadas capazes de ferir direitos individuais da outra parte contratante.

Como pôde ser constatado, as consequências da disfunção informacional tanto no direito negocial, em geral, quanto na sistemática do direito do consumidor, são gravíssimas e chegam a ferir de morte o entabulado negócio jurídico que se propõe formular.

 

    3.2 O DEVER DE INFORMAÇÃO NO DIREITO NEGOCIAL

Quando analisamos o dever de informação dentro do direito negocial, qual seja aquele que compreende os negócios jurídicos no geral, fez-se necessário localizar sua existência e mensurar sua relevância dentro do plano de validade dos negócios jurídicos.

Valendo-se da notória e histórica teoria de Pontes de Miranda (1974, p. 15), [7], em que propôs analisar os negócios jurídicos em degraus que formam a chamada Escada Ponteana, entendeu o brilhante doutrinador que em que pese a existência de um negócio jurídico, quando temos agente, objeto e forma, o mesmo só será válido quando o agente for capaz, o objeto for lícito, possível, determinando ou determinável, a forma for a prescrita em lei e se não houver vício de consentimento.

Com a máxima vênia para se discutir os requisitos de validade de um negócio jurídico sob uma perspectiva expansiva, é de bom alvitre entender que, quando Pontes de Miranda só considera o negócio jurídico como válido quando inexistente vício de consentimento podemos expandir este conceito e chegar a conclusão de que só não haverá vícios de consentimento quando a relação estiver balizada pelo princípio da boa-fé, assim incluído o dever anexo de informação.

Ou seja, a conclusão a que se chegou dá termos gravíssimos ao descumprimento dos deveres anexos da boa-fé: os negócios jurídicos deverão ser considerados inválidos quando não respeitados os deveres anexos da boa-fé, mesmo que respeitados os demais requisitos de validade, em alinhamento com Daniel Ustárroz (2010, p. 54), [8]. ​​ 

Insta salientar que o dever de informação é geral e deve permear todo o campo do direito negocial, contudo, o mesmo deverá ser analisado sempre dentro da sistemática que se põe, por exemplo, terá um peso diferente no direito do consumidor do que se é dado no direito negocial empresarial.

Porquanto extensa e específica a matéria, deixou-se a análise do dever de informação no direito do consumidor para um tópico específico, analisando-se o denso campo do direito negocial empresarial, mais especificamente sobre a relação de acionistas com a respectiva Sociedade Anônima.

 

3.2.1A APLICAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NA SISTEMÁTICA DA LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

Como é cediço, o mercado acionário brasileiro é regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e é regido pela Lei 6.404/76, a chamada Lei das S/A.

Dentro desta sistemática, a informação tem valor extremamente valioso, de fato mudando rumos de importantes empresas e até mesmo do sistema financeiro nacional, assim, o legislador cuidou de garantir que houvesse um ambiente de simetria informacional entre as companhias abertas e os agentes de mercado, ou seja, deverá ser respeitado o dever de informação como anexo ao da boa-fé.

Como consequência direta do dever geral de informação, surge o dever específico de divulgação de fato relevante, expresso no art. 157, §4º da Lei das SA e reforçado na instrução normativa nº 358/02 da CVM, conforme apontamentos de Paula Forgioni (2009, p.223), [9].

Nos termos do art. 2º da referida instrução, considera-se relevante, dentre outros, qualquer fato relacionado aos negócios de uma companhia que possa influir de modo ponderável na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter os valores mobiliários de emissão da companhia [15].

Armando Pinheiro e Jairo Saddi (2005, p.447-449), [10], consideram que tal dever, dentro de uma relação de acionistas, é pedra angular na tomada de decisão, haja vista que o mercado financeiro é extremamente responsivo à notícias e possui uma dinâmica que privilegia quem detém informações importantes.

Neste cenário, dada a relevância, é importante mensurar a profundidade e extensão deste relevante dever, vez que impacta de forma única os rumos de determinada companhia aberta.

 Neste sentido, salienta-se que o conhecimento integral e pleno do fato não é condição sine qua non para que o referido fato seja considerado relevante, ou seja, não é necessário que a companhia conheça plenamente um evento para que esse passe a ser relevante.

Na verdade, tendo em vista a dinâmica do mercado de capitais, o evento pode sequer ter se encerrado para que ainda assim seja exigível uma manifestação por parte da companhia, inclusive, devendo a mesma divulgar sua própria incerteza sobre os fatos a fim de manter o ambiente negocial simetricamente informado, assim se extraiu dos ensinamentos de José Luis Bulhões e Lamy Filho (2009, p. 1188), [11].

Ou seja, a própria incerteza sobre dado fato já gera o dever de informar sobre as próprias incertezas em si, não podendo, qualquer empresa, se eximir de divulgar fato por ter dúvidas sobre a relevância dos mesmos.

Aliás, de uma análise econômica das últimas decisões da CVM em casos análogos, temos que desde 2001 a autarquia federal deixou de punir as companhias pela divulgação de fatos não-relevantes, tendo o julgamento paradigma ocorrido em 1999.

 Neste sentido, fica claro que sempre que uma companhia possuir mínima dúvida sobre a relevância de determinado fato, deve sempre preferir divulgar, haja vista que podemos observar a formação do que se pode chamar de princípio in dubio pro divulgação, com formação prática e incidência já apontada em trabalhos acadêmicos, citados por Fernando Mota (2013, p. 195), [12], e aplicação prática pela CVM em seus processos administrativos.

 Neste sentido, às violações ao dever de informação, insculpido como dever de divulgação de fato relevante, gerará julgamentos administrativos no âmbito da CVM, com aplicação de multa e suspensão do cargo do Administrador responsável, bem como, se comprovada a utilização de informações privilegiadas para obtenção de lucro, caberá investigação pelo cometimento do crime de insider trading tipificado no art. 27-D da Lei nº 6.385/76.

 

    3.3 O DEVER DE INFORMAÇÃO NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Quando analisamos o dever de informação dentro da sistemática do direito do consumidor, concluiu-se imperioso comentar sobre a relação entre as partes de uma relação de consumo.

 Como é cediço, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, caput e inciso I, determina que a Política Nacional das Relações de Consumos será regida pelo o que chamou de princípio da vulnerabilidade do consumidor, entendendo que o fornecedor de produtos e serviços possui capacidade técnica e informacional superior. ​​ 

 Portanto, tratamos de uma relação em que, em seu nascedouro já se vislumbra um desequilíbrio, assim, por óbvio, percebemos que o dever de informação, ainda que aplicável à ambos, é ônus absoluto do fornecedor de produtos e serviços, visão partilhada por Stiglitz, (1997, p.14), [13].

Segundo Marques (2006, p.772),[3], o dever de informação é mecanismo poderoso para a restauração do equilíbrio na relação consumerista. Aliás, é isto que foi observado em todo o código, como no caput do art. 4º do CDC em que o mesmo entende ser necessário primar pela transparência nas relações de consumo. Ainda, o art. 6º, caput e inciso III do CDC instituiu a informação como direito básico do consumidor.

Outro ponto importante de salientar da análise legal das normas consumeristas é a de que o art. 12, caput e §1º, I e art. 14 do CDC equiparam a falta de informação como defeito do produto ou serviço. Ou seja, na prática, comprar produto do qual não foi informado sobre riscos e efeitos é o mesmo que comprar produto defeituoso, assim, devendo o fornecedor ser responsabilizado, inclusive arcando com as perdas e os danos causados.

Ainda da análise das consequências de deficiência informacional nas relações de consumo e para uma melhor cognição prática, chegamos aos recentíssimos casos que deságuam diariamente no Poder Judiciário em que Bancos formulam negócio de difícil cognição e focado em aposentados e pensionistas: o cartão de crédito consignado.

Quando se explorou os referidos casos, constatou-se que o primeiro ponto de atenção a ser observado é quanto ao público alvo deste produto: os idosos. Por se tratar de uma modalidade de crédito consignado, temos que este público, majoritariamente idoso e pouco antenado nas inovações bancárias e normas administrativas e legais, deveria ter atenção especial dos Bancos, conforme disciplina de Miragem (2005, p. 122), [14], ​​ contudo, não é o que se verifica.

 Importante ressaltar que em nenhum momento defendeu-se a ilegalidade do cartão de crédito consignado, porquanto ficou perfeitamente provada sua legalidade, vez que devidamente regulado por lei, conforme art. 45, §2º, I e II da Lei 8112/90. ​​ 

Na prática, os Bancos podem consignar até 35% dos vencimentos dos aposentados ou pensionistas, sendo 5% reservados aos gastos com o cartão de crédito consignado. Com o baixo risco de inadimplemento envolvido nessa modalidade, houve uma crescente oferta de crédito consignado, o que acabou por exaurir os 30% de margem disponíveis para empréstimo consignado de muitos consumidores.

Assim, os Bancos começaram a explorar os 5% de margem disponível para cartão de crédito, muitas das vezes oferecendo cartão de crédito fictício, vez que a real intenção é realizar o crédito em conta corrente tendo como contrapartida um desconto mensal em sua aposentadoria ou pensão.

Este crédito em conta corrente é chamado pelos banco como “saque”, o que já se observou como profundo indicio de má-fé, vez que, como dito, o valor de crédito não é um saque do limite do cartão de crédito mas sim um depósito na conta corrente do consumidor, da mesma forma que acontece nos empréstimos consignados.

Aliás, outra assimetria informacional constatada nestes casos é que os Bancos não informam que o consumidor deverá pagar as faturas mensais, pois somente será debitado de seu benefício um valor mínimo correspondente aos 5% permitido por lei, fazendo com que mês a mês ocorra o refinanciamento da dívida e a aplicação do juros rotativo do cartão, tornando a dívida impagável, ou seja, ao invés de diminuir, apenas aumenta.

Assim, o que ocorre é que os consumidores só percebem a ilegalidade quando constatam que estão há anos e anos tendo aquele valor descontado e sem um horizonte próximo para seu fim, assim, são surpreendidos quando ao procurar a respectiva Instituição Financeira são informados que possuem débitos 200% ou 300% superiores ao valor do crédito disponibilizado, pois não estavam realizando o pagamento das faturas mensais, que muitas das vezes nem são enviadas ao endereço do consumidor.

Ou seja, na prática o consumidor teve aquele valor descontado por anos e ao fim a dívida somente cresceu, não havendo qualquer decréscimo no saldo devedor, sendo verdadeira prestação excessivamente onerosa e abusiva.

Tal situação fática mostrou-se ser exemplo notório de uma relação construída sem se observar o dever de informação como princípio, assim, demonstrando a gravidade que o desrespeito deste dever pode causar, tanto ao consumidor lesado, quando às empresas que são massivamente acionadas na Justiça e têm que pagar altas indenizações, que incluem a devolução do valor que se descontou corrigido monetariamente.

 

    4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No século XXI, mormente a informação tendo natureza de bem jurídico, a análise da força legal do dever de informação demonstrou ser relevante discussão acadêmica, a fim de que pudéssemos entender o seu papel dentro das relações jurídicas privadas, sobretudo nas negociais.

Assim, tal dever assumiu um papel de protagonismo, capaz de causar celeumas jurídicas complexas, que devem ser analisadas sob a luz de teorias obrigacionais e negociais.

Aliás, com a análise de casos práticos, concluiu-se que as consequências de uma assimetria informacional em dada relação são dramáticas. Nos negócios jurídicos, tem o condão de tornar o negócio inválido; nulo de pleno direito. Chegando até mesmo a desaguar no direito penal, como nos casos previsto na sistemática da Lei das SA.

Condensando a boa doutrina, observou-se que o dever de informação é a mais nítida face do princípio da boa-fé, não podendo existir sem este e este não podendo sem aquele. Assim, partindo do entendimento de que a obrigação é um processo dinâmico, deverá permear todas as fases de um negócio jurídico, inclusive devendo ser analisado dentro da Teoria do Adimplemento, pois o desrespeito ao dever de informação é entendido como violação positiva do contrato.

Na sistemática do direito do consumidor, o dever de informação tem ônus superior distribuído ao fornecedor de produtos e serviços, haja vista a prevalência do princípio da vulnerabilidade do consumidor, além da capacidade técnica e informacional que têm o fornecedor de produtos e serviços.

Neste diapasão, concluiu-se que o dever de informação é norma interdisciplinar dentro do Direito, possuindo incidência em todos os pactos privados, quando da sua não observância, irá tornar o negócio jurídico inválido, pois que nenhum pacto privado subsiste quando fundado em uma relação com desequilíbrio informacional.

Portanto, os Tribunais Pátrios, bem como as autarquias de controle, têm atribuído ao dever de informação norma imperativa da qual não se pode aceitar assimetrias, sob pena de o negócio jurídico ser considerado nulo de pleno de direito, a depender do caso, cabendo representação criminal nos casos do Direito Societário.

 

    5. REFERÊNCIAS

[1]  MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. volume V, tomo I: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[2]  TARTUCE, Flávio, Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.2.

[3]  MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

[4]  LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Civil e Direito do Consumidor: princípios. In: PASQUALOTTO, Adalberto et alii. Código de Defesa do Consumidor e Código Civil de 2002: convergências e assimetrias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

[5]  MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.

[6]  Agravo em Recurso Especial Nº 718523 - RJ (2015/0125372-2); Decisão Monocrática. Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti - Quarta Turma. 29/04/2015

[7]  PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti: Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1974, t. III, p. 15.

[8]  USTÁRROZ, Daniel. Temas atuais de Direito Contratual: a boa-fé objetiva, a responsabilidade pré-contratual e o inadimplemento antecipado. Sapucaia do Sul: Notadez, 2010.

[9]  FORGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

[10]  PINHEIRO, Armando Castelar, SADDI, Jairo. Direito economia e mercados. Rio de Janeiro. Elsevier, 2005

[11]  LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009

[12]  MOTA, Fernando De Andrade. O dever de divulgar fato relevante na companhia aberta - Fernando Andrade Mota. - São Paulo: USP / Faculdade de Direito, 2013.

[13]  STIGLITZ, Rubén S. La obligación precontractual y contractual de información. El deber de consejo. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n. 22.

[14]  MIRAGEM, Bruno. Diretrizes interpretativas da função social do contrato. In: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, out-dez, 2005.

[15]  PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM 19957.005419/2018-14, Acusação: divulgação inadequada e intempestiva de informações relevantes relacionadas à Companhia, tendo em vista os eventos ocorridos em 19.06.2015 (infração ao art. 157, §4º, da Lei n.º 6.404/76, combinado com o art. 3º, caput, da Instrução CVM n.º 358/02), 01/02/2019.

 


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