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Scientific Society Journal  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
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ARTIGO ORIGINAL

A importância do controle parasitológico para a saúde dos trabalhadores de biotérios

Eliena Perini Cazotto1; Elisa Maria Vieira de Araujo2; Janaína Rodrigues Barbosa3; Marcos Guilherme Bedim Trancoso4; Roberta Miranda de Araújo Mendes5; Márcio Fronza6; Rodolpho José da Silva Barros7; Haydee Fagundes Moreira Silva de Mendonça8; Marcela Souza Lima Paulo9; Maressa Cristiane Malini de Lima10

 

Como Citar:

CAZOTTO, Eliena Perini; DE ARAÚJO, Eliza Maria Vieira; BARBOSA, Janaína Rodrigues et al. A importância do controle parasitório par a saúde dos trabalhadores de Biotérios. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.2426-2440, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202445717

 

DOI: 10.61411/rsc202445717

 

Área do conhecimento: Ciências da saúde.

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Sub-área: Medicina, Parasitologia.

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Palavras-chaves: Controle de infecções; doenças parasitárias; saúde do trabalhador.

 

Publicado: 28 de maio de 2024

Resumo

A depender do status sanitário do biotério, os animais de laboratório podem tornar-se reservatórios parasitológicos, representando risco biológico para os trabalhadores encarregados ​​ do seu manejo. Diante desse cenário, realizou-se uma pesquisa qualitativa e descritiva, utilizando o método de revisão de escopo proposto pelo Instituto Joanna Briggs, durante ​​ os meses de fevereiro e março de 2024. A partir da questão norteadora “Qual a importância do controle parasitológico de animais de laboratório para a saúde dos trabalhadores de biotérios?”, foi conduzida uma busca eletrônica nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SciELO, utilizando os descritores “Controle de Infecções”, “Doenças Parasitárias”, “Animais de Laboratório”, “Zoonoses”, “Saúde do Trabalhador” e “Técnicos em Manejo de Animais”, selecionados no sistema DeCS/MeSH. Foram incluídos artigos completos, independentemente do delineamento, em português, inglês e espanhol, publicados de 2010 a 2024. Foram excluídos artigos incompletos, repetidos e que não estavam relacionados ao assunto principal. Após a realização das buscas, foram identificados 766 artigos, dos quais 267 eram duplicados e foram excluídos, restando 499. Desses, quatro artigos foram mantidos após leitura de seus títulos, resumo e textos integrais, para compor esta revisão. Os artigos selecionados foram publicados nos anos de 2012, 2017, 2018 e 2019, consistindo em três estudos de campo e uma pesquisa bibliográfica. Esses estudos demonstraram a importância de controlar infecções por parasitas, como Ornithonyssus bacoti, Giardia spp. e Cryptosporidium spp no biotério, a fim de prevenir a transmissão para os trabalhadores, apesar da escassez de artigos disponíveis sobre o tema. Entre as medidas de controle destacam-se as barreiras sanitárias, os procedimentos operacionais padrão e a adequada estrutura física do biotério.

 

 

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1.Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as zoonoses são enfermidades transmitidas naturalmente entre homens e outros animais vertebrados, representando aproximadamente 60% das doenças infecciosas conhecidas. Essa forma de transmissão indica que as zoonoses afetam principalmente os trabalhadores agrícolas, mas também podem ser transmitidas por animais domésticos e selvagens. No caso dos trabalhadores de biotérios, que lidam com animais, seus fluidos e derivados, destacam-se as seguintes ​​ zoonoses parasitárias: criptosporidiose,¹ giardíase, amebíase, estrongiloidíase,¹ toxoplasmose e tricuríase.2

A estrutura do biotério deve assegurar não apenas as condições de saúde e bem-estar dos animais, mas também a segurança dos trabalhadores, considerando os elevados riscos ocupacionais envolvidos.3 Nesse contexto de segurança no ambiente laboral, é importante ressaltar que os animais de laboratório, ​​ dependendo de seu status sanitário, representam risco biológico para a saúde dos trabalhadores responsáveis por seu manejo, pois podem ser reservatórios de patógenos. Portanto, os animais de laboratório têm o potencial de transmitir zoonoses para os profissionais expostos, seja por meio de acidentes de trabalho que envolvam contato com sangue e outros fluidos corporais dos animais, ou pela exposição de pele e mucosa durante a rotina profissional,4 especialmente quando as medidas de biossegurança não são adequadamente aplicadas.

Diante da possibilidade de contaminação por agentes biológicos no ambiente de trabalho e outros riscos ocupacionais, tornam-se fundamentais os princípios da biossegurança. Estes princípios consistem em um conjunto de medidas cujo objetivo é reduzir os riscos laborais que possam comprometer a saúde dos trabalhadores. Entre as medidas de biossegurança, destacam-se as barreiras sanitárias e o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), tais como aventais, luvas, máscaras, respiradores, óculos de proteção, protetores faciais, sapatos, jalecos e toucas, além das ações de Boas Práticas de Laboratório (BPL).5

As barreiras sanitárias abrangem componentes de natureza física e química da estrutura, bem como condutas e equipamentos dos trabalhadores, com o propósito de evitar a exposição a patógenos que possam infectar os animais de laboratório.6 Consequentemente, tais barreiras promovem a redução da transmissão de zoonoses para os profissionais responsáveis pelo manejo, assim como da contaminação do biotério por patógenos provenientes dos trabalhadores. De maneira similar, as BPL consistem em um conjunto de instruções sobre o processo de organização e condução dos estudos desenvolvidos, visando prevenir o comprometimento da saúde do trabalhador, assegurar a qualidade e integridade dos testes, e garantir a confiabilidade dos resultados obtidos.7

Nesse contexto de saúde do trabalhador, é importante salientar que falhas nas medidas de biossegurança estão diretamente relacionadas com a ocorrência de acidentes e incidentes laborais. Notadamente, no cenário do biotério, onde os animais podem ser reservatórios de patógenos, a eficácia das medidas de biossegurança deve ser garantida, considerando a possibilidade de transmissão de zoonoses para os profissionais expostos aos agentes biológicos. Sendo assim, a presente revisão de escopo tem como objetivo descrever as evidências científicas acerca da importância do controle parasitológico de animais de laboratório para a saúde dos trabalhadores dos biotérios.

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2.Metodologia

O estudo adota uma delineação de revisão de escopo conforme o método de revisão proposto pelo Instituto Joanna Briggs (JBI), que permite mapear os principais conceitos, elucidar áreas de pesquisa e identificar lacunas de conhecimento.8 ​​ 

Para a busca e seleção dos estudos, foi estabelecida a seguinte questão norteadora: “Qual a importância do controle parasitológico de animais de laboratório para a saúde de trabalhadores de biotérios?” Com base nessa pergunta, foram coletados dados de artigos que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: artigos completos, independentemente do seu delineamento, nos idiomas português, inglês e espanhol, com ano de publicação de 2010 a 2024. O contexto exigido como critério de inclusão foi a presença de ambientes que envolvessem o manejo de animais potencialmente causadores de zoonoses parasitárias, especialmente os biotérios. As fontes de informação para a obtenção dos resultados deste estudo compreenderam as categorias da literatura: artigo de revisão, estudo de coorte e estudo transversal. Foram excluídos artigos incompletos, repetidos e que não se enquadrassem no assunto principal.

A busca eletrônica foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2024 nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SciELO, acessadas, respectivamente, pelo PubMed, pela Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e pelo site da SciELO. Nas bases de dados mencionadas, foram utilizadas estratégias de busca articulando os descritores “Controle de Infecções”, “Doenças Parasitárias”, “Animais de Laboratório”, “Zoonoses”, “Saúde do Trabalhador” e “Técnicos em Manejo de Animais” verificados no sistema DeCS/MeSH.  ​​ ​​ ​​​​ 

Todas as estratégias de busca a seguir foram utilizadas: (1) Zoonoses AND “Animais de Laboratório” AND “Doenças Parasitárias”; (2) Zoonoses AND “Animals, Laboratory” AND “Parasitic Diseases”; (3) Zoonosis AND “Animales de Laboratorio” AND “Enfermedades Parasitarias”; (4) Zoonoses AND "Controle de Infecções" AND “Doenças Parasitárias”; (5) Zoonoses AND “Infection Control” AND “Parasitic Diseases”; (6) Zoonosis AND "Control de Infecciones" AND “Enfermedades Parasitarias”; (7) Zoonoses AND "Saúde do Trabalhador"; (8) Zoonoses AND “Occupational Health”; (9) Zoonosis AND "Salud Laboral"; (10) Zoonoses AND "Saúde do Trabalhador" AND "Doenças parasitárias"; (11) Zoonoses AND “Occupational Health” AND “Parasitic Diseases”; (12) Zoonosis AND “Salud Laboral” AND “Enfermedades Parasitarias”; (13) "Técnicos em Manejo de Animais" AND "Doenças parasitárias"; (14) "Animal Technicians" AND "Parasitic Diseases"; (15) "Técnicos de Animales" AND "Enfermidades Parasitarias"; (16) “Técnicos em Manejo de Animais” AND Zoonoses; (17) "Animal Technicians" AND Zoonoses; (18) "Técnicos de Animales" AND Zoonosis; (19) “Controle de Infecções” AND “Doenças Parasitárias”; (20) “Infection Control” AND "Parasitic Diseases"; (21) "Control de Infecciones" AND ​​ “Enfermedades Parasitarias”; (22) "Técnicos em Manejo de Animais" AND "Saúde do Trabalhador"; (23) "Animal Technicians" AND “Occupational Health”; (24) "Técnicos de Animales" AND “Salud Laboral”.

Na base de dados MEDLINE, apenas as combinações no idioma inglês foram pesquisadas: ​​ (1) Zoonoses AND “Animals, Laboratory” AND “Parasitic Diseases”; (2) Zoonoses AND “Infection Control” AND “Parasitic Diseases”; (3) Zoonoses AND “Occupational Health”; (4) Zoonoses AND “Occupational Health” AND “Parasitic Diseases”; (5) "Animal Technicians" AND "Parasitic Diseases"; (6) "Animal Technicians" AND Zoonoses; (7) “Infection Control” AND "Parasitic Diseases"; (8) "Animal Technicians" AND “Occupational Health”.

Figura 1 - Processo de seleção dos estudos. Fonte: elaboração própria (2024).

O processo foi conduzido por dois revisores responsáveis por coletar todos os resultados das buscas, eliminar resultados repetidos e, posteriormente, selecionar as produções finais por meio da leitura de títulos, resumos e textos completos, de forma independente. Quaisquer incongruências ou dúvidas foram resolvidas por um terceiro revisor.

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3.Desenvolvimento e discussão

As estratégias de busca resultaram na identificação de 766 artigos. ​​ Após a revisão dos títulos, resumos e textos completos, quatro artigos foram selecionados para inclusão nesta revisão de escopo. Destes, três foram encontrados na base de dados MEDLINE e um na LILACS.

Neste trabalho, foram incluídos um artigo de revisão, dois estudos transversais e um de coorte. Os principais países de origem desses estudos são os Estados Unidos (n = 3), seguido da Argentina (n = 1), abrangendo um intervalo de tempo de 2012 a 2019. As justificativas para a seleção dos estudos são demonstradas no Quadro 1.

Quadro 1. Estudos incluídos de acordo com autor/ano, título, justificativa para a seleção, país e tipo de estudo.

Autoria/ano

Título

Justificativa para a seleção

País

Tipo de estudo

Colby, Zitzow1

(2018)

Abordagens institucionais aplicadas para a avaliação e manejo de zoonoses em instalações contemporâneas de pesquisa com animais de laboratório

Descreve e indica as condições e comportamentos ideais para evitar a transmissão de patógenos zoonóticos entre usuários de laboratórios e animais.

Estados Unidos

Artigo de revisão

Friedrich4

(2012)

Riscos ocupacionais em médicos veterinários dedicados a pequenos animais na cidade de Córdoba (2010)

Discorre sobre os riscos envolvidos no manejo de animais pequenos, incluindo as doenças zoonóticas às quais estão expostos os trabalhadores de laboratório.

Argentina

Estudo descritivo, transversal e prospectivo

Hancock-Allen, Alden, Cronquist 9

(2017)

Surto de criptosporidiose em um laboratório acadêmico de pesquisa animal - Colorado, 2014

Relata um caso de surto de doença parasitária em um laboratório, além de verificar equívocos em protocolos e na estrutura do laboratório, o que pode ser aplicado às condições presentes em outros laboratórios de pesquisa animal.

Estados Unidos

Estudo coorte

Rood, Pate10

(2019)

Avaliação de lesões musculoesqueléticas associadas à palpação, práticas de controle de infecções e riscos de doenças zoonóticas entre veterinários clínicos de Utah.

Apresenta informações sobre manipulações incorretas de instrumentos também presentes em laboratórios que podem revelar uma situação de risco zoonótico entre os profissionais de manejo de animais.

Estados Unidos

Estudo transversal

 

Fonte: elaboração própria (2024).

Na revisão conduzida por Colby e Zitzow1 (2018), é descrito que os animais podem ser infectados por organismos zoonóticos antes de sua chegada a um centro de pesquisa, além de serem infectados dentro do próprio ambiente de pesquisa. Nesse cenário, a exposição do profissional pode ocorrer por meio de contato direto com animais infectados, seus tecidos e suas secreções, cujas possíveis vias incluem inalação, inoculação percutânea e, após ferimentos acidentais por objetos cortantes, arranhões ou mordidas de animais, bem como ​​ por contato indireto em ambientes contaminados ou por meio de vetores infecciosos. Observa-se que algumas instituições apresentaram infestações de colônias de roedores com Ornithonyssus bacoti, um ácaro mesostigmatídeo com o potencial de transmitir uma série de organismos zoonóticos, incluindo tifo murino, tifo de esfregaço, tifo endêmico, peste, febre Q, varíola riquetsial, tularemia, Coxsackie vírus, vírus da encefalite equina oriental e ocidental e vírus Langat. O estudo também aponta que o estado de saúde de um indivíduo pode influenciar o risco de infecção por um organismo zoonótico, uma vez que a imunossupressão secundária a condições como gravidez, doenças, esplenectomia ou medicamentos pode predispor o profissional à doença.1

De acordo com o estudo de Friedrich4 (2012), os trabalhadores da medicina veterinária estão expostos, em diferentes graus, a diversos agentes infecciosos, destacando-se as doenças parasitárias, como cisticercose, hidatidose, tripanossomíase e estrongiloidíase. Isso ocorre devido ao contato direto exigido com animais e seus fluidos, o que configura um problema de saúde ocupacional. Entre os possíveis prejuízos à saúde, ​​ cerca de 30% das pessoas que trabalham em biotérios sofrem de problemas alérgicos. Além disso, foram detectadas lesões de pele, como dermatomicoses, e outras afecções cutâneas. Destaca-se também a infecção durante a gravidez, sendo que as doenças zoonóticas correspondem de 2 a 3% das causas de defeitos de desenvolvimento fetal. Portanto, o risco biológico no ambiente de saúde é, sem dúvida, o mais frequente entre os riscos ocupacionais do pessoal de saúde, apesar da escassa bibliografia sobre o assunto.4

Segundo a pesquisa de Hancock-Allen, Alden e Cronquist9 ​​ (2017), sobre a transmissão de criptosporidiose entre trabalhadores em um laboratório de experimentação com a manipulação de bezerros, foi verificada uma taxa de transmissão de 74%, resultante de vários erros, tanto da estrutura quanto do próprio pessoal. Observou-se que o laboratório foi projetado de forma inadequada, evidenciado pelo fato de nenhuma pia estar disponível na antecâmara para realizar a higiene adequada das mãos após a remoção dos EPIs. Além disso, ​​ certas orientações presentes em ​​ Procedimentos Operacionais Padrão (POP) induziram o aumento da exposição dos trabalhadores ao material fecal. Por exemplo, um POP recomendava o uso de álcool em gel para higiene das mãos, enquanto apenas 35% dos adoecidos e ​​ 17% dos profissionais saudáveis admitiram seguir esse procedimento. No entanto, a lavagem das mãos com água e sabão é fundamental e mais adequada para reduzir o risco de infecções por Cryptosporidium. Dessa forma, destaca-se a importância do treinamento, da aplicação de procedimentos adequados de EPI e da promoção de uma cultura de segurança no ambiente de trabalho.9

Por fim, conforme a publicação de Rood e Pate10 (2019), veterinários têm um risco aumentado de exposição a doenças zoonóticas devido às suas interações diretas com animais de alto risco. Descobriu-se que a maioria dos veterinários nos EUA não tinha consciência da importância do uso de EPIs e negligenciava a adoção de ​​ comportamentos adequados para prevenir a transmissão de doenças zoonóticas. No estudo, 23,3% dos 197 indivíduos afirmaram ter contraído zoonose; 54% dos 198 afirmaram mobilizar esforços moderados, pequenos ou nenhum esforço para se protegerem contra suspeitas de zoonoses; 50% dos 203 afirmaram sempre lavar as mãos antes de ingerir líquidos, alimentos ou de fumar no trabalho; 33,3% dos 202 afirmaram lavar as mãos entre contatos com pacientes. O número de profissionais que relataram usar EPI foi baixo, exceto na realização de cirurgias, o que demonstra o risco ocupacional ao qual esses profissionais estão sujeitos devido a atitudes imprudentes.10

Na realização desta pesquisa, observou-se que as zoonoses parasitárias constituem uma parte significativa do manejo de animais de laboratório, mesmo diante ​​ da existência de barreiras sanitárias e POPs destinados a garantir a segurança tanto do trabalhador quanto dos animais. Hancock-Allen, Alden e Cronquist ​​ (2017)9 relataram que, no ambiente de estudo em questão, onde ocorreu um surto de criptosporidiose, não havia um POP específico referente à remoção adequada do EPI, o que gerava divergências entre os trabalhadores quanto à maneira correta de realizar esse procedimento.9 Dessa forma, diversos trabalhadores ficaram expostos a uma possível contaminação devido a um erro administrativo. Isso ressalta a necessidade de estabelecer normas regulatórias e de fiscalizar esses ambientes em cada laboratório. A OMS preconiza o estabelecimento de POPs como um dos principais pilares das Boas Práticas de Laboratório, destacando seu papel ​​ na orientação de procedimentos relacionados à segurança e à higiene dos envolvidos.7

De maneira semelhante, nesse mesmo estudo, os autores identificaram um erro no procedimento recomendado por um POP existente, evidenciando uma lacuna na fiscalização. O equívoco consistia em uma prática inadequada de higienização contra Cryptosporidium, pois, enquanto o POP preconizava o uso de álcool para a antissepsia das mãos, já foi comprovado que esse método não é o mais eficaz.9 Vale salientar que a OMS recomenda a revisão dos POPs pelo menos a cada dois anos.7 Embora o artigo não tenha especificado a data desse documento, uma revisão realizada por um profissional qualificado poderia ter corrigido esse erro, evitando não apenas a contaminação dos trabalhadores pelos animais, mas também a contaminação dos próprios animais. Além disso, se o controle parasitológico fosse realizado regularmente, é provável que esse surto de criptosporidiose pudesse ser evitado, uma vez que o parasita teria sido identificado nos animais. Dessa forma, seriam possíveis não apenas a implementação de medidas para interromper a disseminação da doença, mas também a eliminação do parasita.

É importante destacar que a criptosporidiose é reconhecida como uma das principais zoonoses parasitárias em laboratórios que lidam com o manejo de animais para fins de pesquisa.1 Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a prevenção da criptosporidiose deve ocorrer por meio da lavagem das mãos com água e sabão.9 ​​ .9, 11 Ademais, o CDC ressalta a importância de manter fontes de contaminação, como fezes, longe de áreas onde a água possa entrar em contato com outras pessoas, bem como evitar o contato com água potencialmente contaminada com o parasita.11 No caso específico da criptosporidiose mencionada, parte dos funcionários realizava a remoção das fezes do chão através da lavagem com água sob alta pressão, um processo que pode dispersar as fezes, conforme relatado pelos trabalhadores. Isso resultava na visível disseminação e proximidade das fezes em relação aos trabalhadores, aumentando assim o risco de infecção.9 Portanto, tais práticas estão em desacordo com as recomendações de instituições como o CDC para a prevenção da contaminação por parasitas como o Cryptosporidium.

Convém ressaltar a importância das barreiras sanitárias,1,9,10 conforme recomendado por diversos estudos, como uma medida essencial para prevenir a contaminação por agentes patógenos parasitários. Com base na descrição do conceito de barreiras sanitárias efetuado por Andrade, Pinto e Oliveira6 (2006), conforme citado ​​ Cecílio e Donato12 (2013), e observa-se que foram relatadas diversas falhas e brechas nos métodos de proteção de animais e trabalhadores nos artigos analisados, o que pode facilitar a ocorrência de zoonoses. Nesse mesmo contexto, Cecílio e Donato12 (2013) propuseram a realização de um monitoramento ambiental mais frequente e eficaz, visando verificar a aplicabilidade real das barreiras adotadas de forma regular, como uma medida para prevenir a contaminação dos animais e dos trabalhadores envolvidos.12

No artigo de Colby e Zitzow (2018)1 são descritos diversos meios de potencial contaminação zoonótica em laboratórios. Entre esses caminhos de transmissão, destacam-se a contaminação direta por meio de mordidas e abrasões resultantes do contato com animais infectados por patógenos potencialmente zoonóticos, bem como a inoculação percutânea decorrente de lesões por perfurocortantes.4 No estudo realizado por Rood e Pate10 (2019), entre os veterinários clínicos analisados, 70% relataram ter se acidentado provocando lesões por perfurocortantes e 39,2% relataram terem sido mordidos por animais. Nesse mesmo estudo, 22% dos participantes afirmaram ter contraído zoonoses.10 Isso indica que, no cenário em que o estudo foi efetuado, o treinamento e o uso de equipamentos de proteção poderiam ser mais eficazes. Certamente, a prática clínica oferece mais riscos que a laboratorial, na qual há mais barreiras e vigilância. No entanto, o estudo realizado por Hancock-Allen, Alden e Cronquist9 (2017) explicita que em laboratórios, essas falhas de treinamentos e equipamentos também ocorrem, fato que gera acidentes e expõe o trabalhador a patógenos parasitários. Isso mostra que, em geral, a administração de laboratórios deve providenciar treinamentos mais detalhados, informações mais acuradas sobre o uso de equipamentos ― principalmente os EPIs ―, conscientização dos funcionários quanto a essa importância e melhor vigilância parasitológica, com o intuito de evitar a contaminação zoonótica pelos dois sentidos de transmissão.

Nota-se, principalmente no estudo conduzido por Rood e Pate10 ​​ (2019), uma certa indiferença entre os veterinários clínicos acerca dos riscos que podem ser causados pelas doenças parasitárias. No referido estudo, obteve-se o resultado de que 81,9% indicaram pouca ou nenhuma preocupação com o risco pessoal de adquirir toxoplasmose, embora seja um risco real na prática clínica. Além disso, mais de dois terços dos veterinários indicaram que a preocupação com o risco pessoal de sofrer uma lesão por animal, excluindo mordidas, é baixa ou moderada.10 Isso demonstra uma falsa sensação de segurança em relação à possibilidade de infecção, bem como aos impactos que essa infecção poderia causar, os quais correspondem a riscos reais, como visto no caso relatado de criptosporidiose em um laboratório, no qual um dos funcionários que adquiriu a infecção precisou ser hospitalizado.9 Nesse mesmo artigo, os autores afirmam que em diversos estudos são relatadas falhas na educação veterinária após a formação, o que é corroborado por Rood e Pate10 (2019) e Hancock-Allen, Alden e Cronquist9 ​​ (2017).

É imprescindível ressaltar que a principal limitação desta revisão de escopo foi a escassa quantidade de artigos encontrados que estivessem ​​ adequados ao tema central do estudo. Apesar de se tratar de um evento frequente nas realidades de diversos laboratórios, conforme apresentado nas pesquisas selecionadas, as buscas nas bases de dados mostraram que esse não é um tema muito relatado, fato que prejudica os estudos voltados para mitigar os eventos de contaminação zoonótica entre animais de laboratório e os trabalhadores desse ambiente. Em suma, há uma lacuna de conhecimento acerca do tema de zoonoses como potenciais doenças ocupacionais inerentes aos trabalhadores envolvidos com animais de laboratórios, que deveria ser suprida por mais estudos nessa área.

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4.Considerações finais

Verificou-se, a partir da análise dos textos selecionados, que as evidências apontam para a importância fundamental do controle parasitológico dos animais de laboratório e das medidas de biossegurança para a prevenção de zoonoses no ambiente laboral e para assegurar a saúde dos trabalhadores e dos animais de laboratório. As barreiras sanitárias se destacaram no controle de transmissão do parasita ao reduzirem a disseminação de infecções entre os animais. Notou-se que, no que se refere às medidas de minimização da exposição dos trabalhadores, o uso de EPIs e as ações de boas práticas devem estar previstos nos POPs, bem como a atualização desses protocolos. Ademais, foram identificadas lacunas nos treinamentos de profissionais a respeito dos protocolos e de instruções acerca de notificações de possíveis infecções.

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5. Declaração de direitos

 Os autores declaram ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra Revista. Declaram que as imagens e textos publicados são de responsabilidade dos autores, e não possuem direitos autorais reservados a terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declaram respeitar os direitos de terceiros e de instituições públicas e privadas. Declaram não cometer plágio ou autoplágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

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6.Referências

  • Colby LA, Zitzow L. Applied Institutional Approaches for the Evaluation and Management of Zoonoses in Contemporary Laboratory Animal Research Facilities. ILAR J. 2018 Dec; 59(2):134-143.

  • University of Rochester Medical Center [internet]. Zoonoses. Rochester (NY): URMC,2020 [cited 2020 Aug. 10]. Available from: https://www.urmc.rochester.edu/animal-resource/occupational-health/zoonoses.aspx.

  • Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Normativas do CONCEA para produção, manutenção ou utilização de animais em atividades de ensino ou pesquisa científica. 2016 Sept; 3: 81

  • Friedrich NO. Riesgos ocupacionales en medicos veterinarios dedicados a pequeños animales de la ciudad de Córdoba (2010) [master’s thesis]. Córdoba: Escuela de Salud Pública de la Universidad Nacional de Córdoba; 2012.

  • Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Microbiologia Clínica para o Controle de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Módulo 1: Biossegurança e Manutenção de Equipamentos em Laboratório de Microbiologia Clínica/Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 1. ed. Salvador: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2013.

  • Andrade A, Pinto SC, Oliveira RS. Animais de Laboratório: criação e experimentação. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.

  • World Health Organization.Handbook: good laboratory practice (GLP): quality practices for regulated non-clinical research and development. 2nd ed. Geneva: WHO; 2009.

  • Joanna Briggs Institute. The Joanna Briggs Institute Reviewers’ Manual 2015: Methodology for JBI Scoping Reviews. South Australia: The Joanna Briggs Institute; 2015.

  • Hancock-Allen J, Alden NB, Cronquist AB. Cryptosporidiosis outbreak at an academic animal research laboratory-Colorado, 2014. Am J Ind Med. 2017;60(2):208-214.

  • Rood KA, Pate ML. Assessment of Musculoskeletal Injuries Associated with Palpation, Infection Control Practices, and Zoonotic Disease Risks among Utah Clinical Veterinarians. J Agromedicine. 2019.

  • Centers for Disease Control and Prevention [Internet]. Prevention & Control - General Public. Geórgia: CDC, 2020 [cited 2020 Nov 12]. Available from: https://www.cdc.gov/parasites/crypto/gen_info/prevention-general-public.html.

  • Cecílio AB. Donato EC. Monitoramento Ambiental no Biotério. SãoRESBCAL. 2013.

     

1

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM, Vitória, Brasil.

2

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM, Vitória, Brasil.

3

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM, Vitória, Brasil.

4

Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM, Vitória, Brasil.

5Universidade Vila Velha - UVV, Vila Velha, Brasil.

6Universidade Vila Velha - UVV, Vila Velha, Brasil.

7Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Vitória, Brasil.

8Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, ​​ Belo Horizonte, Brasil.

9Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM, Vitória, Brasil.

10Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo - SEDU, Vitória, Brasil.

 

 


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