Compartilhar:

Artigo - PDF

 

Scientific Society Journal  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

ISSN: 2595-8402

Journal DOI: 10.61411/rsc31879

REVISTA SOCIEDADE CIENTÍFICA, VOLUME 7, NÚMERO 1, ANO 2024
.

 

 

ARTIGO ORIGINAL

Estudo da toxicidade aguda oral e dérmica do veneno Botrópico de referência nacional

Fábio Henrique Dias Martins Lima1; Gabriele Fátima de Souza2; Maria Aparecida Affonso Boller3; Igo Vieira de Souza4; Margarida de Jesus Barboza Ribeiro5; Armi Wanderley da Nóbrega6

 

Como Citar:

LIMA, Fábio Henrique Dias Martins; DE SOUZA, Gabriele Fátima, BOLLER, Maria Aparecida Affonso et al. Revista Sociedade Científica, vol.7, n. 1, p.3180-3193, 2024.

https://doi.org/10.61411/rsc202463417

 

DOI: 10.61411/rsc202463417

 

Área do conhecimento: Multidisciplinar.

.

Sub-área: Saúde e Biológicas.

.

Palavras-chaves: Biossegurança; Bothrops; Toxicidade.

 

Publicado: 15 de julho de 2024.

Resumo

O envenenamento por serpentes peçonhentas, ainda que negligenciado em muitos países, representa um problema de saúde pública relevante em todo o mundo. No Brasil, a Bothrops jararaca se destaca como a serpente de maior importância médica, e a soroterapia é o único tratamento eficaz contra seus efeitos nocivos. Nesse contexto, o Veneno Botrópico de Referência Nacional (BraBot/005) assume um papel crucial no teste de potência do soro antibotrópico, servindo como um componente essencial do processo de controle de qualidade. Este estudo investigou a toxicidade oral e dérmica aguda do BraBot/005 em camundongos, seguindo as diretrizes do Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS) e dos protocolos da OECD 423 e 434. Os resultados demonstraram que o BraBot/005 não apresenta sinais clássicos de envenenamento em camundongos nos testes de toxicidade oral e dérmica aguda. No entanto, no teste de toxicidade dérmica aguda, animais expostos às doses de 1000 mg/kg e 2000 mg/kg apresentaram sinais de irritação na pele, com recuperação completa do tecido visível até o oitavo dia. Exames macroscópicos e microscópicos em órgãos de animais expostos à dose de 2000 mg/kg (via oral e dérmica) não revelaram alterações patológicas. Com base nos resultados abrangentes deste estudo, o BraBot/005 foi classificado como não apresentando potencial de toxicidade oral e dérmica aguda. Essas descobertas são cruciais para garantir a segurança no manuseio e descarte de resíduos dos testes com o veneno, bem como para o transporte do mesmo para os produtores de soro antibotrópico. Em suma, este estudo fornece informações valiosas sobre a toxicidade do BraBot/005, contribuindo significativamente para a compreensão dos riscos potenciais associados ao manuseio e à exposição a esse veneno. Os resultados obtidos reforçam a necessidade de medidas rigorosas de segurança e

controle durante o manuseio do BraBot/005, a fim de proteger a saúde humana e o meio ambiente.

 

 

.

Acute oral and dermal toxicity study of Brazilian Bothrops reference Venom

Abstract

Snakebite envenomation poses a significant global public health burden, often neglected in many countries. In Brazil, the Bothrops jararaca is a medically important snake, with antivenom therapy serving as the sole effective treatment against its envenomation effects. Within this context, the Brazilian Bothrops Reference Venom (BraBot/005) plays a crucial role in quality control procedures for Bothrops antivenoms. This study investigated the acute oral and dermal toxicity of BraBot/005 in mice. Notably, no classical signs of envenomation were observed in mice following either acute oral or dermal exposure to BraBot/005. However, animals exposed to the higher doses of 1000 mg/kg and 2000 mg/kg in the dermal toxicity test exhibited transient signs of skin irritation. All affected animals demonstrated complete skin tissue recovery by day eight. Furthermore, macroscopic and microscopic examinations of organs from mice exposed to the highest dose (2000 mg/kg) via both oral and dermal routes revealed no pathological abnormalities. Based on these comprehensive findings, BraBot/005 was classified as devoid of acute oral and dermal toxicity potential. This classification is of paramount importance for ensuring the safe handling and disposal of waste generated during venom testing, as well as for the proper transportation of BraBot/005 to antivenom producers.

Keywords/Palabras clave: ​​ Biosafety; bothrops; toxicity.

.

1. Introdução

O envenenamento ofídico é um grande problema de saúde em todo o mundo, sendo sistematicamente ignorado por numerosas autoridades em vários países, tornando-se uma doença tropical negligenciada. A maior prevalência ocorre em crianças e jovens trabalhadores agrícolas, do sexo masculino, representando também um considerável problema na economia, pois muitas vezes as intoxicações deixam sequelas físicas e psicológicas incapacitantes para o retorno ao trabalho [1,2,3]. No Brasil, foram notificados 28.601 casos em 2017, representando uma incidência de 13,8 casos por 100.000 habitantes por ano, com uma letalidade de 0,37% [4]. As espécies com maior prevalência no país pertencem ao gênero Bothrops com 80,8% das notificações, seguidas por Crotalus com 9,41%, Lachesis com 2,25% e Micrurus com 1,04%. Serpentes não identificadas, casos de notificação subnotificada ou parcial corresponderam a 6,49% [5].

Paradoxalmente a muitos outros problemas de saúde, os casos de mortes por envenenamento por acidentes com serpentes podem ser totalmente reversíveis, a partir do uso de antivenenos. Esses antivenenos estão incluídos na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo recomendado usá-los no atendimento inicial a problemas de saúde [6]. A produção do antiveneno no Brasil é realizada por laboratórios públicos e distribuída gratuitamente à rede pública de saúde por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde (MS).

O soro antibotrópico pentavalente é composto por imunoglobulinas de cinco espécies do gênero Bothrops: Bothrops jararaca 50%, B. alternatus, B. jararacussu, B. moojeni e B. neuwiedi com 12,5% cada. O ensaio de potência é realizado para determinar a dose mínima de imunoglobulina necessária para neutralizar 5 mg de veneno de referência de Bothrops jararaca por mililitro [7]. Atualmente, o quinto lote de veneno botrópico de referência nacional (BRABOT/005) é utilizado no ensaio de determinação de potência do soro antibotrópico para liberação do lote pelos produtores e pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), que é composto pela mistura do veneno de Bothrops jararaca que representando a distribuição geográfica desta espécie e é fornecido juntamente com instruções de uso pelos produtores pelo INCQS, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), MS [8].

O Teste de Toxicidade Agudo Oral pelo método Tóxico Agudo de Classe (TAC) – Organisation for EconomicCo-operation and Development (OECD) nº 423 [9] e o Teste de Toxicidade Dérmica – procedimento de doses fixas (PDF) – OECD nº 434 [10], permitem a partir de doses fixas, classificar as substâncias químicas ou misturas de acordo com valores próximos aos obtidos no teste de DL50, porém com número menor de animais, baseando-se na letalidade [11].

O principal objetivo deste estudo foi determinar o grau de toxicidade do veneno de referência que causa danos à saúde humana, possibilitando futuras investigações sobre medidas de segurança para o manuseio e descarte de resíduos dos ensaios envolvendo o veneno, bem como procedimentos para o envio do veneno aos produtores do soro antibotrópico.

..

2.  Metodologia

2.1 Veneno Botrópico de Referência Nacional (brabot / 005)

O 5º lote de Veneno Botrópico de Referência Nacional - BraBot/005 - é uma preparação liofilizada, inicialmente acondicionada em 4368 ampolas com aproximadamente 30 mg de veneno de Bothrops jararaca, provenientes de 4.430 extrações de veneno de B. jararaca, capturadas em diferentes estados brasileiros (49,2% São Paulo, 24,2% no Espírito Santo e 15,6% em Santa Catarina, 10,1% no Paraná, 0,8% em Minas Gerais e 0,1% no Rio de Janeiro). Contém 907,60 ± 40,30 mg de proteína/mg de veneno e perfil eletroforético com 12 bandas de proteínas, sendo as maiores com peso molecular de 14,4; 18; 28; 32 e 62 kDa, em eletroforese em gel de dodecil sulfato-poliacrilamida (SDS- PAGE) a 7,5 para um gradiente de 17,5% [12, 13].

.

2.2 Preparação de soluções

A pesagem do veneno BraBot/005 utilizada nos ensaios foi realizada em balança analítica (Shimadzu®, modelo AY 220, série D305600158). Foram preparadas soluções contendo o veneno BraBot/005 e soro fisiológico a 0,85% (solução de cloreto de sódio a 0,85%). Foram preparadas soluções nas doses de 50, 300 e 2000 mg/kg para o teste de toxicidade aguda oral e para o teste de toxicidade dérmica aguda nas doses de 1000 e 2000 mg/kg. As doses mencionadas foram preparadas com base no peso corporal médio dos animais obtidos no dia da realização dos ensaios, no volume de 0,5 mL/animal.

.

2.3 Animais

Os animais utilizados em todos os ensaios foram camundongos (Mus musculus), da linhagem Swiss Webster. Estes são utilizados rotineiramente nos ensaios de determinação da potência do soro antibotrópico e na determinação da DL50 do veneno botrópico preconizados na Farmacopeia Brasileira 5ª Edição [7]. Adicionalmente, a linhagem Swiss Webster foi empregada por ser amplamente utilizada em pesquisas biomédicas, especialmente em farmacologia14 e extensivamente utilizada em testes de pesquisas e segurança de drogas [15].

A OECD preconiza a utilização de roedores, de preferência ratos, de 8 a 12 semanas de vida. Entretanto, não há restrições quanto ao uso de camundongos [9, 10]. A escolha deste modelo animal deu-se por possuir uma massa corporal menor, utilizando menos insumos, principalmente do BraBot/005.

Os camundongos foram fornecidos pelo Institudo de Ciências e Tecnologia em Biomodelos (ICTB) da Fiocruz, sendo aclimatados durante 5 dias antes dos ensaios, colocados em caixas de polipropileno de tamanho 29 x 12 x 17 cm em grupos de 3 animas para o ensaio de toxicidade oral aguda e com 5 animais para o ensaio de toxicidade dérmica aguda para cada caixa, contendo enriquecimento ambiental e livre acesso a água e ração (CR1 Nuvital®, Nuvilab Ltda, Curitiba, PR, Brasil) não autoclavado. Estes foram mantidos em prateleiras ventiladas, que possuem características físicas de um ambiente de fluxo de ar coletivo, sob condições controladas de temperatura (22 ° C +/- 3), umidade (55% +/- 10%) e fotoperíodo de 12/12 h com luzes às 7 da manhã. Os protocolos experimentais foram aprovados pelo Comitê de Ética em Uso de Animais de Laboratório da Fundação Oswaldo Cruz (CEUA / FIOCRUZ - Licença LW-26/17).

..

2.4 Toxicidade oral aguda

Dois grupos foram separados (grupo controle negativo e grupo experimental) contendo 3 camundongos machos (38 - 40,5 g de peso corporal, 10 semanas de idade) cada grupo. Os animais do grupo experimental foram pesados e o peso médio foi calculado. Foi preparado a reconstituição de BraBot/005 em solução de cloreto de sódio a 0,85%, em concentrações baseadas na média dos grupos expostos as doses de 50, 300 e 2000 mg/kg, nas concentrações de 3 , 82, 23,9 e 159,32 mg/mL respectivamente. Os animais do grupo controle negativo foram expostos apenas à solução de cloreto de sódio 0,85%. Em ambos os grupos, a administração foi realizada em dose única (0,5 mL) pela manhã, por via oral, utilizando sonda orogástrica apropriada (gavagem), sendo privados de alimentos 3 horas antes do procedimento. Observaram-se os animais diariamente, sendo nas primeiras 4 horas de início, a cada 30 minutos até 120 minutos e a cada 60 minutos de 120 a 240 minutos. Concomitantemente com a observação, avaliou-se o peso dos animais no dia 1, 7 e 14 do teste. Foram também avaliados quanto aos sinais clínicos clássicos de toxicidade, como perda de peso, prostração, hipoatividade e letalidade. Todos os animais foram submetidos à eutanásia humanitária. Realizou-se a necropsia, coleta de órgãos (fígado, baço, estômago, intestinos e rins) e processamento de tecidos, os quais foram feitos apenas para a dose de 2000 mg/kg. Os protocolos experimentais são baseados na Diretriz da OECD nº 423 - Toxicidade Oral Aguda - Toxicidade Aguda [9].

.

2.5 Toxicidade dérmica aguda

Para a exposição dérmica, todos os animais foram submetidos à tricotomia dorsal 48 horas antes do início do experimento com aparelho de tosquear. Os animais foram previamente anestesiados com a associação de cloridrato de xilazina (10 mg/kg) e cetamina (80 - 100 mg/kg), por via intramuscular, no músculo posterior da coxa, para conferir sedação e analgesia necessárias à realização da tricotomia sem estressar o animal. A fórmula Meeh [16, 17] - equação 1 - foi usada para calcular a área da superfície corporal total:

ASCT= k x p2/3         (1)

Onde: ASCT é expresso em cm2, k= 9,1 é uma constante específica para camundongos, p é a massa corporal do camundongo expressa em gramas.

O resultado em cm2 foi utilizado para confecção de compressas de gaze estéreis utilizadas como superfície de contato entre a pele do animal e a solução do BraBot/005 embebida nesta.

Inicialmente, 2 grupos foram separados, contendo 1 camundongo fêmea (39g de peso corporal e 11 semanas de idade) em cada grupo. O grupo experimental foi exposto a uma dose de 1000 mg/kg na concentração de 23,9 mg/mL de BraBot/005, diluído em solução de cloreto de sódio e o grupo controle negativo apenas na solução de cloreto de sódio.

No estudo principal, dois grupos foram separados (grupo controle negativo e grupo experimental) contendo 5 camundongos fêmeas (33-36,5g de peso corporal, 11 semanas de idade) cada grupo. Os animais do grupo experimental foram pesados e o peso médio foi calculado. Foi preparada a reconstituição de BraBot/005 em solução de cloreto de sódio, com base na média do grupo, exposto a dose de 2000 mg/kg na concentração de 137,6 mg/mL . Os animais do grupo controle negativo foram expostos apenas à solução de cloreto de sódio. Nos dois grupos, a exposição foi realizada em dose única (0,5 ml) pela manhã, com gaze embebida na solução previamente preparada para cada grupo, colocada na região dorsal do animal, envolvida com fita adesiva hipoalergênica para conferir a adesão necessária por 24 horas. Estes foram pesados nos dias 1, 7 e 14 do ensaio e observados diariamente, sendo nas primeiras 4 horas de início a cada 30 minutos a 120 minutos e a cada 60 minutos de 120 a 240 minutos. Todos os animais foram submetidos à eutanásia humanitária. Necropsia, coleta de órgãos (fígado, baço, pele e rins) e processamento de tecidos foram realizados para o teste de dose de 2000 mg/kg e para o grupo de controle negativo desta dose. Durante o período de observação, avaliaram-se os animais quanto a sinais clínicos clássicos de toxicidade. Os protocolos experimentais foram baseados na Diretriz OECD 434 - Toxicidade Dérmica Aguda - Procedimento de Dose Fixa [10].

..

2.6 Exame anatomopatológico

Necropsias e coletas de órgãos (fígado, baço, estômago, intestino delgado e rins para avaliação da toxicidade oral aguda e fígado, baço, pele e rins para avaliação da toxicidade dérmica aguda) foram realizadas. Os órgãos coletados foram fixados em formaldeído a 10% e seccionados a uma espessura de 3 mm. O processamento histológico foi realizado em um processador automático (Lupetec® PT 05) que consistiu na desidratação com álcool etílico, clarificação com xilol e impregnação com parafina. Foi realizada a técnica de inclusão (imersão do tecido previamente impregnado com parafina em um molde com parafina líquida) e posteriormente, os moldes de parafinas foram seccionados, com espessura de aproximadamente 4 µm, com auxílio de um micrótomo (Leica® RM 2125RT). As seções foram desparafinizadas, hidratadas, coradas com hematoxilina e eosina. As imagens foram capturadas para exame por microscopia de luz através de camera (Zeiss®, modelo Axiocam ERc 5s) acoplada aos microscópio (Zeiss® e modelo Primo Star), sendo as imagens disponíveis no formato eletrônico através do software AxioVision SE64 Rel.4.9.1 [18].

.

3. Desenvolvimento e discussão

3.1Avaliação da toxicidade oral aguda

Nos ensaios com doses de 50, 300 e 2000 mg/kg (Figuras A, B e C respectivamente) não foram observadas alterações evidentes na toxicidade aguda. Os animais foram pesados no dia 0, 1, 7 e 14 e os sinais clínicos foram observados por 14 dias. Ganho de peso foi observado. (Tabela 1). Exame macroscópico e microscópico foi realizado para animais expostos a uma dose de 2000 mg/kg e não foram observadas alterações.

Tabela 1. Peso médio (g) de 3 camundongos, machos, Swiss Webster e desvio padrão por dia de monitoramento para o grupo experimental administrado nas doses de 50, 300 e 2000 mg/kg com o Veneno Botrópico de Referência Brasileiro (BraBot / 005) no Teste de Toxicidade Oral Aguda

​​ 

Dia 0

Dia 1

Dia 7

Dia 14

Dose (mg/kg)

 

Peso médio (g) do grupo de animais experimentais / desvio padrão (g)

 

50

40 / 0,41

39.33 / 0,24

42.17 / 0,62

44.5 / 1,08

300

39.83 / 0,47

39.17 / 0,47

42.17 /0,62

43.83 /0,85

2000

39,83 / 0,24

39,17 / 0,85

42,17 / 0,85

44 / 1,08

.

3.2 Avaliação da toxicidade dérmica aguda

A superfície corporal foi calculada pela fórmula de Meeh [16, 17] e a área de 10% foi utilizada para exposição ao veneno. A dose de 1000 mg/kg foi usada como teste de entrada para determinar a dose inicial do teste principal. O peso inicial foi de 39 g, com ASCT de 104,65 cm2. O ganho de peso final foi observado durante o monitoramento nos dias 1, 7 e 14 do estudo (38,5, 39,5 e 40,5g, respectivamente). Nenhum sinal evidente de toxicidade foi observado neste ensaio. No entanto, o animal apresentou sinais de eritema leve.

No ensaio com dose de 2000 mg/kg,calculou-se a superfície corporal com base no peso médio do grupo. Não foram evidenciados sinais de toxicidade, sendo um dos indicadores a perda excessiva de peso (Tabela 2).

.

Tabela 2. Peso e Área da Superfície Corporal Total (ASCT) por camundongo, fêmea, Swiss Webster e média de peso e da ASCT do grupo administrado e desvio padrão médios na dose de 2000 mg/kg com Veneno Botrópico de Referência Brasileiro (BraBot / 005) no Teste de Toxicidade Dérmica Aguda.

Animal

Dia 0 (g)

ASCT (cm2)

Dia 1 (g)

Dia 7 (g)

Dia 14 (g)

E1

33

93,62

31,5

33,5

33,5

E2

33

93,62

31

30,5

32,5

E3

35,5

98,29

34,5

35

34,5

E4

36,5

100,13

35

36,5

36

E0

34

​​ 95,5

33,5

34

34,5

Média / desvio padrão

34.4 / 1,39

96,32 / 0,85

33.1 / 1,6

33.9 / 1,99

34.2 / 1,17

.

Entretanto, três animais, B, C e D, desenvolveram um eritema bem definido e dois animais, A e E, apresentaram grau severo (FIGURA 1). Após o oitavo dia de acompanhamento, nenhum sinal de irritação dérmica foi observado em todos os animais. No exame anatomopatológico não foram observadas alterações.

.

Uma imagem contendo gato, no interior, olhando, espelho

Descrição gerada automaticamente

Figura 1. Animais observados após 24 horas do início do ensaio.

Legenda: A - Animal E1; B - Animal E2; C- Animal E3; D- Animal E4 and E- Animal E0

.

4. Considerações finais

Atualmente não existem estudos acerca da atividade toxicológica do veneno da B. jararaca quanto à exposição dos trabalhadores na manipulação e no processo de descarte do veneno durante o controle de qualidade dos soros antibotrópicos produzidos no país. Os ensaios para classificação da toxicidade aguda oral e dérmica permitiram o conhecimento e contribuiu para identificação e classificação toxicológica através da exposição por estas vias. Portanto, não é possível comparar os resultados com outros estudos.

O estudo baseou-se na recomendação da IATA, que considera as toxinas derivadas de plantas, bactérias ou animais que não contêm substâncias infecciosas como substâncias tóxicas19. Sabe-se que a toxicidade é uma das características dos produtos químicos [20].

Os dados obtidos no estudo demonstraram que na dose máxima empregada de 2000 mg/kg por via oral, não houve qualquer alteração nos padrões comportamentais e nos sinais clínicos dos camundongos machos Swiss Webster. Os sinais mais evidentes relacionados à toxicidade não foram observados, tais como: incapacidade de acesso à água ou à ração, perda excessiva de peso, convulsões, tremores substanciais, automutilações, diminição da ingestão de alimentos ou mudança comportamental [21]. Os animais apresentaram ganho de peso e comportamento padrão da espécie. ​​ Acredita-se que a dose seja bem superior a 2000 mg/kg para causar algum efeito tóxico. Não se justificou a necessidade de continuidade do teste com a dose de 5000 mg/kg por não representar riscos durante a manipulação, uma vez que não é manuseado essa quantidade durante os ensaios ou por envio de amostras por qualquer meio de transporte, se for o caso. Desta forma, segundo o critério de classificação GHS, pode-se atribuir a categoria 5 (>2000 mg/kg) na toxicidade aguda do BraBot/005 por via oral [10].

Em relação aos dados obtidos para a exposição dérmica, o animal exposto a dose de 1000 mg/kg apresentou sinais de irritação cutânea leve, com a presença de uma pequena região com eritema. Não foram evidenciados sinais de toxicidade. A respeito da exposição à dose de 2000 mg/kg, os animais não apresentaram sinais de toxicidade aguda, mas apresentaram sinais de intensa irritação dérmica, com eritema grave em dois animais e eritema bem definido em três animais. Isso mostra que o veneno, através dessa via de exposição, não causa intoxicação. No entanto, deve-se ter cautela, uma vez que haja sinais de irritação dérmica. Assim, de acordo com a classificação do GHS, categoria 5 (> 2000 mg/kg) pode ser atribuída à classificação de toxicidade aguda de BraBot/005 pela via dérmica [10].

Os estudos aqui apresentados indicam que o Veneno Botrópico de Referência Brasileiro (BraBot/005) não apresenta potenciais riscos toxicológicos aos trabalhadores para a exposição oral e dérmica aguda, uma vez que os animais não apresentaram sinais de toxicidade por essas vias, principalmente quanto à perda excessiva de peso e mudanças comportamentais. Entretanto foi observado a presença de irritação dérmica nos ensaios com 1000 e 2000 mg/kg de BraBot/005 em camundongos fêmeas, com recuperação no período de 14 dias.

.

5. Indicação de trabalhos futuros

Os dados do presente estudo apontam para uma necessidade de estudos acerca da exposição do veneno para outros ensaios tais como: irritação dérmica e ocular, toxicidade aguda inalatória e toxicidades crônica por via oral, dérmica e inalatória, que continua sendo imperativa que as recomendações básicas de biossegurança devem ser mantidas para assegurar a proteção ao homem e ao meio ambiente, pois é necessária uma maior investigação por outras vias e formas de exposição.

​​ .

6. Declaração de direitos

 Os autores declaram ser detentores dos direitos autorais da presente obra, que o artigo não foi publicado anteriormente e que não está sendo considerado por outra Revista/Journal. Declaram que as imagens e textos publicados são de responsabilidade dos autores, e não possuem direitos autorais reservados à terceiros. Textos e/ou imagens de terceiros são devidamente citados ou devidamente autorizados com concessão de direitos para publicação quando necessário. Declaram respeitar os direitos de terceiros e de Instituições públicas e privadas. Declaram não cometer plágio ou auto plágio e não ter considerado/gerado conteúdos falsos e que a obra é original e de responsabilidade dos autores.

.

7. Referências

  • Gutiérrez JM, Theakston RDG, Warrell DA. Confronting the Neglected Problem of Snake Bite Envenoming: The Need for a Global Partnership. 2006. [acesso em: 15 de jan.2018]; PLoS Med 3(6):150. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pmed.0030150

  • World Health Organization (WHO). Rabies and envenomings: a neglected public health issue. World Health Organization, 2007. [acesso em: 24 de agosto, 2016]; Disponível em: http://www.who.int/bloodproducts/animal_sera/Rabies.pdf

  • World Health Organization (WHO). Guidelines for the production, control and regulation of snake antivenom immunoglobulins. 2010. ​​ [acesso em: 30 de agosto, 2016]; Disponível em: http://www.who.int/bloodproducts/snake_antivenoms/SnakeAntivenomGuideline.pdf

  • Portal Principal de Noticias da Saúde. Ministério da Saúde [homepage na internet]. Situação Epidemiológica – Dados. [acesso em: 18 de setembro, 2018]; Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/acidentes-por-animais-peconhentos/13712-situacao-epidemiologica-dados

  • Datasus Tecnologia de Informação a Serviço do SUS. Ministério da Saúde [homepage na internet]. Acidente por animais peçonhentos - notificações registradas no sistema de informação de agravos de notificação - Brasil. [acesso em: 08 de janeiro, 2018]; Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/animaisbr.def

  • World Health Organization (WHO). WHO model list of essential medicines. 20th Ed. 2017. [acesso em: 21 de setembro, 2018]; Disponível em: https://www.who.int/medicines/publications/essentialmedicines/en/

  • Farmacopeia Brasileira, 2010. Soro antibotrópico pentavalente - Immunoserum bothropicum. ​​ 5. ed. Brasília: Anvisa. v. 2 1289 p.

  • Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 174 de 11 de novembro de 1996. Aprova as normas técnica de produção e controle de qualidade de soro antiofídicos, antitóxico e antirrábico, na conformidade do anexo desta página (ementa elaborada pela CDI/MS). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 1996, nov. 15; Seção I. p 56.

  • Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). OECD guideline for testing of chemicals: acute oral toxicity – acute toxic class method Paris, França, 2001. (OECD, 423).

  • Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). OECD guideline for testing of chemicals: proposal for a new draft guideline 434: acute dermal toxicity – fixed dose procedure. Paris, França, 2004. (Draft Guideline).

  • Valadares MC. Avaliação de toxicidade aguda: estratégia após a “era do teste DL50”. Revista eletrônica de Farmácia, v 3, n. 2, p. 93-98, 2006.

  • Araújo HP, Bourguignon SC, Boller MA, Dias AA, Lucas EP, Santos IC, Delgado IF. Potency evaluation of antivenoms in Brazil: the national control laboratory experience between 2000 and 2006. 2008; Toxicon, v. 51, n. 4, p. 502-514. PubMed; PMID: 18155119

  • Araújo HP, Lucas EPR, MOURA WC, Fátima-Barbosa C, Rodrigues RJ, Morais JF, Almada JZ, Guimarães BC, Almeida AECC, Boller MAA. Interlaboratory study for the establishment of Brazilian Bothrops Reference Venom and Antivenom for potency evaluation of Bothrops antivenom. 2017; Biologicals, v. 49, p. 1-5. PubMed; PMID: 28818424.

  • Neves SMP, Filho JM, Menezes EW. Manual de cuidados e procedimentos com animais de laboratório do biotério de produção e experimentação da FCF-IQ/USP. São Paulo: Ed. FCF-IQ/USP, 2013. 216 p.

  • Taconic Biosciences. Swiss webster outbred. [internet]. North America. [acesso em: 19 de out., 2018]; Disponível em: https://www.taconic.com/mouse-model/swiss-webster

  • Mesquita CJG, Leite JAD, Fechine FV, Rocha JLC, Leite JGS; Filho JADL, Filho RAB. Effect of imiquimod on partial-thickness burns. Burns [online]. 2009; vol.36, Issue 1. [modificado em mar. 2016; 42(2):481 Barbosa Filho, Romulo A]. ​​ PubMed. PMID: 19577848

  • Rocha JLC. Efeitos da mitomicina-C tópica em queimadura de camundongos. [Dissertação do Mestrado em Cirurgia]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará - Faculdade de Medicina; 2010.

  • Caputo LFG, Gitirana LB, Manso PPA. Técnicas histológicas. In: Molinaro EM. Conceitos e métodos para a formação de profissionais em laboratórios de saúde: volume 2. Rio de Janeiro: EPSJV; 2010.

  • International Air Transport Association (IATA). Dangerous goods regulations. 58 th Ed. Montreal (Canadá): International Air Transport Association; 2017.

  • Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC Nº. 306, de 15 de julho de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, nº 237, Seção I, 49 p. Poder Executivo, Brasília, DF, 10 de dezembro. 2004.

  • Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). Environmental Health and Safety Publications. Guidance document on the recognition, assessment, and use of clinical signs as humane endpoints for experimental animals used in safety evaluation. Paris, França, 2000. (Series on Testing and Assessment, No. 19).

 

     

1

INCQS/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil.

2

INCQS/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil.

3

INCQS/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil.

4

ICTB/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil.

5

ICTB/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil.

6

INCQS/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil.

 

 


Compartilhar: