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VOLUME 2, NÚMERO 2, FEVEREIRO​​ DE​​ 2019

ISSN: 2595-8402

DOI:​​ 10.5281/zenodo.2585763

 

 

OPERARIADO AMAZONENSE: ANTAGONISMOS E CONSTRUÇÃO DO NOVO SINDICALISMO - ANOS 1980

 

Milton Melo dos Reis Filho1

reis5.filho@gmail.com 

Iraildes Caldas Torres2

iraildes.caldas@gmail.com

 

RESUMO

Este artigo propõe realizar uma breve discussão sobre a história do operariado amazonense, a partir dos antagonismos e construção do novo sindicalismo nos anos 1980, em Manaus. Trata-se de uma época em que o envolvimento na militância sindical somado ao da militância política e a construção de um partido que atendesse aos interesses da classe operária constituíram-se, na época, num dos primeiros desafios para a classe trabalhadora. Foi com esse propósito que emerge a construção do PT (Partido dos Trabalhadores). Sua fundação ajudou no rompimento do antigo sindicalismo e propiciou a participação dos novos ativistas num processo de organização da classe trabalhadora dentro do local de trabalho, no chão-de-fábrica. Este foi o ambiente propício para se discutir os problemas internos da fábrica, a identidade e organização dos trabalhadores enquanto classe social. Os trabalhadores operários junto com a organização do movimento sindical não hesitaram em resgatar o sindicato, voltado para os interesses da classe trabalhadora, um sindicato em que a participação popular do operariado fosse mais intensa e constante. Os caminhos metodológicos seguem uma trilha discursiva,​​ estabelecendo​​ o​​ diálogo com autores e sujeitos que se entrelaçam​​ na trama do​​ organismo social de luta de classe que passasse a representar, de fato e de direito, a classe trabalhadora.

Palavras-chave: Sindicalismo, operário amazonense, luta de classe.

 

  • INTRODUÇÃO

Os estudos voltados para o mundo do trabalho têm trazido reflexões muito pertinentes, em especial, numa época em que se vive no Brasil a crise oriunda da chamada Reforma Trabalhista. Em tempo de crise, somos convidados a refletir sobre questões necessárias e ao mesmo tempo realizar uma imersão pela história dos​​ trabalhadores operários, trazendo à reflexão pontos necessários para repensar o mundo do trabalho. Isto é o que propomos nesta breve contribuição.

Nessa direção o artigo traz a discussão sobre a organização de classe, mostrando o envolvimento na militância sindical somado ao da militância política e a construção de um partido que atendesse aos interesses da classe operária. Mostra o propósito que deu origem e emergência da construção do PT (Partido dos Trabalhadores). E que, também, sua fundação ajudou no rompimento do antigo sindicalismo e propiciou a participação dos novos ativistas num processo de organização da classe trabalhadora dentro do local de trabalho, no chão-de-fábrica.

Pontuamos o reconhecimento de classe no Amazonas, que é potencializado na década de 1980 pela solidariedade operária que não cessa. Diversas entidades manifestavam apoio aos trabalhadores.

Um ponto também pertinente é a organização sindical no Estado do Amazonas, que se consagrou pelo nível de consciência que cada operário adquiriu. Uma classe bem participativa desabrochava. Esta classe não media esforços para se fazer presente nos seminários de formação que aconteciam no sindicato, cujas pautas buscavam debater sobre o que é o sindicato, para que ele existia, qual o papel do cipeiro, os direitos e garantias da mulher grávida, as convenções coletivas. Isso tudo foi muito positivo.

E, por fim, o novo sindicato e as manifestações operárias. A proposta de um novo sindicalismo foi produzida e reproduzida no efetivo acontecer dos inúmeros protestos sociais e manifestações operárias que eclodiram nas várias cidades brasileiras e nos vários setores produtivos, a partir dos anos 1970 e no decorrer da década de 80.

 

2A ORGANIZAÇÃO DE CLASSE

O envolvimento na militância sindical somado ao da militância política e a construção de um partido que atendesse aos interesses da classe operária constituíram-se, na época, num dos primeiros desafios para a classe trabalhadora. Foi com esse propósito que emerge a construção do PT (Partido dos Trabalhadores). Sua fundação ajudou no rompimento do antigo sindicalismo e propiciou a participação dos novos ativistas num processo de organização da classe trabalhadora dentro do local de trabalho, no chão-de-fábrica. Este foi o ambiente propício para se discutir os problemas internos da fábrica, a identidade e organização dos trabalhadores enquanto classe social. Os trabalhadores operários junto com a organização do movimento sindical não hesitaram em resgatar o sindicato, voltado para os interesses da classe trabalhadora, um sindicato em que a participação popular do operariado fosse mais intensa e constante.

Os desafios não eram poucos. De um lado, precisava formar as lideranças e a nova geração de ativistas que nasceu. De outro lado, essas lideranças e ativistas tinham a tarefa de tomar o sindicato das mãos dos pelegos e, também, de derrubar o regime militar que já estava num processo de crise governista. Então a grande missão se resumia em livrar o sindicato daqueles dirigentes ligados às empresas, ao patronato, bem como responder a um desafio político gigantesco que era a derrocada do regime militar. Este empreendimento era duro, feroz, pois, foi responsável por vários assassinatos e perseguições de ativistas de movimentos sindicais3. O golpe militar, sob a avaliação de Frederico (2010), marcava uma nova etapa nas relações entre Estado e o movimento operário brasileiro. Para esse autor até 1930, “a questão social era considerada uma simples questão de polícia” (FREDERICO, 2010, p. 9). De 1930 a 1964, ela se torna uma questão política e, a partir de 1964, os militantes no poder enquadram a questão social como um assunto referente à segurança nacional. No bojo dessas transformações, “o movimento operário foi alvo da repressão sistemática comandada pela polícia política. Logo após o golpe, uma das primeiras medidas tomadas foi a repressão ao sindicalismo” (IBIDEM, p. 9).

Chaia (1992) revela que os governos militares do pós-64 implantaram uma ordem autoritária que excluía os trabalhadores do cenário de participação na sociedade, além de arrochar mais ainda o ganho econômico desta classe, em função da clara definição dos golpistas de 64 por uma nova etapa de acumulação e modernização da dominação do capital. A classe trabalhadora foi penalizada, do ponto de vista do ganho econômico, pela redução gradativa do valor real dos salários, o então conhecido arrocho salarial. “Novos padrões de racionalidade foram utilizadas, tendo em vista reorganizar a sociedade, em todos os seus níveis, de forma a estabelecer uma nova etapa do desenvolvimento capitalista no Brasil, associado ao capital internacional” (CHAIA, 1992, p. 97).

​​ Essa nova maneira de fazer sindicalismo envolvendo o operariado no projeto maior de mudança nos rumos do país, de redemocratização do país, contribuiu para formar uma vanguarda em Manaus. Um dos trabalhadores ouvido nesta pesquisa revela como ocorreu o início desse processo, a saber:

 

A minha participação no primeiro momento, assim, no movimento operário se dá pela necessidade de você responder a alguns problemas que existiam naquele momento. Os trabalhadores naquele tempo eram tratados com muito autoritarismo, que tudo era reflexo do regime que se vivia. As condições de trabalho também eram precárias, as condições sociais dos trabalhadores também eram bastante precárias. (Herbert Amazonas, entrevista/2010).

 

A fala do nosso entrevistado revela que a participação do operariado amazonense sempre foi espontânea. Sem dúvida, essa foi uma das formas de se acreditar que, também, poderia mudar o tipo de tratamento que existia na fábrica. Este foi o primeiro momento sindical, o de assumir tarefas e fazer acontecer a vivência de classe. Os anseios convergiam para a concretização de um ambiente de luta reivindicativo, posto que no Estado não havia uma tradição de luta, nem de organização do operariado. Surgia, neste contexto, um operariado jovem, que aprendeu muito e respondeu a altura à luta. Cabe lembrar a experiência que cada trabalhador adquire no processo de luta de classe. Conforme as constatações de Thompson (1987), é nessa experiência que se encontra a solução prática para analisar comportamentos, condutas e costumes na sua relação com a cultura e nas realidades com as culturas específicas, como conteúdos de classe, histórica e geograficamente datados. Para este pensador, “classe é um fenômeno histórico composto por uma multidão de experiências em relação umas com as outras e, num constante fazer-se, e não uma categoria analítica ou estrutural” (THOMPSON, 1987, p. 11-12). ​​​​ De igual modo este estudo busca inserir-se na​​ história vista de baixo​​ no sentido de validar a experiência vivida dos sujeitos desta pesquisa.​​ 

 

3O RECONHECIMENTO DE CLASSE

O reconhecimento da classe no Amazonas é potencializado na década de 1980 pela solidariedade operária que não cessa. Diversas entidades manifestavam apoio aos trabalhadores. A Associação dos Docentes da Universidade do Amazonas – ADUA, que contribuiu com um milhão de cruzeiros; o Sindicato dos Assistentes Sociais do Amazonas que contribuiu com duzentos mil cruzeiros e dois carros; a Associação dos Professores Profissionais do Amazonas - APPAM que cedeu um mimeógrafo; o apoio dos partidos políticos como o Partido Comunista do Brasil - PCdoB, a Convergência Socialista, Partido dos Trabalhadores - PT; Partido Comunista Brasileiro - PCB. Vem somar a esse apoio vários organismos sociais como a Pastoral Operária - PO, Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/Amazonas, Hospital Universitário Getúlio Vargas - HUGV, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB / Norte I, Centro de Defesa dos Direitos Humanos - CDDH, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB, Serviço Paz e Justiça - SERPAJ, Associação Nacional dos Professores Universitários de História - ANPUH, Sindicato dos Vidros e Cristais e diversos políticos amazonenses, entre os quais destacam-se: Fábio Lucena, Evandro Carreira, Arthur Neto, que apoiaram e colaboraram com o fundo de greve. Nas eleições de 1984 da nova diretoria do sindicato.

Torres (2005, p. 234), aponta “o apoio incondicional de um conjunto de personalidades da sociedade manauense como Dom Milton Corrêa Pereira, Arcebispo Metropolitano de Manaus, o apoio solidário de um grupo de pessoas como Hidelberto Dias, Marlene Pardo, Francisco Botinelly e Aloysio Nogueira que doavam parte de seus proventos para a oposição sindical”.

Todas as bandeiras de luta destas entidades convergiam para a mobilização e construção da classe operária, alterando cotidianamente a rotina dos trabalhadores. Os operários entraram em cena na década de 1980 e o grande palco foi o Polo Industrial de Manaus. Tudo parecia convergir para o mesmo lugar. Um lugar que já concentrava indústrias, crescimento de emprego e investimento financeiro, mas que contrastava com a periferalização provocada pela Zona Franca de Manaus.

Ainda hoje algumas tendências se fazem presentes no sindicato dos metalúrgicos, pessoas ligadas ao PT, PCdoB, PSB, porém, sem expressão alguma. Podem até possuir um modo particular de fazer militância, mas estão longe de se constituírem em força interna, no sentido de representar um partido que defende uma posição. Muito diferente do que se propunha fazer o PT no início de sua criação. A maioria dos membros da diretoria do sindicato pertencia à tendência Articulação do PT, que é a mesma tendência de Luiz Inácio Lula da Silva, mas conseguiam manter diálogo com a tendência CUT pela base, com a convergência socialista (os trotkistas) e, desse modo, encaminhavam a luta de classe.

Havia uma luta interna entre os trabalhadores que culminava com a disputa pelo espaço da fala desses militantes. Uma de nossas entrevistadas rememora esse tempo nos seguintes termos:

 

Os trotkistas, Adilson e mais três, trabalhavam muito. Assim como a gente escamoteava-os, deixava-os de lado, a gente ia para a porta de fábrica quatro horas da manhã, mas eles já estavam lá. Às vezes eles dormiam no sindicato, mas eles iam para lá. Era uma coisa muito bonita deles, essa determinação de participar. Por exemplo, quando eles eram escamoteados eles faziam a mochila deles, eles dormiam lá dentro do sindicato, o sindicato tinha que bancar o lanche deles, às vezes eles dormiam mal, dormiam com fome, sem tomar banho, quando iam para casa era nove, dez horas, onze horas da noite do outro dia, mas eles faziam a política deles. A Luzarina, por exemplo, cansou de dormir lá porque ninguém ia buscá-la. Isso aconteceu muito. Mas eles trabalhavam muito. E eles faziam com que nós trabalhássemos ainda mais porque nós queríamos todo o espaço. Como eles não deixavam, nas grandes assembleias eles levavam muita gente e, aí, a gente fazia esse debate interno pela participação mesmo da organização dos trabalhadores. Agora, é claro, entre eles havia pessoas muito afinadas no discurso, no debate, na responsabilidade dentro da fábrica, eles tinham essa referência (Socorro Carioca, entrevista/2010).

 

Este quadro contém os principais pontos que contribuíram para o fazer-se da classe operária em Manaus. Com o passar do tempo, no entanto, a postura do militante sindical combativo é fortemente freada pela reestruturação produtiva. O estilo e a arte da militância das diferentes tendências sindicais somavam-se aos exemplos de vida e trabalho impregnados em seus próprios ideais. Embora faltassem consensos de ideias entre os operários, tudo convergia em defesa da ampliação dos seus direitos e deveres. ​​​​ “Quando a gente fazia a nossa política fazíamos valer a tendência da Articulação, a força combativa. Eles não eram sindicato pelego, só que a linha de pensamento deles era que divergia da nossa, a participação deles era diferente” (Socorro Carioca, entrevista/2010).​​ 

A divergência no modo de pensar dos militantes é algo enaltecedor e um verdadeiro ganho da classe operária manauense. Isso significa que o espaço do poder político paulatinamente estava sendo conquistado.

Os dirigentes da CUT assim como do sindicato dos metalúrgicos do Amazonas não cuidaram ou não tiveram zelo com a memória da luta sindical. Não preservaram o valor imensurável de suas memórias. O grande desafio da reconstrução de suas memórias ocorreu, por intermédio de pesquisadores como Ribeiro (1987), Torres (2005) e Reis Filho (2008) que tomaram para si este empreendimento por meio da história oral.

 

4 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL

A organização sindical no nosso Estado se consagrou pelo nível de consciência que cada operário adquiriu. Uma classe bem participativa desabrochava. Esta classe não media esforços para se fazer presente nos seminários de formação que aconteciam no sindicato, cujas pautas buscavam debater sobre o que é o sindicato, para que ele existia, qual o papel do cipeiro, os direitos e garantias da mulher grávida, as convenções coletivas. Isso tudo foi muito positivo.

Os sábados e domingos eram dedicados também à formação sindical envolvendo principalmente os chamados linha de frente nas fábricas, ou seja, lideranças de destaque de ponta como diziam os operários. Essas lideranças levavam informações, denúncias, o que ocorria no interior da fábrica, os acordos que lá chegavam dentre outros acontecimentos.

Os trabalhadores do Polo Industrial de Manaus deixaram suas impressões sobre a década de 80. Ao inquiri-los acerca do reconhecimento da classe operária em Manaus, os operários só visualizavam os fatores positivos como os avanços e conquistas alcançados ao longo de suas militâncias. Ouçamos o pronunciamento de uma das nossas entrevistadas:

 

As metalúrgicas tinham 90 dias de licença maternidade até meados de 1985. Em 1987 elas conquistam estabilidade, salário e emprego. Foi a segunda categoria do país que conseguiu estabilidade no emprego e salário para as gestantes. A partir de 1988 elas passam a ter 120 dias de licença maternidade. (Luzarina Varela, entrevista/2011).

 

As mulheres junto com seus pares homens foram plantonistas 24 horas no seu sindicato. Dividiam seus compromissos em turnos da manhã, tarde e noite com a tarefa de informar os acontecimentos aos operários e mantê-los no movimento. Naquela década, a comunicação era precária, só existia a telefonia convencional. Então, os operários realizavam o trabalho da formiguinha, do mosquitinho, da distribuição dos panfletos. Esses trabalhos demandavam visitas feitas de forma rotineira, principalmente, pelas operárias. Algumas vezes era disponibilizado carro, gasolina para a visitação desses operários e o trabalho tinha que ser cumprido, visitar 20 pessoas durante o dia era a meta mínima. Ao chegarem a seus postos no dia seguinte a rádio peão, nome dado por eles para este trabalho informativo já havia repassado as informações às pessoas. Esta atividade ficava ao encargo de quem estava de folga ou de quem entraria no trabalho uma hora ou três horas da tarde.

O sindicato dos metalúrgicos do Amazonas dos anos oitenta do século vinte tinha sua credibilidade. Mas o papel de destaque dado pela imprensa não contribuiu positivamente. Houve a colaboração, sim, desse órgão. Mas, o seu papel central de denuncismo nem sempre traduzia o discurso operário. Essa ação jornalística quase não mudou em nosso Estado. Janotti (2008) tece críticas ao afirmar que o noticiário de jornais não se limita a uma simples constatação do vivido. De acordo com esse autor, entre o acontecimento e o texto publicado há diversos mecanismos de expressão do real, ou seja, “o ponto de vista do repórter-observador, a redação do noticiário, a edição do texto, editoração e arte, imagens do ângulo do fotógrafo, escolhas das imagens, espaço disponível e posição política do jornal” (JANOTTI, 2008, p.101).

Por dever de ofício, reconhecemos que a fonte jornalística durante muito tempo foi vista com desconfiança pelos pesquisadores, especialmente os historiadores. O jornal é um dos mais importantes documentos de época, pela pluralidade de representações sociais que engloba. Como todos os demais documentos históricos, a imprensa possibilita diferentes leituras de aspectos objetivos e subjetivos da história imediata, no mesmo ritmo vertiginoso do acontecer. Todos esses procedimento acabam por criar um outro fato, que ordena os acontecimentos de acordo com certa representação simbólica da realidade. Atente-se ao que expõe a nossa entrevistada:

 

Hoje, a Imprensa faz muitas denúncias. Mas são denúncias muito vagas. A imprensa divulgava a greve de maneira muito negativa. Assim: ‘mais cem trabalhadores desempregados’, ‘Ricardo Moraes é demitido e articula demissões, faz greve louca para demitir mil e quinhentos pais de família’. Ai os operários sentiam-se meio receosos. Mas uma coisa é certa: o que existe ali atualmente são conquistas daquele período. Hoje, por exemplo, o sindicato só consegue ter saldo positivo na negociação coletiva de trabalho, na questão econômica porque acompanha a inflação (Socorro Carioca, entrevista/2010).

 

Era esse o tom que conduzia a classe operária em Manaus. Ao realizarem suas mobilizações os operários de chão-de-fábrica atendiam positivamente as orientações emanadas de seu sindicato. Os operários respondiam a cada chamado. Em cada empresa havia um idealizador do movimento que junto com um grupo de operários conseguiam mobilizar e paralisar a linha de produção. O trabalho do idealizador não se restringia à linha de produção ou ao interior da fábrica. Houve um trabalho de alcance social de modo que a sociedade recebeu com satisfação as lideranças da classe trabalhadora operária. É incontestável a atuação da Pastoral Operária como linha libertária da classe operária no Amazonas. Nela estavam os jesuítas Renato Barth e Albano Ternus, idealizadores do movimento que foram encarcerados pela polícia local, porque expressavam suas insatisfações com o regime. “De reconhecido carisma popular, o gaúcho padre Renato sagar-se-ia o maior mentor dos operários, amado e admirado por todos, numa unanimidade impressionante” (TORRES, 2005, p. 132).

Nessa situação os trabalhadores não temiam e nem ficavam apreensivos porque havia a estabilidade para todos. A estabilidade foi uma conquista nacional (Lei classista). Era negociada pelo sindicato durante o processo grevista. Sobre esse contexto, Socorro Carioca confirma que as greves foram estouradas, mas com muita responsabilidade porque os dirigentes encaminhavam a pauta para a empresa, havia um protocolo da negociação na DRT, o processo jurídico de construção legal. Ela salienta que a greve foi julgada várias vezes, mas o sindicato nunca perdeu por causa do processo jurídico que existia. “Além da assessoria do ABC paulista que apoiava todo o processo, contava-se com o auxílio dos advogados, como o Barroncas, por exemplo, que também contribuiu no processo de construção jurídica” (entrevista/2010).

O nível de consciência que cada trabalhador adquiriu ao longo de sua trajetória e militância foi primoroso. ​​​​ Feuerbach (1989) evidencia a necessidade do reconhecimento da​​ consciência de si, isto é, o reconhecimento da própria consciência que se dá através da relação de interdependência teórica e psicológica entre os homens. Na antropologia feuerbachiana, sozinho o homem é vazio e impotente, quem não fala de si é um escravo, prisioneiro de seu sofrimento. O homem sozinho é nada. Somente no encontro com o outro torna-se possível garantir sua sobrevivência, pois somente na relação com o outro se adquire a consciência. Esse processo só pode ser desencadeado quando o homem estabelece diálogo consigo mesmo, alcançando, assim, a consciência de si.

Esse comportamento foi extensivo à sociedade civil ao compreender e reconhecer a luta classista em todos os âmbitos. Em nível de Brasil, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, cidades do Estado de São Paulo formam o bloco sindical de referência dos trabalhadores amazonenses. Lá aconteceram as maiores greves em plena ditadura, é o chamado ABC paulista. O reconhecimento vem dos próprios trabalhadores que, no processo de formação, beberam nesta fonte do marxismo representado pelo novo sindicalismo do ABC. Mas a vitória é, na realidade, de toda a classe que protagonizou este momento histórico. São operários que deram suas contribuições em situações mais delicadas de nossa história. De acordo com uma das lideranças ouvidas neste estudo,

 

O reconhecimento existe. Mas se voltou muito na pessoa do Lula, o nosso ex-presidente. E isso aí eu não acho legal. Temos companheiros que nunca mais conseguiram emprego na categoria dos metalúrgicos, tiveram que se virar de outra maneira. Também temos o exemplo de Santo Dias, metalúrgico da época de Lula, assassinado em São Paulo. A única Instituição que homenageia esse homem e faz questão de não esquecer é a Pastoral Operária (Luzarina Varela, entrevista/2011).

 

Assim como a década de oitenta produziu os seus mártires quase imemoráveis na História do Brasil ela também foi o palco das significativas lutas e conquistas no qual o maior protagonista foi o trabalhador brasileiro. O campo de atuação de homens e mulheres do Polo Industrial de Manaus contribuiu de forma positiva para o operariado amazonense, por meio da luta classista, conseguiram validar seus anseios e conquistas celebrados nos principais levantes e diferentes ambientes do espaço fabril, os momentos decisórios da luta classista. ​​​​ 

Quando o movimento operário brasileiro faz ruptura com as práticas stalinistas, ele não rompe por dentro com o PCB, nem por dentro com o PCdoB. É isto que destaca um de nossos entrevistados e ainda militante sindical, ao se referir especificamente ao Polo Industrial de Manaus, diz o seguinte:

 

Nós fomos e construímos uma alternativa independente do stalinismo, que foi o Partido dos Trabalhadores (PT). Nós não tivemos a construção dessa retomada do sindicato por dentro do movimento operário oficial, que era o stalinismo. Nós estivemos por fora, contra eles e, na época, muitos companheiros tiveram que se enfrentar com o PCB, com o PCdoB porque eles estavam tutelados pelo Estado, eles faziam parte de Instituições junto com Getúlio Vargas. Você vê a história do Prestes. Prestes, em alguns momentos é ‘lacaio’ de Getúlio, é um serviçal de Getúlio Vargas e o Movimento Sindical estava também a serviço dessa política, de uma política nefasta, traidora da classe trabalhadora e que não ajudou a romper com Getúlio. Essa forma de administrar os sindicatos eles não rompem. Nós, na década de 70 e 80 é que rompemos com essa forma de sindicalismo (Herbert Amazonas, entrevista/2010).

 

Em parte, essas tendências tiveram serventia para o operariado no processo de construção de uma nova mentalidade, porque em alguns momentos houve muito rompimentos com os partidos. Alguns dirigentes viam a necessidade de romper com a política stalinista e denunciavam os absurdos por ela cometidos, mas nem todos assumiam essa posição. Foram os novos companheiros que surgiram que começaram a observar que nada disso era bom, esse tipo de organização não era favorável para o movimento operário. Herbert Amazonas lembra que o PCdoB veio largar o PMDB já no fim da década de 80, em plena construção do PT e da CUT. Ouçamo-lo:

 

Esses partidários estavam no PMDB, ainda, junto com o Gilberto Mestrinho, com o Arthur Neto e com o Amazonino. Ele chama a atenção para o fato de que, esses políticos prestaram serviços de traição contra os trabalhadores e qualifica o PCdoB como uma escola de quadros para destinar ao patrão, citando exemplos dos grandes quadros do movimento operário que foram dirigentes dos Partidos Comunistas e, que hoje, são grandes representantes da burguesia (entrevista/2010).

 

O nosso entrevistado é enfático em sustentar a tese de que o PCdoB foi uma escola para formar quadros aos patrões, para o sistema, não para o movimento operário.

Apesar dos vários impasses travados durante o fazer-se dos operários é perceptível que os trabalhadores fundem as tendências como estratégia de organização de um polo mais classista e consciente da tarefa que o operariado tinha.

Estas são as razões porque se lutava pela construção de um movimento operário que nascesse de sua base, que se originasse do seio da classe trabalhadora, livre dos vícios dos dirigentes burocratizados e dos dirigentes partidários tutelados pelo Estado, teleguiados pelo PC soviético. As novas gerações que se ocuparam da tarefa de reestruturar o movimento sindical fizeram todos esses estudos, essas observações, um levantamento da política adotada pelos comunistas dessa época.

O desabafo de Herbert lembra o cenário do que se vivia no Brasil nesse contexto. Assim como em outras regiões do Brasil, o operariado amazonense viveu momentos de repressão no governo de Figueiredo (1979-1985), que promoveu a intervenção nos sindicatos, alguns dirigentes inclusive foram processados pela Lei de Segurança Nacional (LSN). Mas, é nesse momento que a classe trabalhadora teve seus primeiros importantes avanços, pois os militares perderam suas forças e o movimento sindical desaguou na busca de uma unificação que o fortalecesse e lhe desse uma coordenação nacional. Surgiram os dois blocos: de um lado, os chamados Sindicalistas autênticos reunidos em torno do sindicalismo do ABC, agrupando sindicalistas de diversas categorias e partes do país. De outro lado, as Centrais Sindicais que agrupam lideranças tradicionais no interior do movimento sindical, e os militantes de setores de esquerda dita tradicional, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) entre outros.

Esses dois blocos foram as bases de sustentação dos organismos intersindicais de cúpula criados no processo de construção da classe operária brasileira. Surgiu o Partido dos Trabalhadores, agregado ao sindicalismo autêntico (bloco combativo), cujo objetivo era desencadear um combate direto ao regime a partir do centro sindical e da organização e demandas dos trabalhadores. O PT criticou a Unidade Sindical considerando suas estratégias negocista, conciliadora e reformista.

A Unidade Sindical, por sua vez, considera as estratégias dos sindicalistas vinculados ao setor combativo como sendo esquerdista e desestabilizadora. Isto resultou, em termos gerais, na divisão entre essas vertentes que o movimento sindical brasileiro adentrou na década de 80.

Podemos dizer que nos anos 1980 os trabalhadores vivenciaram fases de transição democrática, reorganização e mobilização da classe trabalhadora. O Sindicalismo Nacional acumulou vitórias organizativas importantes, recuperando o espaço político do qual havia sido privado pelos governos militares. Hobsbawm (2000, p. 225) ao analisar o termo novo sindicalismo sugere três ideias, a saber:

 

Primeiramente um novo conjunto de estratégias políticas e formas de organização para os sindicatos, em oposição àquelas já existentes no ‘antigo’ sindicalismo. Em segundo, sugere um posicionamento social e político mais radical por parte dos sindicatos dentro do contexto do surgimento do movimento operário socialista; e em terceiro, a criação de novos sindicatos de trabalhadores até então não organizados ou não organizáveis, bem como a transformação de velhos sindicatos segundo as linhas sugeridas pelos inovadores.

 

Foi no bojo dessas mudanças que surgiram novas argumentações para a implantação de um novo sindicalismo, algo que representasse a expressão real do proletariado. Este que teve início, no Brasil, nos anos 1970 e que foi elemento fundamental na eclosão da onda de greves no período de 78-80. A história registra nesse período, o surgimento de uma nova classe trabalhadora no cenário político do país que trouxe para o espaço público a novidade - depois de longos anos de regime autoritário - da participação dos trabalhadores nos enfrentamentos mais gerais contra o autoritarismo burocrático-militar no final dos anos 1970 até meados da década de 80.

O operariado brasileiro vinha se organizando e já sentia a necessidade desde os anos de 1966 e 1968 de uma reestruturação. Foram nesses anos que “o movimento sindical, em menor escala, começou a esboçar uma reação à política trabalhista da ditadura, através de protestos contra a legislação salarial e o fim da estabilidade no emprego instaurado pelo FGTS” (FREDERICO, 2010, p.15). O sindicalismo de Estado, coerente com a sua dependência estrutural junto ao Ministério do Trabalho, havia atrelado a classe operária à política de alianças vigentes no pré-64, política essa que posteriormente foi denominada de populismo. Sobre esse contexto Frederico (2010, p.25) afirma que,

 

O populismo trouxe duas conseqüências válidas para o movimento operário: de um lado, criou ilusões ideológicas no operariado, forjando uma consciência mistificada pelo nacionalismo e não uma verdadeira consciência de classe; de outro lado, manteve a classe operária desarmada, não só ideologicamente, como também desorganizada e incapaz de resistir ao golpe militar.

 

Para este autor o sindicato deve: “a) organizar a classe operária pelas bases e b) criar lideranças operárias em todos os níveis” (FREDERICO, 2010, p.26). De nada adiantava investir nos operários conscientes para as diretorias sindicais reacionárias, onde seriam minoritários, incapazes de modificar a qualidade de atuação de órgão dirigente e, por cima, ainda seriam corresponsáveis pela política peleguista.

Para Blass (1992, p. 34), “o novo sindicalismo, enquanto ideia e proposta, é construído e reconstruído por vários atores sociais a partir de diferentes lugares”. Induz-nos a pensar que, desse modo, sindicalistas, trabalhadores (as), pesquisadores, governo, empresários e os meios de comunicação de massa participam, cada um a seu modo, do processo de formação das classes trabalhadoras e da história do movimento operário e sindical brasileiro.

 

5 O NOVO SINDICATO E AS MANIFESTAÇÕES OPERÁRIAS

A proposta de um novo sindicalismo foi produzida e reproduzida no efetivo acontecer dos inúmeros protestos sociais e manifestações operárias que eclodiram nas várias cidades brasileiras e nos vários setores produtivos, a partir dos anos 1970 e no decorrer da década de 80.

Rodrigues (1999, p. 75) ao refletir sobre as origens do novo sindicalismo afirma que, “o movimento grevista iniciado em 1978 em São Paulo deixou traços profundos no cenário político brasileiro”. ​​​​ Para este autor a retomada da iniciativa dos trabalhadores no final da década de 70, depois de 14 anos sufocados pela ditadura militar, significou a entrada na cena pública de amplas camadas das classes trabalhadoras que desde 1964 não conseguiram se fazer ouvir na sociedade brasileira.

No Amazonas presenciamos a expressão do operariado do Parque Industrial de Manaus, que se fez ouvir mediante manifestações realizadas em cada ato de sua organização. Podemos considerar o limiar de um novo momento porque se tentava construir uma nova realidade para a classe trabalhadora.

“O imaginário político, os vínculos afetivos criados no desenrolar das lutas, a solidariedade e paixões envolvem-se nas práticas grevistas” (BLASS, 1992, p. 10). Hoje a luta pelo que é “nosso” perdeu completamente a sua referência em detrimento do que é “meu”. As lutas sociais não mais envolvem a coletividade, perderam seus referenciais.

Esse período também significou a verdadeira expressão da luta classista por meio da festa. Podemos dizer que esse foi um balanço positivo. Embora em alguns momentos pudéssemos defini-lo como negativo porque se tendeu a presenciar a dialética em tudo, nada é 100%. Avalia-se positivo devido ao fato de a festa provocar a descontração em oposição ao cansaço, ao tédio, o que acabava diminuindo a empolgação ou mesmo a vontade de continuar no movimento. Muitas greves tiveram uma duração de mais de quarenta dias parados. Portanto, necessitava-se verificar formas e estratégias de ocupação de tempo. Essas estratégias trazem a característica da prática da festa porque reside na amplitude com que são usadas.

Na época estava surgindo a lambada que era uma tendência musical de ginga e embalo na dança. Esse estilo com muito molejo foi inserido na festa por ocasião da greve. A festa ajudou a tirar a monotonia da greve, aquela “cara dura” da greve. A introdução da festa na greve se constituiu numa questão positiva, porque o operário sentia-se no seu espaço e externava sua subjetividade. É isto que conferimos na fala de Ricardo Moraes, a saber:

 

A greve é minha, o espaço é meu, eu sou o dono da greve, esse espaço é meu. Eu sou o dono da greve, eu danço, eu canto, eu namoro. Na época o pessoal namorava muito na sombra, no pátio da empresa. Assumiram esse espaço como deles. O que eles não faziam durante o dia no almoço, no café-da-manhã, passaram a fazer. A liberdade de expressão só se faz quando tem certeza da sua liberdade. Para exemplificar, o pessoal diz assim: - tem mulher que se separa porque o seu marido não dança, não a leva para festa, então lá na fábrica também era privado esse direito, de repente ela dizia: eu tenho esse direito eu vou aqui dançar, vou brincar, vou abraçar, vou beijar, é minha a greve, eu estou em greve, e pronto. Não era uma coisa que divertia, que destoava da greve, não, ao contrário, fortalecia porque era uma coisa dele, era um exercício de liberdade da greve, era um espaço construído na consciência dos operários em formação (entrevista/2010). ​​ ​​​​ 

 

A fala desse ex-dirigente sindical revela a importância atribuída à festa pelos operários amazonenses. Para eles as festas nas greves eram mais do que descanso ou diversão, porque elas eram concebidas como se fossem suas e não preparadas para eles.

A festa também foi usada como uma estratégia dos empresários. Sempre que eles sabiam das reuniões dos operários, promoviam festas nas suas empresas para desviar ou desmobilizar a categoria do foco da greve. O carro do sindicato tocava as músicas para embalar a festa dos operários em concentração. E o pessoal no sol quente, principalmente na época da lambada, as meninas e os meninos dançavam muito, para eliminar o estresse. Foi um instrumento de construção da subjetividade operária isento de julgamento moral.

A festa como um ato de construção cognitiva. Como diz Perrot (1988, p. 21) “desfazem a conduta de horários rígidos, com cadências alucinantes, e introduzem em uma existência fatigante e sem trégua, a liberdade do lazer”. Em consonância com Blass (1992), a festa na greve pode acontecer ou não, depende das suas circunstâncias. “Dificilmente é preparada para tornar-se uma festa, na medida em que resulta das atividades imprevistas e espontâneas que surgem no desenrolar das lutas sociais” (BLASS, 1992, p. 17). A autora faz distinção entre manifestação e festa, a saber:

 

[...] a festa se encontra mais próxima da tradição, repetindo o ritual de reunir as pessoas com o objetivo de celebrar, comemorar. A manifestação, ao contrário, exprime a atualidade, a conjuntura, sendo pontual e mais fugaz; mesmo que seja pouco espontânea, ainda assim é possível apresentar algum grau de imprevisibilidade em seus desdobramentos [...] A festa nem sempre apresenta uma conotação política ao passo que a manifestação sempre o faz (IDEM, p. 17).

 

Embora essas duas ideias sejam distintas elas interpenetram-se de tal modo que, em alguns lugares, a festa se transforma em manifestação e, em outros, é a manifestação que empresta o ritual à festa. A festa é oposta à ideia da manifestação, ela pressupõe a exaltação coletiva. Nessa ambiência as diferenças salariais e hierárquicas ou de qualificação são dissolvidas. Cria-se um sentimento de união, de estar juntos, nos trabalhadores. Estes guardam lembranças dos momentos inesquecíveis das festas vividos no Polo Industrial de Manaus, reconhecendo que os laços construídos e que fortaleceram a relação do amigo, companheiro e irmão. São sentimentos recíprocos e muito verdadeiros entre todos que conduziram e mantiveram os operários e as operárias coesos durante a greve. ​​​​ 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Travamos, neste estudo, um debate sobre os operários que construíram, sensibilizaram e fizeram a luta de classe nos anos oitenta do século XX no Polo Industrial de Manaus. ​​​​ Registramos que o convívio com estes trabalhadores no Polo Industrial de Manaus, onde também fui operário, foi primordial para a compreensão da história do operariado no Brasil e especificamente no Amazonas. Some-se a isso, a significativa contribuição obtida da Pastoral Operária disponibilizando fontes jornalísticas necessárias para adensar nossas análises. As demoradas entrevistas realizadas foram imprescindíveis para a elaboração deste estudo. ​​​​ 

A Pastoral Operária emerge como um importante organismo formador da consciência operária no Amazonas. Suas atividades em Manaus, iniciadas em 1979, reunia estudantes, professores, operários com o objetivo de responder aos anseios dos operários para a transformação da realidade fabril, a partir dos trabalhadores. Vivia-se o clima de tensão e aumento das reclamações nas fábricas. A formação realizada pela Pastoral Operária incluía uma metodologia baseada em retiros, caminhadas, manifestações de protestos entre outras ações. ​​​​ 

Este estudo constata também que a festa como estratégia encontrada por meio da manifestação dos trabalhadores, o seu espaço é concebido como uma construção contínua, onde se revelam talentos numa inventividade frenética. É durante sua manifestação que os trabalhadores vivenciam suas solidariedades e experiências, criam e recriam possibilidades de sustentação da greve, externando suas subjetividades, num sentido do constructo humano, num processo de sua hominização. ​​​​ 

Sem dúvida esta década foi o palco das lutas emancipatórias, época em que os trabalhadores souberam vencer com galhardia e tenacidade, perseverança e fé todos os obstáculos até chegarem aos dias atuais.

Os trabalhadores do Polo Industrial de Manaus precisam entrar em ação de modo mais eficiente e eficaz, é certo que vivemos um novo momento. Por isso mesmo, precisa estar inteirado dos novos desafios que ocorrem no mundo do trabalho, desafios estes que exigem do trabalhador no campo da militância um novo perfil para reorganizar-se em classe.

Trabalhar este tema significou recuperar marcos de grande relevância social para o operariado amazonense. Uma vez que a década de 1980 foi o palco das maiores manifestação do trabalhador operário em todo o Brasil. Trazer esta contribuição para a academia e para os trabalhadores significa também resgatar uma história vista de baixo, que para alguns poderia ser ignorada como ciência. Assim, cumprimos o propósito deste estudo que consiste em fazer com que os operários do Polo Industrial de Manaus pudessem revisitar o seu passado.

Além do valor informacional e o resgate da memória coletiva, importantes para a academia e o movimento operário, este estudo serve para repensar a trajetória da classe operária no Brasil e, especificamente, no Estado do Amazonas, na tentativa de trazer para o cenário da luta de classe os novos sujeitos e os novos atores sociais da militância sindical. Nesse sentido, poderá auxiliá-los na construção de novos personagens nos quadros do trabalho, um novo perfil de trabalhador operário emergente na era da tecnologia informacional. Constituir-se-á,​​ também, num documento-receptáculo da memória destes trabalhadores que se fizeram presentes na sociedade como os principais protagonistas de sua história.

 

7REFERÊNCIAS

  • BLASS, Leila Maria da Silva. Estamos em Greve: imagens, gestos e palavras do movimento dos bancários, 1985. São Paulo: Hucitec, 1992.

  • CHAIA, Miguel Wady, 1947. Intelectuais e Sindicalistas: a experiência do DIEESE, 1955-1990​​ / Miguel Wady Chaia. Ibitinga/SP: Humanidades, 1992.

  • FEUERBACH, Ludwig. Preleções sobre a Essência da Religião. Campinas: Papirus Editora, l989.

  • FREDERICO, Celso. A Imprensa de Esquerda e o Movimento Operário 1964-1984. Celso Frederico. 1ª. Edição. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

  • HOBSBAWM, Eric J. (1917). Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

  • JANOTTI, M. L. M. Imprensa e ensino na Ditadura. In: Antonio Celso Ferreira; Holien Gonçalves Bezerra; Tania Regina de Luca. (Org.). O historiador e seu tempo. 1ª ed. São Paulo: ​​ ​​​​ Unesp, 2008.

  • PEROOT, Michele. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. ​​​​ (Tradução Denise Bottmann). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

  • REIS FILHO, Milton Melo dos.O processo de construção do fazer-se classe do operariado do Parque Industrial de Manaus. (Dissertação Mestrado). Manaus: PPGSCA/UFAM, 2008.

  • RIBEIRO, Marlene. De Seringueiro a Agricultor/Pescador a Operário Metalúrgico: um estudo sobre o processo de expropriação/proletarização/organização dos trabalhadores amazonenses. Dissertação Mestrado. Minas Gerais: UFMG,1987.

  • RODRIGUES, Iram Jácome. A trajetória do Novo Sindicalismo. In: Novo Sindicalismo: vinte anos depois. São Paulo: Vozes, 1999.

  • THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa, (Vol. III – A força dos trabalhadores)​​ / E. P Thompson. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

  • TORRES, Iraildes Caldas.As Novas Amazônidas. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2005. ​​​​ 

1

Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Pesquisador do Grupo de Pesquisa MYTHOS - Humanidades, Complexidade e Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas. Professor da Secretaria Municipal de Educação de Manaus. E-mail: reis5.filho@gmail.com

2

Doutora em Ciências Sociais /Antropologia, professora da Universidade Federal do Amazonas e coordenadora do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas. E-mail: iraildes.caldas@gmail.com

3

​​ Dentre os ativistas de movimentos sindicais assassinados estão Santo Dias da Silva (1979), Raimundo Ferreira Lima (1980), Lyda Monteiro da Silva (1980), Wilson Souza Pinheiro (1980), Margarida Maria Alves (1983), Ari da Rocha Miranda (1983) entre outros.

 

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