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VOLUME 2, NÚMERO 5, MAIO DE 2019

ISSN: 2595-8402

DOI: 10.5281/zenodo.4029566

 

 

AS ARMADILHAS MATEMÁTICAS NA INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS FÍSICOS

 

Tieli Coelho Evald1, Mauro Cristian Garcia Rickes2

 

1,2Instituto Federal Sul-Rio-Grandense Campus CaVG, Pelotas,Brasil

tielirs@hotmail.com

 

RESUMO

Embora a relação entre a Física e a Matemática seja discutida a muito tempo, esta relação ainda parece não estar bem clara. Este trabalho propõem-se a demonstrar que, mesmo a matemática estando inserida de maneira indiscutível nas relações físicas, ela pode até mesmo, ser um empecilho no aprendizado se fizermos interpretações puramente matemáticas nas equações que expressam algumas destas grandezas. Estas duas ciências são ensinadas separadamente e muitas vezes os alunos e até mesmo os professores, acabam por não relacionar detalhadamente as mesmas, apenas aplicam suas fórmulas e conceitos. Esta relação vai além do saber matemática para aprender física, tanto que, em algumas situações as interpretações matemáticas podem levar o estudante a estabelecer conceitos físicos que não expressam a realidade. Para melhor compreendermos esta relação analisamos alguns livros de física dando ênfase aos conteúdos de campo gravitacional e campo elétrico. Os livros analisados não trazem, para estes assuntos, uma abordagem clara da relação entre a física e a matemática, de forma que o discente pode, se não for devidamente orientado pelo professor, construir um conceito que não irá expressar a grandeza física em questão.

Palavras-chave: ensino de física, matemática na física, livros didáticos.

 

 

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é realizar uma pesquisa bibliográfica para verificar se os livros didáticos utilizados no ensino médio costumam trazer uma abordagem sobre o cuidado que se deve terna interpretação matemática das equações que expressam as grandezas físicas, pois se não forem devidamente tratadas podem levar o discente a construção de um conceito errado. Como o conteúdo da física é muito vasto decidimos por trabalhar com campo gravitacional e campo elétrico, que são duas grandezas constantes para uma mesma região do espaço e por isso suas interpretações, se feitas somente do ponto de vista matemático, podem levar a erros conceituais.

 Para delimitar esta pesquisa bibliográfica utilizaremos os seguintes livros didáticos:Física em contextos volumes 1 e 3 (2016) de Maurício Pietrocola, Alexander Pogibin, Renata de Andrade e Talita Raquel Romero1; Física volumes 1 e 3 (2008) de Antônio Máximo e Beatriz Alvarenga2; Física ensino médio volume único (2005) de José Luiz Sampaio e Caio Sérgio Calçada3. A escolha dos livros Física em contextos se deu por serem utilizados momentaneamente no ensino médio do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense Campus Pelotas - Visconde da Graça (IFSUL/CAVG), onde curso a licenciatura em Física, e os demais pela facilidade de acesso, pois, encontravam-se a disposição na biblioteca.

Conforme Macdowell (1988) as ciências físicas surgem baseadas em observações astronômicas de TichoBrahe4e de métodos experimentais de Galileu5.

Desde a antiguidade a humanidade busca explicações para os fenômenos naturais que ela observa e tenta compreendê-los para que se possa ter uma relação mais previsível com os mesmos. Os primeiros conceitos formulados tinham como base simplesmente a observação (Macdowell, 1988).

Silva e Mannrich (2013), concordam que a física busca respostas para fenômenos naturais e que a matemática está além de uma ferramenta para alcançar este objetivo. A matemática e a Física tem uma relação muito estreita mesmo que os motivos para esta relação não estejam claros.

Embora a maioria dos problemas físicos possam ser apresentados por equações matemáticas devemos ter muita cautela ao tentar traduzir um conceito físico para uma equação matemática, pois como veremos logo a seguir nem sempre a interpretação matemática de uma equação coincide com a interpretação física da mesma. ​​ Se não estivermos atentos a isso, acabamos correndo o risco de construir conceitos que embora corretos do ponto de vista matemático possam estar errados numa interpretação física.

Muitos professores de física, e também alunos, atribuem o fracasso nessa disciplina à falta de habilidade matemática (PIETROCOLA, 2002).

No desenvolvimento deste trabalho tentaremos demonstrar a complexidade que existe na relação entre a física e a matemática. Através de estudos sistemáticos de alguns conceitos físicos é possível perceber que estamos submetidos a erros severos ao tentarmos fazer uma interpretação puramente matemática de determinados fenômenos físicos, deixando claro a importância da interpretação física das equações para o bom e correto entendimento de um conceito físico.

A relação entre estas duas ciências já vem sendo discutida desde a antiguidade por filósofos, matemáticos e físicos como Aristóteles6 e Pitágoras7 e de uma forma geral todos compartilham a ideia de que a matemática é uma ferramenta que auxilia na compreensão dos fenômenos físicos, bem como a física é uma fonte inspiradora para o desenvolvimento da matemática. Mesmo na atualidade alguns autores como Bonjorno et all. (1992) e Ramalho et all. (1979) continuam compartilhando da ideia de que a matemática é uma ferramenta simplificadora para descrever os fenômenos físicos.

A matemática só pode ser considerada uma ferramenta simplificadora quando usada no contexto da física, ou então além de não cumprir o seu papel, poderá torna-se uma barreira que irá dificultar o aprendizado dos conceitos físicos, ou até mesmo, levar o estudante a construção de um conceito inverídico. ​​ Como exemplo clássico da importância da interpretação fisicamente correta podemos referenciar o episódio da equação de Dirac, onde as soluções da equação resultavam, numa primeira interpretação matemática, em valores de energia negativa. Com uma reanálise da equação, foi proposto pelo próprio Dirac, que as energias negativas, eram na realidade as anti-partículas, corroborando com uma idéia que apenas as interpretações matemáticas, sem uma interpretação física, podem trazer graves equívocos.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Conforme Pietrocola (2002), os vestibulares reforçam a teoria da Física como sinônimo de um operacionalismo matemático.

Isto é fácil de se observar pelas questões propostas nos exames que muitas vezes dão maior ênfase a dificuldade do cálculo do que ao fenômeno físico em questão no exercício. Sendo assim, teremos um problema, pois aqueles estudantes com facilidade em matemática poderão até mesmo acertar as questões sem ter o conhecimento físico necessário, ou ainda, quando uma das grandezas for uma constante, serem induzidos ao erro por interpretarem as questões de forma puramente matemática.

Segundo Pietrocola (2002), quando conversamos com professores de física ou até mesmo com os alunos parece existir um senso comum de que uma boa parte do fracasso dos estudantes nas disciplinas de física é atribuída a dificuldade que eles têm na matemática.

Está é uma grande barreira no aprendizado da física pois alguns professores preferem jogar para a matemática a dificuldade de seus alunos, ao invés de mostrar-lhes outros caminhos para o aprendizado da mesma. Por isso, Branco e Moutinho (2015) dizem o seguinte:

Cabe ao professor desenvolver novas práticas que permitam aos alunos um melhor aprendizado, utilizando-se de metodologias que aumentem seu interesse e façam com que eles encontrem suas próprias respostas e construam soluções para os problemas apresentados. O educador tem por objetivo, promover este desenvolvimento, favorecendo o crescimento do aluno por seus próprios meios e oferecendo condições para que isso ocorra.

 

Também é preciso que se mostre aos alunos e mesmo professores, que a compreensão dos conceitos físicos está além da matemática e que devemos ter cuidado ao manipular equações físicas com os métodos matemáticos, que podem, por vezes, não serem verdadeiros, principalmente quando as grandezas das equações possuírem alguma constante. Pietrocolla (2002, p.99) afirma ainda que:

[...] de muito pouco ou de quase nada, interessa a vivência isolada do aluno no contexto próprio da Matemática, sem um esforço específico de introduzi-lo na “arte” da estruturação do pensamento através da Matemática.

A matemática dentro da física precisa ser introduzida de forma diferente, pois ela não pode ser aplicada sem que se tenha o conhecimento do conceito físico, a matemática por si só não é capaz de traduzir muitos conceitos, por isso deve ser introduzida pelo professor de física de maneira que possa ajudar a estruturar o conhecimento conceitual.

A matemática é sim muito importante no conhecimento dos fenômenos físicos mas deve ser utilizada como uma intermediadora e as manipulações de equações devem ser cuidadosas para que não criem situações distorcidas onde o conceito pode se perder e ficarmos apenas com uma equação puramente matemática.

Segundo Poincaré (1995), a matemática é a única linguagem que o físico pode falar, pois a linguagem corrente é muito pobre e vaga para exprimir as leis da física.

Este é um pensamento ao qual devemos refletir pois, assim como a matemática se aprimora ao longo do tempo, a linguagem corrente no caso a que está sendo escrita este trabalho, também pode ser aprimorada. O ensino da física não pode se limitar ao uso de um único método ou linguagem. Antes da introdução de equações os conceitos físicos devem ser cuidadosamente trabalhados para que não haja uma distorção dos mesmos.

Pietrocola (2002) tenta demonstrar com argumentos teóricos que na verdade existe uma relação muito mais complexa entre a física e a matemática do que simplesmente pensar que a matemática é uma linguagem universal para o entendimento da física.

Não é necessário nenhum conhecimento mais profundo da matemática para que o aluno entenda e compreenda os conceitos físicos.

Inegavelmente que é de suma importância a matemática para os desenvolvimentos práticos como resolução de problemas físicos mas isso não quer dizer que o aluno não possa entender o conceito envolvido no problema sem se quer conhecer a matemática necessária para resolvê-lo.

Como neste trabalho tenta-se demonstrar que uma interpretação puramente matemática pode levar o aluno a uma interpretação errada do conceito físico, usaremos os conceitos de campo elétrico e campo gravitacional para que o entendimento se torne mais simples. Limitamos nossos estudos a estes dois conceitos, devido ao vasto conteúdo trazido nestes livros.

 

2.1.  CAMPO GRAVITACIONAL E CAMPO ELÉTRICO

Campo é uma propriedade física adquirida por uma certa região do espaço, e originada pela presença de uma massa, carga elétrica ou um corpo magnetizado. (PIETROCOLA et al., 2016)

Temos várias semelhanças entre o campo gravitacional e o campo elétrico, como será descrito a seguir, mas o que mais nos interessa para este trabalho é que assim como o campo elétrico o gravitacional também se mantém constante para uma certa distância d.

Tanto o campo gravitacional como o campo elétrico são grandezas intrínsecas ao corpo ou partícula, eles existem independentemente da situação. E são inversamente proporcionais ao quadrado da distância entre o corpo que os origina e o que sofre a influência do mesmo.

Conforme Hewitt (2011), o campo gravitacional e o campo elétrico são grandezas de mesma natureza, ou seja, dependem de sua origem e não da situação que se encontram.

Sendo assim, podemos afirmar que os campos gravitacionais e elétricos dependem exclusivamente do corpo ou carga geradora, as partículas, massas ou cargas que estiverem sob a ação destes campos não terão efeito sobre os mesmos.

2.1.1. CAMPO GRAVITACIONAL

Campo gravitacional é uma região do espaço onde um corpo gera uma perturbação ao seu redor, ou seja, um corpo que possui massa ​​ vai exercer uma força sobre um outro corpo que esteja situado na região de atuação do campo gerado por .

Hewitt (2011), diz que a intensidade do campo gravitacional, assim como, a intensidade da força que age sobre uma massa, obedece a lei do inverso do quadrado. Esse campo existe tanto fora como dentro da massa que está sendo analisada, portanto ao realizarmos cálculos com grandes massas (como a terra por exemplo) devemos considerar o seu raio.

Para que se torne possível detectar a existência de um campo gravitacional devemos, em um ponto próximo a massa , colocar uma outra massa ​​ e observar se essa sofrera a ação de uma força. Vale a pena lembrar que todas as forças gravitacionais até hoje observadas foram de atração, nunca de repulsão.

No século XVI, Isaac Newton sugeriu uma equação empírica capaz de calcular o módulo dessa força (HEWITT, 2011).

(1)

Onde:

- ​​ é a força gravitacional;

- ​​ é uma constante denominada de constante de gravitação universal;

- é a massa Geradora do campo gravitacional;

- ​​ é a massa que está inserida no campo gravitacional de .

- é a distância entre o centro da massa ​​ até o centro da massa .

Da Luz et al. (2008, volume 1) caracterizam o peso de um corpo () como sendo a força de atração que a terra exerce sobre o mesmo, um corpo qualquer de massa ​​ abandonado em uma certa região que esteja dentro do campo gravitacional terrestre cairá devido a seu peso (força que atua sobre ele) e adquirirá uma aceleração ​​ (aceleração da gravidade).

Temos então, pela segunda lei de Newton, que em sua forma original é:

 ​​​​ 

(2)

Logo, o peso do corpo poderá ser calculado por:

 ​​​​ 

(3)

 Se o peso como trata o autor é a força que atua sobre ele, temos a força gravitacional como sendo o produto da massa pela gravidade, .

Agora vamos ver o que acontece quando igualarmos as duas equações de força gravitacional:

As massas (m) irão se cancelar e isolando ​​ obtemos o campo gravitacional:

 ​​ ​​​​ 

(4)

 Desta maneira podemos observar que para uma massa ​​ fixa responsável por gerar o campo, a intensidade dele não depende da massa , sendo este campo então, constante para uma mesma região do espaço.

Onde:

- ​​ é o campo gravitacional;

- ​​ é a constante de gravitação universal;

- é a massa;

- é a distância entre o centro da massa até o ponto a ser analisado.

Se pegarmos como exemplo o campo gravitacional da terra podemos dizer que para pequenas distâncias em relação ao raio da terra o campo gravitacional se mantém praticamente constante, pois passa a ser , onde é o raio da terra.

Como sugestão de leitura, caso exista alguma dúvida quanto às diferenças entre massa inercial e gravitacional, deixamos o artigo do Prof. Otávio Cesar Castellani na revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 23, nº 3 de 2001 com o título “Discussão dos Conceitos de Massa Inercial e Massa Gravitacional”.

 

2.1.2. CAMPO ELÉTRICO

Campo elétrico é uma região do espaço onde uma carga gera perturbação ao seu redor, ou seja, uma carga geradora Q irá exercer uma força sobre uma outra carga que esteja situada na região de atuação do campo gerado por Q.

Conforme Hewitt (2011) o espaço ao redor de cada corpo que esteja eletricamente carregado, está ocupado por um campo elétrico como se fosse uma aura energética que preenche este espaço.

Para que se torne possível detectar a existência de um campo elétrico devemos, em um ponto próximo a carga geradora , colocar uma outra carga ​​ (conhecida na literatura como carga de prova) e observar se esta sofrera a ação de uma força. A força elétrica pode ser tanto de repulsão como de atração, o sentido desta força dependerá do sinal das cargas interagentes.

A força elétrica, assim como a gravitacional reduz com o inverso do quadrado a medida em que aumenta a distância entre os corpos interagentes, essa relação foi proposta por Charles Coulomb no século XVIII (HEWITT, 2011).

 ​​​​ 

(5)

Onde:

- ​​ é a força elétrica;

- ​​ é uma constante de proporcionalidade que depende do meio onde as cargas estão inseridas;

- é a carga geradora do campo;

- ​​ é a carga de prova;

- é a distância que separa a carga ​​ da outra carga .

 Da Luz et al. (2008, volume 3) dizem que o campo elétrico () existe em um ponto do espaço, quando uma carga de prova ​​ colocada em sua região de atuação sofrer uma força de origem elétrica e que a intensidade deste campo é dada por ​​ que também pode ser escrita como .

Agora igualando as equações para a força elétrica, obtemos:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

As cargas ​​ irão se cancelar, assim como as massas no campo gravitacional, e isolando ​​ obtemos o campo elétrico.

 ​​​​ 

(6)

Onde:

- é o campo elétrico;

- é a constante eletrostática;

- é a carga geradora do campo elétrico;

- é distância entre a carga geradora e a carga de prova.

 Portanto para uma mesma configuração podemos dizer que ​​ é uma constante capaz de nos revelar o módulo do campo elétrico naquele ponto específico e ainda que o módulo do campo não depende da carga de prova .

Hewitt (2011) diz que a lei da gravitação de Newton é semelhante à lei de Coulomb para corpos que estejam carregados eletricamente, a maior diferença entre as forças que estes campos irão produzir é que a força gravitacional é sempre atrativa e a força elétrica pode ser tanto atrativa quanto repulsiva.

 

2.2. AS INTERPRETAÇÕES MATEMÁTICAS

Analisaremos as equações de campo gravitacional e campo elétrico dos pontos de vista físico e matemático para compreender os tipos de interpretações que podem ser geradas.

No livro didático utilizado nos terceiros anos do ensino médio no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense, Campus Pelotas – Visconde da Graça (IFSUL/CAVG),cujo tem como primeiro autor Maurício Pietrocola, o mesmo faz uma comparação entre os campos gravitacional, elétrico e magnético. Esta comparação é muito importante e não costuma ser abordada nos livros didáticos.

Segundo Pietrocola et al. (2016) o campo gravitacional manifesta-se quando ocorre a interação de massas, seja por meio da força peso ou da força gravitacional e o campo elétrico manifesta-se quando cargas elétricas interagem por meio da força elétrica.

Em seu livro didático, Física em contextos 3, Pietrocola (2016) apresenta e relaciona as equações de campo gravitacional e campo elétrico mas não diz que estes campos são constantes em uma determinada região do espaço e deixa margem a interpretações matemáticas que podem levar a erros conceituais.

Retomando a equação da segunda Lei de Newtom, , consideraremos agora como força gravitacional e isolaremos a aceleração (que neste caso é a gravitacional), obtendo:

Ou, ainda:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ ​​ Observando esta equação do ponto de vista matemático, poderíamos dizer o seguinte: a aceleração da gravidade é diretamente proporcional a força gravitacional e inversamente proporcional a massa, e para a matemática esta é uma afirmação correta.

Sendo assim, para uma situação em que duplicássemos a massa, mesmo mantendo-a na mesma região do espaço iríamos obter o seguinte:

Desta forma estaríamos reduzindo o campo gravitacional a metade.

Agora observando do ponto de vista da física, esse campo se mantém praticamente constante para pequenas distâncias e constante para um determinado ponto do espaço, então se duplicarmos a massa estaremos duplicando também a força gravitacional, desta maneira:

Veja que existe uma diferença muito grande entre as interpretações, para a mesma situação, estaríamos reduzindo a aceleração do campo gravitacional à metade se aplicarmos o formalismo matemático sem o conhecimento do conceito físico, este tipo de equação se não for devidamente abordada pode levar o estudante a construir um conhecimento errado do conceito físico.

Podemos demonstrar facilmente que o valor do campo não depende da massa ​​ que for introduzida na região que ele ocupa e sim da massa ​​ que está gerando o campo, basta igualarmos as equações de força gravitacional com a 2a lei de Newton como faremos na sequência:

Força gravitacional:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

  2a ​​ Lei de Newton:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ Que para a situação de um corpo sob ação do campo gravitacional também pode ser expressa como:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

Igualando:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

 

Obtemos:

 ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

 Esta demonstração nos permite perceber que a massa ​​ se cancela e que para a existência do campo gravitacional a única massa que nos interessa é a geradora do campo, portanto, .

 

3.     PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esse trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica exploratória-descritiva, pois conforme Lima e Mioto (2007):

Ao tratar da pesquisa bibliográfica, é importante destacar que ela é sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados obtidos. Portanto, difere da revisão bibliográfica uma vez que vai além da simples observação de dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão crítica do significado neles existente.

Sendo assim faremos uma pesquisa bibliográfica de algumas literaturas que foram ou ainda são utilizadas pelos professores de Física das escolas brasileiras para o ensino de Física 1 e Física 3, onde além das abordagens qualitativas poderão ser feitas comparações entre os campos elétricos e gravitacionais. ​​ Para delimitar a amostra foram escolhidos os livros: Física em contextos volumes 1 e 3 (2016) de Maurício Pietrocola, Alexander Pogibin, Renata de Andrade e Talita Raquel Romero8; Física volumes 1 e 3 ​​ (2008) de Antônio Máximo e Beatriz Alvarenga9; Física ensino médio volume único (2005) de José Luiz Sampaio e Caio Sérgio Calçada10.

Como mencionado anteriormente, o objetivo dessa pesquisa é verificar se os autores desses livros demonstram de forma clara a preocupação em mostrar tanto para o professor quanto para o aluno que adota sua literatura que muitas vezes a interpretação puramente matemática de uma equação física não é a mesma interpretação matemática feita pelo professor de física.  ​​​​ Devido ao vasto conteúdo trazido nesses livros limitamos nossos estudos ao conceito de campo gravitacional e de campo elétrico já que esses conteúdos trazem várias semelhanças como veremos a seguir.

 

 

3.1. ANÁLISE DOS LIVROS FÍSICA EM CONTEXTOS ​​ (v. 1 e 2, 2016)

Em seu livro didático Física em contextos, volume 1, Pietrocola et al. (2016), apresentam o campo gravitacional e aceleração da gravidade da seguinte maneira:

Uma característica importante da força gravitacional é o fato de ela ter ação a distância, ou seja, não é necessário haver contato entre os corpos, pois a interação é mediada pelo que chamamos de campo gravitacional. Qualquer massa é fonte de um campo gravitacional ao seu redor.

Nos capítulos anteriores, definimos a força peso, uma força de natureza gravitacional, como:

Neste capítulo, vimos que essa força também pode ser calculada como resultado da atração entre dois corpos:

Então considerando que:

Temos:

Assim definimos o campo gravitacional () como um vetor que aponta para o centro do planeta e cuja intensidade diminui com o quadrado da distância.

Neste livro não conseguimos identificar uma preocupação com a interpretação matemática da equação de campo gravitacional.

No livro Física em contextos, volume 3, Pietrocola et al. (2016), o campo elétrico vem apresentado da seguinte forma:

O campo elétrico existe na região de partículas eletricamente carregadas, ou seja, cargas elétricas são fontes de campo elétrico. Assim, quando qualquer carga de prova é inserida na região de um campo elétrico, ela passa a atuar sobre ambas as forças (interação) de natureza elétrica.

Assim como a terra (de massa ) é o corpo gerador ou fonte do vetor campo gravitacional () nos exemplos anteriores, vamos considerar uma única partícula eletricamente carregada com carga Q. Sabemos que essa partícula gera um campo elétrico na região onde está e, como os campos de interação podem ser representados por vetores, definimos o vetor campo elétrico ​​ com três atributos: direção, sentido e intensidade.

Para Q positiva, a direção de ​​ é radial (a partir de Q) e seu sentido é de afastamento (repulsão). Para cargas positivas essa orientação coincide com os vetores campo elétrico () em qualquer posição.

Para Q negativa, a direção de ​​ é radial (a partir de Q) e seu sentido é de aproximação. Para cargas negativas, essa orientação coincide com os vetores campo elétrico () em qualquer posição (P).

Mas como determinar a intensidade do campo elétrico?

A força elétrica () é resultado da ação do campo gerado por Q sobre a carga de prova (), o que nos permite escrever:

Como já conhecemos a expressão para a força resultante da interação de duas cargas, podemos escrever a intensidade do campo elétrico gerado pela carga fonte Q:

​​ → ​​ →

A unidade usada para medir campo elétrico no SI é newton por coulomb (N/C).

O livro não traz o campo elétrico como uma constante em uma certa região do espaço, deste modo, fica sujeito a interpretações puramente matemáticas.

Os livros didáticos Física em contextos, em nossa percepção, tentam aproximar o ensino de física com o cotidiano dos alunos, quando trata, por exemplo, de campo gravitacional fazem analogia com o campo de perfume de uma flor e dizem que quanto mais próximo da flor mais forte será seu perfume, assim como o campo gravitacional quanto mais próximo do corpo gerador mais forte será o campo. Não podemos perceber nestes livros o cuidado com a interpretação matemática das equações de campo gravitacional e campo elétrico. Os autores não chamam a atenção do leitor para o fato de estes campos serem constantes para uma mesma região do espaço e não dependerem do módulo da carga de prova. ​​ Dessa forma as equações deixam margem a interpretações que podem não expressar o conceito físico em questão.

 

3.2. ANÁLISE DOS LIVROS FÍSICA (V. 1 e 2, 2008)

Máximo e Alvarenga (2008), no livro Física volume 1, não chegam a definir o campo gravitacional, mas usando a terra como exemplo, obtém a equação matemática para a aceleração da gravidade como veremos a seguir:

Consideremos um corpo, de massa ​​ situado a uma distância ​​ do centro da Terra. O peso deste corpo, pela 2a lei de Newton, é dada por

onde ​​ é o valor da aceleração da gravidade na posição onde se encontra o corpo. Entretanto, este peso ​​ é a força de atração que a Terra exerce sobre o corpo. Pela Lei de Gravitação Universal podemos, pois, escrever

Onde ​​ é a massa da Terra (suposta concentrada no seu centro).

Igualando estas duas expressões de , virá

 ​​​​ donde ​​ 

Assim, chegamos a uma expressão matemática que nos permite calcular a aceleração da gravidade em um ponto nas proximidades da superfície terrestre, quando conhecemos , a massa da Terra e a distância deste ponto ao centro da terra.

Mesmo tendo a preocupação de salientar a não dependência do campo gravitacional com a massa que está sob a influência deste campo, pois dizem logo a seguir que como o valor da massa ​​ não aparece na equação, portanto, não depende de , os autores não alertam para o cuidado com as interpretações matemáticas.

Máximo e Alvarenga (2008), no livro Física volume 3, trazem a seguinte discussão para campo elétrico:

[...] dizemos que em um ponto do espaço existe um campo elétrico quando uma carga , colocada neste ponto, for solicitada por uma força de origem elétrica.

Seguem, salientando que o campo elétrico não depende da presença da carga de prova, no caso, .Em seguida resumem que:

Sendo ​​ o módulo da força elétrica que atua em uma carga de prova , colocada em um ponto do espaço, o vetor campo elétrico ​​ neste ponto tem uma intensidade obtida pela relação .

A direção e o sentido do vetor ​​ são dados pela direção e sentido da força que atua na carga de prova positiva colocada no ponto.

Neste momento achamos prudente que quando falassem de carga de prova salientassem que esta, por convenção, será sempre positiva. Mais adiante, relacionam a Lei de Coulomb com campo elétrico da seguinte maneira:

Consideremos, então, uma carga pontual , no ar, e um ponto situado a uma distância ​​ desta carga. Se colocarmos uma carga de prova ​​ neste ponto, ela ficará sujeita a uma força , cujo módulo poderá ser calculado pela lei de Coulomb, isto é,

Como , obtemos facilmente

 Nos comentários, reforçam que a carga de prova ​​ não aparece na expressão e, portanto, o campo não depende desta. E ainda salientam que isto poderia ser pensado se a equação ​​ fosse analisada erroneamente. Mesmo trazendo esta discussão não alertam que este erro poderia se dar por uma simples interpretação matemática da equação.

 

3.3. ANÁLISE DO LIVRO FÍSICA: ENSINO MÉDIO (2005)

Sampaio e Calçada (2005), apresentam o campo gravitacional apenas relacionando as equações de força gravitacional e força resultante da segunda lei de Newton e utilizam também a Terra como exemplo:

Inicialmente vamos supor que a terra seja rigorosamente esférica, sua massa esteja distribuída de modo simétrico e que não tenha movimento de rotação.

Vamos considerar um corpo de massa ​​ e dimensões desprezíveis colocado a uma distância ​​ do centro da Terra. A força que a Terra exerce no corpo tem intensidade dada pela Lei da Gravitação de Newton e deve ter a mesma intensidade que o peso :

 Os autores não chegam a abordar, conceitualmente, a não dependência de ​​ na equação de campo gravitacional e também não realizam uma abordagem Física da equação matemática obtida.

Quando tratam de campo elétrico inferem que:

Os efeito elétricos que ocorrem nas proximidades de cargas elétricas são atribuídos à existência de um campo elétrico.

Na sequência utilizam como exemplo os pelos de nossos braços que ficam eriçados ao aproximarmos da tela de um televisor que esteja ligado. Discutem que por convenção o campo elétrico gerado por cargas positivas terá um sentido de afastamento da carga geradora e quando gerado por cargas negativas o sentido será de aproximação. Mais adiante demonstram o seguinte:

Usemos as seguintes equações:  ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​ ​​​​ 

Substituindo-se a segunda na primeira, vem:

Cancelando a carga de prova , vem:

Podemos notar que mais uma vez a relação entre a interpretação física e a interpretação matemática não é analisada pelos autores. A falta desta análise pode vir a contribuir com o aprendizado de um conceito físico equivocado.

 

 

4. Considerações Finais

Embora este trabalho tenha se limitado ao estudo de apenas alguns livros, podemos observar que, para estes, o título do nosso trabalho, As armadilhas matemáticas na interpretação dos conceitos físicos, se justifica, pois os livros em questão não deixam, de maneira explícita, claro que as equações físicas não podem ser interpretadas simplesmente aos olhos da matemática.

Após a análise dos seguintes livros: Física em contextos volumes 1 e 3 (2016) de Maurício Pietrocola, Alexander Pogibin, Renata de Andrade e Talita Raquel Romero; Física volumes 1 e 3 (2008) de Antônio Máximo e Beatriz Alvarenga; Física ensino médio volume único (2005) de José Luiz Sampaio e Caio Sérgio Calçada, podemos observar que não é feita uma abordagem onde o estudante possa entender os campos gravitacionais e elétricos como sendo constantes em uma certa região e deixam margem para uma possível interpretação puramente matemática que pode levar a construção de um conceito físico errado.

Os livros analisados não trazem uma discussão que permita ao estudante perceber que a física não pode ser traduzida, em sua totalidade, com interpretações puramente matemáticas e que por trás destas deve sempre haver uma construção de um conceito físico que nem sempre está explícito na interpretação matemática das equações de algumas grandezas físicas, como as que foram trabalhadas nesta monografia.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BONJORNO, R., BONJORNO, J. R., BONJORNO, V. E RAMOS, C. 1992, Física. Editora FTD, São Paulo, SP, 1992.

  • BRANCO, Alberto Richielly M. Castelo; MOUTINHO, Pedro E. Conceição. O LÚDICO NO ENSINO DE FÍSICA: O USO DE GINCANA ENVOLVENDO EXPERIMENTOS FÍSICOS COMO MÉTODO DE ENSINO. Disponível em: <http://dfis.uefs.br/caderno/vol13n2/s2Artigo1Gincana.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2018.

  • DA LUZ, Antônio Máximo Ribeiro; ÁLVARES, Beatriz Alvarenga. Física ensino médio. Editora Scipione, 2008, 1a edição, volume 1. São Paulo.

  • DA LUZ, Antônio Máximo Ribeiro; ÁLVARES, Beatriz Alvarenga. Física ensino médio. Editora Scipione, 2008, 1a edição, volume 3. São Paulo.

  • DA SILVA, Henrique César; MANNRICH, João Paulo. Kuhn e a linguagem matemática na Física: contribuições para seu ensino. Disponível em: <http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/ixenpec/atas/resumos/R0848-1.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2018.

  • DE LIMA, Telma Cristiane Sasso; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v10nspe/a0410spe>. Acesso em: 11 jun. 2018.

  • HEWITT, Paul G. FÍSICA Conceitual. Editora Bookman, 2011, 11ª edição. Porto Alegre.

  • MACDOWELL, Samuel. Responsabilidade social dos cientistas 
    Natureza das ciências exatas.
    Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000300005>. Acesso em: 20 mar. 2018.

  • MÁXIMO, Antônio; ALVARENGA, Beatriz. Física ensino médio. Editora Scipione, 2008, 1a edição. São Paulo.

  • PIETROCOLA, Maurício. Caderno Catarinense de Ensino de Física. v.19, n.1: p.89-109, ago. 2002.

  • PIETROCOLA, Maurício et al. Física em contextos. Editora do Brasil, 2016, 1a edição. São Paulo.

  • POINCARÉ, H. O Valor da Ciência. Pg. 91. Tradução Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995

  • RAMALHO, F., SANTOS, J.I.C., FERRARO, N.G. SOARES, P.A. T: 1979, Os 

  • Fundamentos da Física. Editora Moderna, 1979, 3ª edição, São Paulo.

  • SAMPAIO, José Luiz; CALÇADA, Caio Sérgio. Física ensino médio. Atual Editora, 2005, 2a edição. São Paulo.

 

1

​​ Publicado pela Editora do Brasil em 2016.

2

​​ Publicado pela Editora Scipione em 2008.

3

​​ Publicado pela Atual Editora em2005.

4

 ​​​​ Astrônomo dinamarquês (1546 -1601).

5

​​ Físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano (1564 – 1642).

6

​​ Filósofo grego (384 a.C.-322 a.C.)

7

​​ Filósofo e matemático grego (570 a.C. - 495 a.C.)

8

​​ Publicado pela Editora do Brasil em 2016.

9

​​ Publicado pela Editora Scipione em 2008.

10

​​ Publicado pela Atual Editora em2005.

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